Clara Nunes - Divulgação

Trinta anos sem Clara Nunes

Amigos relembram a cantora, que morreu em 2 de abril de 1983

Guilherme Bryan Publicado em 02/04/2013, às 14h34 - Atualizado às 17h24

Clara Francisca Gonçalves Pinheiro, ou simplesmente Clara Nunes, foi uma das maiores cantoras da música brasileira, tendo fundamental importância na valorização do samba e da cultura afro. Com quatro décadas de vida e portelense de coração, a intérprete mineira, de Paraopeba, morreu exatamente há 30 anos, em 2 de abril de 1983, vítima de um choque anafilático, provocado em função de uma reação alérgica a um componente de um anestésico ao qual havia sido submetida cerca de um mês antes durante uma cirurgia de varizes. Antes, ela deixou vários marcos importantes na carreira. Um deles foi o de ter sido a primeira brasileira a vender mais de 100 mil cópias de um disco. A imagem da artista com saias brancas rendadas e flores no cabelo também foi muito marcante, tanto que se tornou uma das mais lembradas em função dos musicais estrelados por ela para o programa Fantástico, da TV Globo.

“Com 30 anos de morte, ela permanece completamente viva na memória de todo mundo. Jovens prestam homenagens o tempo inteiro, gravam discos com o repertório dela, montam peças teatrais, documentários de televisão”, comenta Paulo César Pinheiro, que foi casado com Clara Nunes durante cerca de oito anos e se tornou o compositor mais gravado por ela. “Ela continua no ar quase todos os dias. Então, a importância dessa pessoa, como artista, é inegável. É uma das maiores cantoras de todos os tempos na música brasileira”, ele continua. Pinheiro assinou a composição de clássicos inegáveis como “Canto das Três Raças”, “As Forças da Natureza”, “Brasil Mestiço Santuário da Fé”, “Portela na Avenida”, “Serrinha” e “À Flor da Pele”, primeira composição assinada também por Clara, em parceria com Maurício Tapajós.

Clara Nunes e Paulo César Pinheiro se conheceram por meio da canção “Menino Deus”, feita por ele ao lado de Mauro Duarte, e que fez parte do oitavo álbum da carreira dela, Alvorecer. O disco fez grande sucesso, vendendo mais de 300 mil cópias, graças a canções como “Contos de Areia”, de Romildo S. Bastos e Toninho Nascimento, e “Meu Sapato Já Furou”, de Mauro Duarte e Elton Medeiros. “Eu conheci a Clara dentro do meio musical. Como cantora, ela gravou quatro ou cinco músicas minhas”, conta Elton Medeiros. “Também participamos de bancas de julgamento de festivais em Três Rios e outras cidades. Então, ela era uma grande amiga. Era uma pessoa muito próxima, de quem eu frequentava a casa.”

Outro amigo muito chegado de Clara Nunes foi o compositor João Nogueira, cantor e compositor morto no ano 2000. “Foi ela quem apresentou minha mãe para o meu pai. Além de uma relação pessoal muito forte, João Nogueira compôs algumas músicas para ela cantar, caso de ‘Meu Lema’”, conta o cantor Diogo Nogueira, filho de João, que era ainda bebê quando Clara morreu. “Junto a Paulo César Pinheiro, meu pai fez a música ‘Um Ser de Luz’, após o falecimento dela. Essa é uma das mais lindas homenagens já feitas na música popular brasileira”, garante.

Ele continua: “‘Sem Companhia’ e ‘Conto de Areia’ se tornaram sucessos nacionais na voz de Clara e até hoje emocionam e mexem com a gente. Mas o repertório dela tem coisas muito boas, verdadeiras obras primas. Fica difícil eleger uma ou outra”.

Samba e Portela

Elton Medeiros ressalta o fato de Clara Nunes ser uma intérprete e grande divulgadora do samba como gênero musical. Juntos, em 1975, eles foram membros do Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo, fundado por Antônio Candeia Filho, que estava insatisfeito com os rumos das escolas de samba cariocas. “Ela ocupava um setor bastante importante não só nas gravadoras, como cantora de samba, como nas escolas de samba. Ela saía na Portela e no Quilombo. Então, era uma pessoa que ocupava todos os espaços possíveis para divulgar não apenas sua interpretação a favor do nosso gênero musical principal, como também até inventar algo digno de chamar atenção e apresentá-lo de todos os ouvintes”, acrescenta.

