Brian Hiatt, da Rolling Stone EUA, narra o encontro e a conversa que teve com o artista no complexo dele, o Paisley Park, em texto inédito
Brian Hiatt Publicado em 03/05/2016, às 19h27 - Atualizado às 19h48
Em teoria, trata-se de uma visão trivial, nada com o que se emocionar: nada mais do que um homem de 55 anos em seu local de trabalho em Minneapolis, examinando a biblioteca do Windows Media Player em um computador Dell grandalhão. Um telefone igualmente banal com várias linhas está ao lado, perto de uma vela, água mineral e algum creme aparentemente caro. Uma máquina de xerox antiga e enorme se avulta por cima da mesa de trabalho; uma janela na outra ponta da sala dá vista para árvores sem folhas e uma estrada vazia coberta de neve. É cedo na noite do dia 25 de janeiro de 2014, um sábado, em Chanhassen, Minnesota.
O escritório fica no 20 andar do complexo de 6 mil metros quadrados de Paisley Park. O sujeito acomodado ao teclado é o dono de tudo; mandou construir o lugar nos anos 1980. E Prince, sendo Prince, é fascinante de se observar fazendo praticamente qualquer coisa. Quanto mais banal a atividade – clicar com o mouse, digamos –, mais estranho parece. Prince tem um grande cabelo afro e está vestido em camadas de tecido escuro, com um colete por cima de uma camisa de manga comprida, calça social preta acinzentada e saltos altos que se acendem a cada passo. Obviamente, usa maquiagem – base, delineador, provavelmente mais coisas. O bigode fino, aparado com precisão, estende-se logo acima dos lábios em um semicírculo.
Bem do jeito dele, sem avisar com antecedência, Prince me convida para ir até lá e fazer a reportagem que temos a intenção de publicar como a sétima capa da Rolling Stone norte-americana com ele. Passo sete horas em Paisley Park, e ele concede duas entrevistas longas, simpáticas e de muita reflexão. Fui instruído a não falar palavrões nem perguntar sobre o passado; apesar de eu ter acabado desrespeitando ambas as regras, ele me convida para me juntar a ele na estrada mais adiante. Mas, no final, recusa-se a fazer um ensaio fotográfico e, em vez disso, oferece imagens prontas e pesadas nos retoques. A ideia da capa vai por água abaixo. Eu sigo em frente com a minha reportagem, achando que podemos guardar o material para nossa próxima capa com Prince.
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Naquela noite, Prince não aparenta a idade que tem – não aparenta nenhuma idade em particular, na verdade. Está muito magro, mas não parece frágil – é um vegano rígido que, de acordo com ele mesmo, às vezes não come nada (“Passei longos períodos sem comida, sem água também – precisam me lembrar de beber água porque eu sempre me esqueço de fazer isso”). Ele também não dorme o suficiente e evita o sexo: um dos artistas mais sensuais e delirantes que já viveu – aquele que cantou “Jack U Off”, “Gett Off” e “Do Me, Baby” – afirma que é celibatário. Seus motivos são tanto religiosos quanto relacionados à “energia” (“A fome se transforma em outra coisa”, diz), apesar de ele manter relacionamentos próximos com várias jovens cantoras e compositoras. Prince é, nesse estágio da vida, uma espécie de monge musical alegre. “Eu sou música”, afirma. Tocar é o maior e talvez único prazer que tem, mas ele anda sendo um asceta até nessa frente ultimamente, gravando menos do que nunca, esperando quatro anos entre álbuns.
Prince é famoso por ter se libertado de seu contrato de gravação com a Warner Bros. em 1996, e parece que demorou anos até ele perceber que sua liberdade se estendia a não lançar música. “Eu componho mais do que gravo agora, e também toco ao vivo muito mais do que gravo”, conta. “Costumava gravar algo todos os dias. Sempre brinco que preciso fazer desintoxicação de estúdio.”
“Sou uma pessoa que vive muito no momento. Faço o que parece gostoso no momento... Não tenho agenda, e não tenho nenhum tipo de obrigação contratual. Não sei se na história existiu algum músico que foi tão autossuficiente assim, sem amarras. Tenho contas gigantescas, folhas de pagamento grandes, por isso preciso fazer turnês. Mas não há mais necessidade de gravar.” Ele traça uma conexão direta entre jejuar, ser celibatário e sua abstinência de gravações. “Depois de quatro dias, você não quer mais comida. (...) É a mesma coisa com a música. Eu tive que ver como era parar de fazer álbuns. E daí você fala: ‘Ah, espere um minuto, não sinto mais necessidade de fazer isso’.”
