Cantora e compositora faz duas noites de shows no Sesc Pompeia e já pensa no próximo trabalho
Pedro Antunes Publicado em 07/12/2018, às 19h43
Era um papo durante uma sexta-feira, em um café atrás do Cemitério da Consolação. Uma região arborizada, calma, passarinhos cantavam ao fundo. Tulipa e seu irmão, Gustavo, os irmãos Ruiz, radiantes, relembravam as sessõe de gravação de Dancê. Dias felizes. Tulipa falava em celebração, em como seu disco, o terceiro, nascia da vontade de dançar e ver os outros no mesmo ritmo.
Os tempos são outros, três anos e pouco depois daquele papo em 3 de maio de 2015. Estamos em 2018, dezembro. Vivendo, ou sobrevivendo, numa outra realidade. E, inserida e diante dela, Tulipa Ruiz vai se despedir de Dancê, aquele que não é mais seu álbum mais recente, já que veio Tu, um álbum intimista, fechado, observador, meio feito de regravações de canções próprias em formato intimista, a outra metade inédita.
Eleito o melhor álbum pop contemporâneo pelo Grammy Latino, Dancê se despede com dois shows em São Paulo, no Sesc Pompeia (Rua Clélia, 93), sábado (às 21h30) e domingo (às 18h30) com todos aqueles que participaram da gravação do álbum, um trabalho mais coletivo, de experimentar a música fora da caixinha na qual Tulipa estava inserida em Efêmera (a estreia, de 2010) e Tudo Tanto (2012). Mais informações sobre os shows aqui.
"Foi um disco (Dancê) que aconteceu a partir do estímulo que recebi do meu público. Fiquei encantada com a maneira com a qual as pessoas decupavam a nossa sonoridade com os seus corpos", explica. "A partir daí eu criei o Dancê. Essa troca com o público me fez olhar para a minha própria partitura corporal, minha partitura cênica."
Na busca por novos caminhos estético-sonoros, Tulipa encontrou novos parceiros. Vieram "Os Cordeiros", Felipe e Manoel Cordeiro, João Donato, Metá Metá e PLIM (projeto de Sergio Machado) - todos, é bom dizer, estarão juntos de Tulipa e Dancê, no palco, pela primeira vez.
"Foi um disco que me fortaleceu", ela avalia. "Muitas parcerias, me fortaleceu em banda, me fortaleceu em bando. Saí um pouco da minha banda, me misturei com outras sonoridades essa pororoca de linguagem foi muito nutritiva para mim."
Intuição de "Algo Maior"apontou para o que vinha pela frente
Dancê, de alguma forma, previu um futuro não tão iluminado. Enquanto o restante do disco apontava para dias de sol, o álbum chegava ao fim com "Algo Maior", uma canção escrita em família (por Tulipa, Gustavo e o pai deles, Luiz Chagas) e gravada com a participação da banda Metá Metá.
Ali, Tulipa e Juçara Marçal cantavam perturbadoramente: "Tá pra nascer algo entre nós / Que pode trazer consequências irreversíveis, perturbar". Depois, encerravam a esperança de um nascer do sol bonito. "Sim vai chover, vai ser melhor chuva, chuva / Chuva que só troveja mas não cai".
"Foi estranho o momento dela", relembra Tulipa. "Eu tive essa sensação de que aconteceria algo maior. O momento dela (da música) nem era o Dancê, ela apareceu ali, mas o lugar dela era mais para frente, eu senti isso."
Por isso, "Algo Maior" foi uma das canções revisitadas em Tu, o disco que "aconteceu". "É um cajado que eu guardo comigo desde então, um mantra que eu verbalizo na nossa atual trincheira contemporânea. Arte é isso. Serve para que a gente entenda, decupe e transforme a obscuridade que temos vivido e está por aí."
Tulipa Ruiz gosta de ciclos. Vivê-los e, por fim, encerrá-los. Assim será com Dancê, também - Tu, o álbum mais recente, como já foi dito, foi uma exceção que surgiu durante a turnê do disco anterior. "Começo um disco no final do anterior", ela diz. "É encerramento e abertura, porque vou sair querendo fazer 40 mil coisas."
"É importante ritualizar, sobretudo nesse apocalipse contemporâneo, nessa atual atmosfera de dispersão, a gente precrecisa ritualizar as coisas para não ficar pirando no contemporâneo tão cheio de informação e disperso", ela avalia.
E são temos outros esses, mesmo. Se o papo sobre o início do ciclo de Dancê se deu frente a frente, entre cafés, a despedida se faz por meio de mensagens de áudio. Ainda assim, frente a tanto, há espaço para o fora do comum e do sorriso.
"Nossa, gente, tô aqui no trânsito, espera um pouco", diz Tulipa, ao interromper a gravação de uma resposta sobre "a obscuridade que está por vir em 2019", enquanto, dentro do carro, se dirigia a caminho de uma entrevista para rádio. "A Laerte acabou de passar por mim aqui de bicicleta. Maaaaravilhosa. Que cena incrível."
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