Lio Soares reflete sobre o momento internacional após o SXSW e a carreira agitada em 2021, além de dar spoilers do disco Chegamos Sozinhos Em Casa
Isabela Guiduci | @isabelaguiduci Publicado em 02/04/2021, às 09h00
Tuyo transborda: palavras, sensações, emoções, paixão, dor, coragem, vulnerabilidades. Não é seguro se aventurar pela discografia da banda paranaense se você não estiver preparado para enfrentar os sentimentos e embarcar em um processo curativo. É profundo, complexo e poético.
Talvez exatamente por este motivo, seja tão natural se identificar com as canções dos três músicos que integram a banda, Lio Soares, Lay Soares e Machado. Há uma intensidade curiosa, identitária e sincera da nudez da alma de cada um - seja na música, estética, interpretação - e isso origina uma relação igualmente profunda com quem ouve.
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Este talento do grupo em transbordar, provocar e identificar não alcança apenas os brasileiros, porém, e chega às pessoas de diversos continentes. O show da Tuyo feito na edição virtual do SXSW 2021, festival norte-americano South By Southwest, no dia 18 de março, reflete isso.
A apresentação foi eleita pelo crítico musical Jon Pareles, do The New York Times, como uma das melhores do evento. Para além da escolha, o retorno positivo do show mostra a potência magnífica da Tuyo de gerar identificação. As mensagens, a recepção e os comentários foram constantes nas redes sociais da banda, como conta Lio Soares em entrevista à Rolling Stone Brasil.
"Uma pessoa em outro continente do outro lado do planeta estava escutando aquilo, procurando saber o que dizia a letra, se identificando não só com a lírica, mas com a estética também. Fazendo sentido para a pessoa. Po***, isso é um baita milagre, um milagre da internet", reflete Lio.
Ela continua: "O SXSW é a garantia de que o que eu estou dizendo vai alcançar muitas pessoas, e pessoas diversas. Era esse o interesse desde sempre. Fico muito satisfeita quando meus iguais escutam, mas é muito poderoso contar com essa pulverização que uma feira dessa grandiosidade é capaz de providenciar."
Como a cantora explica, "a mão chega a tremer" ao pensar nas pessoas atentas no trabalho da Tuyo enquanto eles se apresentavam. Para a compositora, é difícil saber "qual a expectativa do grande especialista e do grande crítico."
"Quando penso em público, penso em pessoas que escutam música: ‘Bom, gostar, gostou, não gostou, paciência’. Também gosto de vários estilos, às vezes não é o momento da pessoa gostar. Isso não me deslegitima enquanto intérprete, nem deslegitima a minha banda. Por isso existem tantas bandas. As pessoas gostam de muitas coisas e em vários momentos", afirma.
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Lio acrescenta sobre a avaliação internacional: "Ao pensar no especialista ou no crítico, aí vêm todas as síndromes modernas da internet com novos nomes. Síndrome da impostora, síndrome da autossabotagem. Nunca estudei música, sabe? [...] Os críticos e os cara estudado acharam [a Tuyo] legal. Ninguém deve nada para gente. Não temos parentes importantes. Não temos contatos. Ninguém era obrigado a falar bem da gente. Nenhum deles."
Para a compositora, a movimentação crítica em relação à apresentação no SXSW é importante para relembrar ao grupo a razão, o motivo e objetivo de continuar com a carreira da Tuyo.
A cantora reflete: "A pessoa ouviu e se sentiu tocada e motivada a escrever sobre isso. Gosto de muitas coisas que às vezes não me motivam, não me comovem o suficiente a me manifestar. Então, é grandioso."
Na análise do show publicada no New York Times, o crítico Jon Pareles escreveu sobre a Tuyo: "Os integrantes dividem vocais harmônicos em canções que mesclam indie rock com eletrônico e tendências rítmicas brasileiras".
O retorno positivo, ou melhor, como diz Lio, "esse maremoto de chancela", ajudou a cantora a ter certeza sobre a carreira por pelo menos mais “dois ou três meses”. Quem não se questionou durante a quarentena sobre o significado das próprias realizações? Por isso, por enquanto, a compositora está: "Satisfeita, parece que eu comi uma refeição gostosa: a refeição do feedback."
"Fiquei, inclusive, pensando no quão democrático é falar sobre essa musculatura do sentimento e como isso abrange. Vou de clichê mesmo. As sensações ultrapassam os dialetos e as culturas, não sei bem as culturas, mas diria que elas perpassam pelas culturas", completa.
