Trio curitibano se transforma, compreende o palco e se mostra pronto para o estrelato com três shows no Festival CoMA; Scalene e BaianaSystem movimentam multidões
Pedro Antunes, de Brasília* Publicado em 04/08/2019, às 16h39
No Festival CoMA, e em qualquer outro desses eventos dedica à música, de Lollapalooza a Rock in Rio, os palcos principais recebem grande parte da atenção. É claro, ali estão os imãs de gente, os vendedores de ingresso, os artistas cujos nomes ocupam os lugares mais altos e de maior destaque nos cartazes. Deles, é claro, espera-se tudo: um showzaço, no mínimo.
A surpresa não está ali, nesses palcos principais, contudo. Está escondidinha entre outros nomes escritos com letras pequenas no pôster, está às vezes em um horário cedo demais, quando o Sol ainda afugenta alguns. Essas são as preciosidades que fazem os festivais realmente valerem a pena.
Portanto, quem foi ao primeiro dia e noite de shows do Festival CoMA, neste sábado, 3, e ficou frente aos palcos Norte e Sul, os dois maiores, montados frente a frente, separados por um gramado enorme da Funarte, em Brasília, deu de cara com alguns bambambãs.
A começar por Maria Gadú (cujo show foi detalhado aqui), que fez da sua apresentação um manifesto político, com a presença de Sonia Guajajara no palco.
O BaianaSystem, penúltima atração da noite, mostrou para Brasília o novo show da banda, da turnê Sulamericano, nome também de uma das músicas do novo disco de Russo Passapusso e companhia, chamado O Futuro Não Demora - eles falaram com a Rolling Stone Brasil sobre o álbum e a matéria pode ser lida aqui.
Já conhecido por ter uma apresentação efervescente, o BaianaSystem se intensificou com a adição das canções de O Futuro Não Demora no show, trouxe também mais elementos estéticos e novas possibilidades de andamento para as canções antigas. O resultado é que Sulamericano é uma apresentação típica do BaianaSystem - com graves retumbantes, guitarra baiana no talo, energia de Russo Passapusso a mil por hora -, mas não é como as outras todas que vieram até aqui.
Para a Scalene (na foto abaixo, por Thais Mallon/Festival CoMA/Divulgação), o CoMA é um ambiente familiar. Tomás Bertoni, guitarrista da banda, é um dos organizadores do festival. A banda também é de Brasília, o que faz que qualquer apresentação no gramado da Funarte seja como um time de futebol disputando uma partida em seu estádio.
Quer dizer, jogar em casa pode ser uma vantagem, já que a torcida estará a seu favor, mas também é maldição para alguns, já que qualquer deslize pode ser transformado em combustível para uma pressão exagerada.
Tudo isso para dizer que era possível sentir - e estou falando de sensação, mesmo, nada palpável - uma vibração tensa vinda do palco no qual a Scalene tomaria alguns minutos depois. Eles têm um novo disco, chamado Respiro, recém-chegado às plataformas digitais, mas esse não seria um show do álbum mais recente. Respiro é diferente de tudo o que o Scalene fez, mesmo que a Scalene tenha gosto por sempre experimentar um pouco mais.
Mas a apresentação no CoMA acabou se tornando uma despedida da antiga Scalene, mais do que uma introdução à nova. Do novo disco, por exemplo, veio a lindíssima "Furta-Cor", balada na qual a voz sincopada de Gustavo Bertoni faz as vezes de uma segunda percussão.
A Scalene optou pelo peso, pelo rolo compressor, que é a forma como tem jogado nos últimos anos. Quando mostrou "Furta-Cor", fez um golaço. Há grandes oportunidades para a banda se conseguir traduzir o que é Respiro, o disco, para o palco.
Mas vamos às surpresas, às preciosidades perdidas entre tantas atrações por dia. De cara, elas estão fora dos palcos principais. Na verdade, no sábado, ambas se apresentaram no Clube do Choro, um lugar que é ocupado pelo CoMA, mas também faz parte da história musical de Brasília.
Ali se apresentou Raquel Reis, artista de local que não é exatamente uma novata, já que tem um disco lançado, chamado Quitinete, de 2017. O espaço, acolhedor, todo escuro, transforma-se nessa tal quitinete do título, um lugar intimista. Nele Raquel se apresenta como se estivesse sozinha, mesmo acompanhada de uma banda de mais quatro integrantes, numa madrugada adentro qualquer.
