Músico estreou turnê de três noites no Sesc Vila Mariana com uma apresentação nada convencional e desconstruída
Antônio do Amaral Rocha Publicado em 01/11/2014, às 14h43 - Atualizado às 15h15
Com as luzes do palco ainda apagadas, a banda entrou toda vestida com capa preta e máscaras fantasmagóricas colocadas acima de pescoços falsos que alongavam as figuras. Andavam como autômatos. Entre eles estava Tom Zé. O público não sabia o que esperar e aqui e ali ouvia-se cochichos nervosos. Com o palco já iluminado, as figuras se postam em seus lugares e começam os acordes de “Geração Y” (de Tom Zé e Henrique Marcusso), música de trabalho do CD que Tom está lançando, o primeiro de sua longa lista que não tem uma proposta única, Vira Lata na Via Láctea.
Exclusivo: Tom Zé coloca a “Geração Y” contra a parede em primeira música do novo disco; ouça.
A música fala da geração formada pela internet, pela informação instantânea, que não gosta de política e que terá que enfrentar o paradoxo de em algum momento ter que governar. O que ele define com uma “puta” tragédia. A reação do público é um misto de surpresa e expectativa sobre quais serão as estripulias que o “jovem” compositor baiano de 78 anos vai aprontar a partir daí. E como em qualquer show, Tom Zé discursou, contou histórias, riu de si mesmo. Ou seja, foi Tom Zé como nunca e levou ao extremo o seu “anti-show”.
O set list trouxe em seguida “Cabeça de Aluguel”, uma canção ainda em clima de tragédia, executada com todos ainda paramentados e cantada em coro pela banda. Logo, desfizeram-se das capas e das máscaras e surge um Tom Zé vestido de paletó, calça e camisa manchadas com tinta colorida, como operário pintor de paredes. A banda (formada por Daniel Maia, guitarra; Jarbas Mariz, percussão e voz; Cristina Carneiro, teclados; Felipe Alves, contrabaixo e Rogério Bastos, bateria) vestia figurino preto.
Tom fez a primeira intervenção da noite ao palestrar sobre o humano, o pós-humano e da nossa relação como centro do mundo. Afirmou que na melhor das possibilidades, hoje, somos colocado entre os objetos, citando filósofos. Para reafirmar o que estava dizendo foi rasgando folhas de papéis onde estas verdades estavam escritas e aproveitou para introduzir o tema da próxima canção, “Salva Humanidade” (Tom Zé e Elifas Andreato), na qual ele canta que a curiosidade inventou e salva a humanidade.
Com a plateia já ganha e com o show caminhando como um ensaio aberto, Tom Zé introduziu o tema do samba “Banca de Jornal”, uma parceria com Criolo. E como Tom Zé não faz nada ao acaso - em todas as suas atitudes têm uma mensagem embutida - disse que o parceiro fez questão que ele trouxesse uma pilha de revistas ao palco. De uma sacola de plástico foi retirando as revistas e enumerando os títulos, dizendo se tratar de revistas maravilhosas. E não é necessário dizer que começou justamente pela Veja, da editora Abril, cujo nome atraiu vaias do público.
A política continuou presente na próxima música, “Esquerda, Grana e Direita”, cuja temática são os desacertos e contradições da sociedade atual na qual dinheiro compra corações e mentes e as contradições provocadas por isso. A música inclui em tom de discurso, feito por Jarbas ao megafone, uma declaração desconcertante do educador Paulo Freire que afirma que quando o operário vira protagonista ele age como opressor porque é a única coisa que aprendeu.
Logo em seguida Tom Zé ficou só com Daniel Maia no palco para fazerem aquilo que ele chamou de petit comité. E contou as circunstâncias da participação de Caetano Veloso no disco, dando a entender que as antigas divergências (“eu quero que Caetano vá tomar no cu”, disse ele em show de dois anos atrás) estão superadas. E isso pode ser mesmo verdade, a ponto de a letra de Caetano ter sugerido o nome do disco atual. Com Daniel Maia cantando a maior parte da canção fizeram “A Pequena Suburbana”. Parece que não tinham preparado outras canções para voz e violão e no momento decidiram pelo bolero “Cedotardar”, lançada originalmente em Com Defeito de Fabricação (1998), a única do set list que não faz parte do disco novo.
Banda de volta ao palco
Com a banda de volta ao palco, Tom contou histórias saborosas e irônicas sobre o tempo da ditadura em Irará, na Bahia, quando ele, o irmão Guga e amigos tiveram que se esconder no mato com medo do exército, que diziam iria invadir a cidade para prendê-los. Foi a introdução para o tema “Guga na Lavagem”.
A história contada logo depois envolveu o papa Francisco e os discursos recentes do religioso, assumindo claramente o lado dos pobres, especialmente aquele no qual ele disse que o homem não é só bem de consumo que depois de usado fica descartável. Tom declarou, gargalhando: “Isso é evangelho, não é comunismo. Só mesmo um argentino para ter essa coragem”. E falou também das coincidências dos discursos do papa com o que está na letra da música que fez a seguir, “Mamon” uma crítica ao dinheiro que quer profanar e tudo comprar.
Em seguida se referiu a pessoas de cidades do interior que mesmo sem instrução formal têm inteligência fora do normal, lembrando-se da personagem Seu Piroca (pediu desculpas pelo nome feio para os ouvidos paulistanos) e de Sinha Inácia, uma velha chefe da lavagem das escadarias da igreja na festa anual de Irará.
Ao reafirmou o tempo toda a nordestinidade embutiu mais uma resposta de Tom Zé sobre a dicotomia Sudeste/Nordeste dos tempos atuais. Esta fala introduziu “Irará Irá Lá” do EP O Tribunal do Feicebuqui (2013) também gravada neste disco atual. Interrompendo a música diversas vezes, falou dos personagens da cidade citadas na música, especialmente Renato, filho de Dona Ceci, “não fosse ele não estava aqui”, aquele que lhe apresentou o violão. Neste momento pegou o violão e tocou os primeiros acordes de “De Papo pro Ar”, de Joubert de Carvalho, música que o citado Renato lhe mostrou, dizendo que estes acordes foram como que uma iluminação, uma epifania que o fez aprender a tocar o instrumento. Lembrou também dona Maninha, mãe de leite dele.
Discorreu sobre psicanálise, dizendo que ouviu dizer de pessoa gabaritada que quando as mães desmamam os filhos elas querem a morte deles. De Dona Maninha contou que ela formou dois filhos mesmo na pobreza, um engenheiro civil e um médico, reafirmando a raça da pobre mulher, raça que disse também possuir . E aproveitou para lembrar da doação do dinheiro, ganho da propaganda do refrigerante, que fez à escola de música de Irará, em nome de Dona Maninha. Com esta música encerrou-se o set list.
Tom Zé explica a polêmica surgida no Facebook.
O bis foi atendido prontamente. Voltou dizendo, em tom de galhofa, que os artistas ficam muito chateados quando o público não pede bis. Antes de cantar a última, fez propaganda do disco atual e dos anteriores cantando “Jingle do Disco” que diz: “Comprem este disco (...) / Fará você ficar / Mais feliz e inteligente”. Terminou com “Papa Perdoa Tom Zé”, parceria com Tim Bernardes, também do EP Tribunal do Feicebuqui. E voltou a comentar as características da música, dizendo se tratar quase de uma ópera que poderia ser cantada no carnaval baiano que aceita de tudo, até valsa.
A mini temporada de Tom Zé continua neste fim de semana, neste sábado, 1, às 21 h, e domingo, 2, às 18h, no Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141 - Vila Mariana)
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