Os sentimentos, vulnerabilidades e confissões são costumeiros na discografia da Tuyo, até agora com o EP Pra Doer (2017) e com o disco Pra Curar (2018): "Estou nua nesses discos. Minha vontade única e exclusiva é me sentir cada vez menos sozinha nas coisas que sinto. Talvez seja por isso que a gente tenha um desespero tão grande de aumentar o diâmetro de alcance, de querer cantar para mais pessoas."
Devido às condições pandêmicas, a Tuyo não pôde viajar até o Texas, Estados Unidos, para participar do SXSW 2021. No entanto, isto não foi impedimento para fazer uma apresentação impecável - Jon Pareles que o diga.
Lio conta que a banda surgiu e cresceu por conta das facilidades virtuais, a "famosa bandinha de internet", nas palavras da cantora. Portanto, o grupo estava acostumado com e comunicação online e com captação audiovisual, e se adaptar ao formato não foi um problema.
"Para mim, o mais emocionante foi justamente pensar no alcance que a versão online era capaz de alcançar. Pensando em diâmetro de pessoas mesmo, falar com pessoas que falam línguas diferentes", comenta.
Ouça o EP Pra Doer:
Um retorno positivo tão potente reflete em todo o cenário musical brasileiro, principalmente para bandas independentes e autorais. Para Lio, são muitos aspectos acerca de uma apresentação e uma validação internacional grandiosa.
De acordo com Lio, estes momentos são importantes para as pessoas acreditarem mais nas próprias carreira para além do ecossistema em função de uma banda indepedente como distribuidoras, festivais, etc. E, segundo a cantora, é "justamente porque as condições de criação da Tuyo foram as mais adversas possíveis."
"Ninguém tem grana, ninguém tem pai, ninguém dinheiro. Chegamos a ter três, quatro empregos. Aquele cenário clichê de banda independente. Três pretos no Sul cantando sentimento, fazendo um negócio que chamamos de sei lá, pós-gender, afro-folk, não tem nem nome. Não estabelecemos um novo padrão, são gerações de desconstruções. Mas, talvez a primeira grande movimentação positiva da nossa performance, é ver pessoas mais confiantes e mais motivadas a seguir firme. Sem ignorar a realidade", pontua.
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Para exemplificar a tese, Lio lembrou da aparição da cantora Liniker no Tiny Desk: "Isso não significou coisas bonitas para Liniker, significou coisas bonitas para mim. O que imagino que outras bandas sintam quando veem a Tuyo, foi exatamente como me senti ao saber sobre a participação de Liniker. Alguém abriu caminho para mim."
Lio fala sobre como o acontecimento no SXSW reflete todo este ecossistema importantíssimo da música brasileira, o qual trabalha constantemente para que os artistas autorais sejam ouvidos para além do Brasil.
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"Todo mundo é desesperado por música, apaixonado por música e encontrou um grande disco do Radiohead quando tinha 13 anos. Assim que ouviu e chorou, pensou em como queria fazer parte disso. É por causa desse sentimento individual adolescente de cada um que trabalha nessa indústria que a Tuyo está onde está", afirma.
E, como uma integrante de uma banda do cenário ‘independente’, Lio pondera: "Chamamos de banda independente, mas nunca vi um cenário mais dependente um da função do outro nesse grande maquinário que somos."
"São muitas pessoas envolvidas na construção de uma campanha de um disco até a música chegar nas pessoas. É um milagre, é bonito e romântico pensar em todos os envolvidos nesse processo. Sou muito grata por todas essas pessoas", conclui.
Ouça o disco Pra Curar:
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Se você pensa que o momento internacional da Tuyo ficou no SXSW, você está enganado. O trio foi selecionado pelo produtor musical nigeriano Don Jazzy e pela britânica Aluna, ex-AlunaGeorge, para integrar o projeto Coletânea Dance (RED) Save Lives III, acompanhados de nomes como Fela Kuti, Becky G, Sofi Tukker e Felix da Housecat.
Ao lado de RDD, o Rafa Dias do grupo baiano ÀTTØØXXÁ, os integrantes da Tuyo são os únicos brasileiros na tracklist na romântica faixa "Mi Casa Su Casa". O projeto foi lançado nesta sexta, 2, e já está disponível em todas as plataformas digitais.
"É por causa desse tipo de coisa [Red Dance Save Lives] que fazemos colaborações. É muito rico contribuir com outro artista, ainda mais quando esse artista vem de um universo esteticamente distante do nosso. Apesar de as linguagens e estéticas serem diferentes, de estarmos em lugares diferentes [Tuyo no Sul e Rafa Dias no Nordeste], o negócio de estar apaixonado une o planeta", afirma.