Ela se abre em memórias e canções altamente emotivas, com uma fragilidade que é bonita. A voz, de um contralto interessante, ecoa gostoso, por vezes treme até, noutras, ganha mais intensidade. Em um momento voz e piano, ela está de lado para o público, como mergulhada nessas lembranças. Música é isso, certo?
Mas o momento do "uau, isso realmente arrepiou" se deu na apresentação seguinte, no mesmo Clube do Choro, quando o trio Tuyo, no palco transformado em quarteto, colocou-se diante de um público tão sedento que dois terços dele, no mínimo, ficou para fora.
O Clube do Choro estava abafado. Não havia máquina de ar condicionado capaz de dar conta do calor humano existente ali. Jean Machado (em destaque na foto abaixo, por Cadu Andrade / Festival CoMA / Divulgação), Lil e Lay Soares, ficam lado a lado, com Jean em uma ponta, mais de frente para elas do que para o público.
A Tuyo existia antes de Lil e Lay participarem do The Voice Brasil, e precisou ser reafirmado depois que as duas saíram do reality show musical da TV Globo. Desde então, nos últimos dois anos, a Tuyo faz um intrigante caminho de construção de carreira e públicos.
Também precisaram encontrar os melhores formatos para levar suas canções, tão íntimas e intrinsecamente melancólicas, para os palcos com o mesmo impacto que nos discos (o EP Pra Doer, de 2017, e o disco Pra Curar, do fim de 2018 - sobre o qual, a Rolling Stone Brasil escreveu isso aqui).
Pois cá estamos, em agosto de 2019, e é possível atestar que a Tuyo está pronta para um grande salto. Claro, a estética sonora híbrida de canções doloridas de violão embaladas por beats e efeitos lo-fi não é exatamente igual ao folk pop com violões de cordas de aço que toca aos montes nas rádios, com nomes como Anavitória e Ana Vilela, mas talvez esse mesmo elemento "estranho" às massas possa ser o segredo do sucesso.
A Tuyo, formada por três curitibanos, não se prende à metáforas tão exageradas que são difíceis de entender. Pelo contrário, as composições do trio (que escreve as músicas individualmente e montam os arranjos juntos) prezam por serem bastante diretas.
"Um adjetivo bom para a vida é louca, porque para viver não pode bater bem", cantam em "Vidaloca", música do primeiro e único disco cheio deles. Percebe?
A banda ganha muitos pontos por deixar nítida a sua verdade, no palco, no álbum, em um papo com fãs. Elas admitem que, às vezes, dói cantar essas canções que foram, por muito tempo, sentimentos enjaulados. Existe muita entrega ali. E o público responde como tal.
Criou-se uma atmosfera loshermânica no Clube de Choro. Fãs amontoados, suados, chorosos, cantavam alto cada palavra. Lil se emocionava, ria e talvez até tenha chorado. O trio que veio de cantar em eventos da igreja agora oferecem uma nova pregação.
Em um festival com artistas massivos - Scalene, por exemplo, tocou para 80 mil pessoas no Rock in Rio 2017 -, a Tuyo foi pelas beiradas. Fizeram um show surpresa (e lotado) no Planetário de Brasília, também parte do espaço do Festival CoMA, tocaram para um Clube do Choro abarrotado e pingando e, para quem ficou do lado de fora do espaço, foram até um espaço dedicado ao karaokê para uma terceira performance no dia.
A questão é que elas não precisavam fazer nada disso, nenhuma das outras duas apresentações além daquela prevista para o Clube do Choro, mas lá estavam, diante das suas pequenas multidões, porque a comunhão faz parte do processo de cura que as canções do trio necessitam.
É como se os três precisassem do palco. E o palco precisasse deles também. Depois de anos se entendendo como artistas, os integrantes da Tuyo mostraram que têm o que é necessário para se tornar a próxima grande banda brasileira.
Com Pra Doer eles colocam dores para fora e, com Pra Curar, buscam o entendimento, como o próprio título diz. A Tuyo foi obrigada se encontrar com a dor, noite após noite, show a show, entender como tratá-la, como revivê-la no palco. Foi difícil, suponho. Transformador, sem dúvida. Enfim eles estão prontos. E fariam um bem danado para um punhado de corações machucados por aí.
*A Rolling Stone Brasil viajou a convite do festival
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