Única mulher em escalação de festival, cantora diz que machismo no rock é derivado da sociedade: “O nicho é só um reflexo”
Lucas Brêda, de Ribeirão Preto Publicado em 21/06/2015, às 10h08
Não é preciso muito esforço para perceber a renovação pela qual Pitty passou nos últimos anos da carreira. Figura errante e radicalizada quando surgiu no universo da música, no começo dos anos 2000, a cantora hoje se mostra muito mais confiante, tanto dentro quanto fora do palco. Prova disso são os shows da atual turnê dela, do disco Setevidas, da qual fez parte a apresentação no festival João Rock, de Ribeirão Preto, que aconteceu no último sábado, 13 – saiba como foi.
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No backstage do festival, ela concedeu uma entrevista coletiva e comentou, entre outras coisas, o fato de ser a única mulher escalada para subir a um dos (dois) palcos do evento. “O rock é um reflexo da nossa sociedade”, disse. “Existem setores extremamente patriarcais, e o rock é um deles. É difícil. No início, eu fazia de tudo para não ser vista como ‘a garotinha’.”
Ela seguiu lembrando-se do começo da carreira. “Eu tinha uma postura muito mais masculinizada e radical para que eu não fosse confundida com um bibelô – que é como as mulheres geralmente são tratadas – objetificadas. Eu não queria ser objetificada no palco. Queria que me levassem a sério. Queria que prestassem atenção na minha música, e não na minha aparência. Minha estratégia foi essa.”
Edição 93 – Pitty (entrevista RS).
“Acho que muitas mulheres adotam esse tipo de estratégia em vários setores”, continuou. “Não deveria ser assim. Nós deveríamos poder ser o que somos. Poder usar o que quisermos. Maquiar-nos ou não. Usar short ou não. E, independente disso, ter respeito pelo nosso trabalho.”
Como forma de conclusão, Pitty virou-se à repórter e disse: “Então, se você me pergunta: ‘Por que isso [ser a única mulher em um festival das dimensões do João Rock] acontece no rock?’, eu pergunto de volta: ‘Por que isso acontece na nossa sociedade?’. Acho que é mais amplo. O nicho é só um reflexo’.”
Uma foto publicada por Revista Rolling Stone Brasil (@rollingstonebrasil) em
Pitty também falou sobre a necessidade de renovação da música pop brasileira: “Gosto muito de procurar bandas novas, porque acho importante que a coisa se renove. Senão fica só isso. Fico muito feliz de ter muitos anos de carreira – e quero ter muito mais, pra lá de Mick Jagger! Mas acho muito importante que pintem bandas novas.”
Pitty mesclou canções do disco Setevidas com hits da carreira no Lollapalooza 2015.
“Não acho legal que fique só as bandas da minha geração ou da geração do Capital”, continuou, falando do grupo de Dinho Ouro Preto, que se apresentava simultaneamente à entrevista no palco principal do João Rock 2015. “O bagulho tem que girar, se não é perigoso, sabe?”
A baiana afirmou estar “sempre pesquisando” bandas novas, e citou o duo sergipano The Baggios (conheça-os melhor aqui). “Procuro saber o que a molecada está fazendo para dialogar com isso. Penso que é a forma de se manter contemporâneo também – percebendo o que está acontecendo.”
Sobre a relação com o público e as composições mais recentes, ela ainda disse: “Os fãs estão se adaptando. A arte que se adapta à demanda não é arte, é publicidade. É outra coisa. Não faço um produto para atender a uma demanda. Faço uma coisa e, se as pessoas se identificam com isso, ótimo, sabe? Se você fizer o contrário, corre o risco de virar simplesmente um produto vazio.”
Show no João Rock 2015
Única mulher no festival, Pitty usou o fato de ser minoria ao seu favor: abraçou a feminilidade e a transformou em confiança e expressão. Acompanhada por uma banda pulsante – e que não faz questão de pegar leve –, ela passeou pelos hits radiofônicos antigos e dividiu as angústias das letras com milhares dos presentes que cantaram junto.
“Fui encarar a maturidade depois de ouvir as pessoas falando sobre ela”, diz Pitty.
Pitty mostrou que a renovação pela qual passou com Setevidas (2014) só pode ter lhe feito bem. E só com a autoridade que adquiriu, a baiana teve coragem de puxar faixas novas – e ainda pouco conhecidas – como “Um Leão”, de um anti-refrão grave, mostrando que tão importante quanto entreter é ser entretida pela própria arte.
De “Teto de Vidro” a “Na Sua Estante”, passando por “Máscara” e “Me Adora”, foram abundantes as faixas cantadas em uníssono pelo público. Mas o momento de maior vibração pop foi “Equalize”, cujo instrumental em volume mais baixo destacou a voz da plateia, acompanhando a cantora a plenos pulmões.
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