O alcance internacional, portanto, segue crescendo: "Espero que consigamos nos conectar com mais pessoas. Me sinto mandando um sinal de fumaça para ver o que acontece, quais outros hemisférios e continentes aparecem nas redes sociais da Tuyo depois da gente lançar tanta coisa para fora do país."
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Ouça "Mi Casa Su Casa":
Um dos destaques do show da Tuyo no SXSW foi a performance de "Sem Mentir", faixa já lançada que integra o próximo disco da carreira, Chegamos Sozinhos em Casa, prometido para o primeiro semestre de 2021.
Criado, composto e pensado em janeiro de 2020, o Chegamos Sozinhos em Casa foi feito ao longo do mês após o grupo se juntar na casa de Jean Machado: "Todo mundo trancado em um quarto, escrevendo juntos. Tinha certeza que íamos nos matar, ou não íamos querer ouvir a opinião do outro. Mas no fim, foi ainda mais fluído do que quando compúnhamos sozinhos."
"O Jean já tinha pré-produzido coisa, pensado em beats, e estrutura em boa partes das músicas. Pensamos que deveríamos entregar o disco naquela época. Inclusive, paramos de rodar com o Pra Curar e decidimos tirar umas férias em janeiro para criar o Chegamos Sozinhos em Casa. Fomos postergando o lançamento, porque o tesão de lançar disco, é você tocar ele", explica.
Embora tenha sido criado antes da quarentena, o projeto "teve momentos de quarentena também". Inclusive, uma música escrita por Lio durante este período entrou para o álbum: "A paixão acabou, o amor já foi, não dá para viver nada agora quarentenado. Desisti de me pôr em risco, mas a música ficou uma beleza."
Lio deu alguns spoilers do Chegamos Sozinhos em Casa: é um álbum longo, com muitas faixas e ótimas colaborações: "É o disco que mais escrevi na vida. Tenho muita dificuldade de aprovar o que eu escrevo, mas nesse eu estava mais corajosa. Jean escreveu muito também e canta mais."
Filosoficamente, a cantora reflete: "É um disco que fala sobre o depois que você sai daquele desespero do olho do furacão. Sabe após você chorar para um cacete no banheiro depois daquela merda gigante? Você pensa que a única coisa a se fazer é chorar. Você chora um monte e a sua cara está inchada."
"Vai ter uma hora que você vai precisar lavar o rosto e olhar no espelho. E aí você vai dizer umas coisas para si mesmo e tomar algumas decisões. Chegamos Sozinhos Em Casa é esse momento", completa. É Brasil, vem choro por aí.
Em relação aos projetos anteriores, compara: "O Pra Doer e o Pra Curar falam sobre circunstâncias enquanto estamos dentro delas. Chegamos Sozinhos Em Casa está mais distante dessas circunstâncias. Sendo menos filosófica, ele tem mais refrão. É um disco mais maduro na própria lírica e nas premissas que alicerçam a composição."
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Para deixar o público ainda mais ansioso - incluindo a jornalista que vos fala -, Lio afirma: "É um retrato da nossa autonomia, mudando um pouco da nossa dinâmica de dependência emocional. Foi um movimento não só da banda, mas de quem escuta também. Sabe aquele momentinho xarope que você precisa se desprender de uma dinâmica muito segura?"
Assista ao clipe de "Sem Mentir":
Enquanto Chegamos Sozinho em Casa não chega às plataformas digitais, o SLAM Papo de Poeta acontece semanalmente no Instagram oficial da banda (@oiTuyo) a partir da próxima terça, 6 de abril: "É o último grande movimento que estamos fazendo pré-lançamento do disco", conta.
Idealizado e apresentado pela própria Lio Soares, ao lado da poetisa Kimani (vencedora do Slam de SP, em 2017), a Tuyo fará oito encontros com escritores das regiões Sudeste, Norte e Nordeste para conectar perspectivas em conversas sobre "a arte de organizar as palavras".
"O Slam tem uma relação muito estreita com as coisas que queremos dizer agora. As conversas com essas pessoas não são aleatórias ou descoladas das histórias que contamos e temos vontade de dividir", explica.
Por fim, conclui: "Temos andando em silêncio há muito tempo a respeito de muitas coisas. Fizemos muitas provocações em ‘Solamento’ e em ‘Terminal’, e muitas perguntas sem respostas. Muitas das respostas estão no disco [Chegamos Sozinhos Em Casa], e também nessas conversas."
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