Portelense de coração, Clara Nunes também foi uma grande divulgadora da azul e branco, tanto que a história dela, de certo modo, se confunde e se mistura com a da escola de samba de Oswaldo Cruz, bairro do Rio de Janeiro. “Clara era uma cantora que a gente ouvia e sabia imediatamente quem era. Tinha uma voz muito bonita e foi muito importante para o samba e para a música brasileira”, comentou Paulinho da Viola à edição 73 da Rolling Stone Brasil, na qual ela figura na lista de 100 Maiores Vozes da Música Brasileira. “Quando ‘Coração Leviano’ foi gravada por Clara, se tornou um sucesso e isso me ajudou muito. Aonde eu chegava e cantava essa música, todo mundo cantava junto. E isso ela fez com inúmeros compositores. Outra virtude é que era portelense. Na Portela, as pessoas tinham um carinho muito grande por ela e esse carinho era recíproco. Sua morte prematura, no auge da carreira, foi um baque muito grande para todos nós.”

Tia Surica (apelido carinhoso de Iranette Ferreira Barcellos), integrante da Velha Guarda da Portela, também reconhece a forte relação de Clara Nunes com a escola. “Clara passou pela Mangueira, não se simpatizou lá, veio para a Portela e foi amor à primeira vista. E ela tem tanto a ver com a Portela que até o fim da vida dela foi lá", relata. "Tenho muitas lembranças dela na escola. O primeiro lançamento dos discos dela era sempre na quadra da Portela. Era madrinha da Velha Guarda e a cada ano ela saía de destaque em diferentes alas. Começou saindo de destaque na ala das baianas. Depois se integrou de destaque na Velha Guarda, onde ficou até o fim da vida.”

Início da Carreira

Mas Clara Nunes não ficou famosa apenas como intérprete de samba. Filha de um violeiro e participante das festas de Folia de Reis, ela, com apenas 10 anos, venceu um concurso de canto organizado na cidade, cantando o bolero “Recuerdos de Ypacaraí”. E o primeiro LP, A Voz Adorável de Clara Nunes, era composto por boleros e sambas-canções, a pedido da gravadora, que desejava apresentá-la como cantora romântica. Clara também interpretou composições de grandes nomes da música brasileira, como Dorival Caymmi (“Morena do Mar”), Chico Buarque (“Morena de Angola”) e Vinicius de Moraes, de quem interpretou “Serenata do Adeus”, vencendo a etapa mineira do concurso A Voz de Ouro ABC, antes de ganhar seu próprio programa, Clara Nunes Apresenta, na local TV Itacolomi.

Com Vinicius de Moraes, em 1973, Clara Nunes realizou o show O Poeta, a Moça e o Violão, no Teatro Castro Alves, em Salvador. O tal violão era tocado por Toquinho, que recorda a importância desse espetáculo. “Era um show muito vibrante. Vinicius até dançava em cena. E Clara completava essa junção de violão e poesia com sua voz cheia de vigor, espalhada pelo timbre caloroso e ao mesmo tempo enternecedor. Aprendi a admirá-la como pessoa e como intérprete de características especiais, e a destaco como cantora de talento incomum, mantendo até hoje seguidoras de suas qualidades vocais”, afirma. A respeito do convívio com a cantora, o violonista acrescenta: “Clara era uma pessoa doce, meiga, que facilitava a convivência dentro e fora do palco. Em torno dela pairava uma atmosfera sempre suave e afetiva, transformada em força humana em sua voz quente e vigorosa no palco ou nos discos”.

Ao todo, a artista gravou dezesseis álbuns, dos quais quatro ultrapassaram um milhão de cópias vendidas – Claridade (1975), Canto das Três Raças (1976), Guerreira (1978) e Nação (1982) – e um passou dos dois milhões de unidades vendidas – Brasil Mestiço (1980). “Lembrar, obviamente, é importantíssimo para que essa lembrança não morra, para que esse trabalho feito por ela, que foi grande profissionalmente, não desapareça. Ela foi uma das cantoras mais importantes que apareceram dentro da música brasileira. Então, a memória dela tem que ser lembrada sempre. Tentaram rotulá-la, mas ela sempre cantou todos os gêneros e muito bem”, completa Paulo César Pinheiro.

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