Prince me leva ao escritório para tocar faixas de Plectrumelectrum, o álbum que finalmente iria romper seu jejum de gravações. Ele escolheu entre mais ou menos 100 músicas gravadas em um dos estúdios no andar de baixo, com a banda de apoio recém-formada, 3rdEyeGirl – o grupo mais roqueiro que ele já juntou. “Tudo gravado ao vivo, sem adições”, revela. “Você simplesmente faz até conseguir o take de que gosta” (o álbum demora mais oito meses para sair, e é acompanhado por um LP mais tradicional de Prince, chamado Art Official Age.)
Prince e eu nos encontramos pela primeira vez alguns minutos antes, quando ele sai de um espaço de ensaio com as moças da banda. Hannah Welton, a baterista, uma garota animada de 23 anos que parece Carrie Underwood e toca como John Bonham, se apresenta toda alegre: “Oi, eu sou Hannah!” Prince dá risada, sem ser desagradável, e a imita, com voz estridente, enquanto estende a mão para um cumprimento firme e profissional: “Oi, eu sou Prince”. Na verdade, a voz dele quando fala normalmente é profunda, suave a calmante, como a de um locutor de rádio em uma estação de soft jazz.
Enquanto caminhamos, ele não demonstra sinais da comentada operação nos dois lados do quadril – não manca, não usa bengala, não parece desconfortável. Seus olhos castanhos estão alertas, e ele pensa rápido – agora, olhando em retrospecto, é quase impossível combinar a postura dele com os boatos póstumos de que era viciado em opiáceos.
Prince afirma que não sente o tempo passar e que a mortalidade não entra em seus pensamentos: “Não penso sobre ‘partida’”. Em vez disso, ele mergulha no momento, dedicado a um futuro criativo que, acredita, será longo e brilhante. A pausa entre álbuns parece ter sido saudável para ele, assim como a presença jovial, entusiasmada e quase adoradora das integrantes do 3rdEyeGirl. Pela primeira vez em anos, ele está abrindo Paisley Park a fãs para eventos espontâneos. Há uma conversa sobre fazer um desses shows na noite da minha visita, mas a ideia evapora sem aviso prévio.
No caminho para o andar de cima, Prince passa por um corredor decorado com uma linha do tempo fotográfica de sua carreira – tem o Prince “Batdance”, o Prince “Escravo”, o Prince “Vingativo” e até a capa da Rolling Stone de 1985 (ele observa que se recusou a fazer uma sessão de fotos, por isso usamos um still de um vídeo que, na opinião dele, faz seus dentes ficarem esquisitos). “Tem espaço para Purple Rain ou o Super Bowl aqui”, ele observa a respeito de um espaço vazio, balbuciando algo sobre algum dia transformar Paisley Park em um museu. O lugar já se parece um pouco com uma instituição dessas: um espaço enorme, escuro e quase vazio com uma equipe de funcionários discreta.
Paramos em mural onde uma imagem de Prince, com os braços e as pernas abertas, se posiciona sobre imagens de suas influências e dos artistas que ele, por sua vez, influenciou. Ele me testa, assegurando-se de que sou capaz de reconhecer Chaka Khan e Sly and the Family Stone, ao mesmo tempo que me dá uma folga por ter deixado passar Tower of Power e Grand Funk Railroad.
Prince coloca Plectumelectrum para tocar em seu escritório. Em um apoio em um canto há um violão português centenário com o corpo em forma de lágrima. Uma lente teleobjetiva Canon sem câmera acoplada se encontra em cima de livros de fotografias: A Hollywood de Vanity Fair; Palácios de Nápoles. As paredes do escritório são pintadas com um céu azul, com as palavras “dream style” (algo como “estilo onírico”, em português) em uma delas. Pendurado em outra parede há um relógio com a capa do álbum dele de 2007, Planet Earth – o único marcador de tempo que vejo em qualquer lugar de Paisley Park.
Nos intervalos entre as faixas, Prince lamenta a situação da indústria fonográfica, que, para ele, está preocupada com tudo menos música. “Estão tentando encontrar a personalidade primeiro”, diz. “E é melhor ainda se conseguem algum escândalo ou um reality show ou uma gravação pornográfica. E fazem tudo isso com muita arte. Estão ganhando pontos com Justin Bieber agora!”
Ele coloca uma das músicas mais pop do álbum para tocar, a doce e antiquada “Stopthistrain”, com vocal da baterista do 3rdEyeGirl, Hannah, e do marido dela, Josh. Sugiro, com delicadeza, que a música pode se dar melhor nas paradas se ninguém souber da conexão com Prince. Ele assente. “Esse é um tipo de bênção e também de maldição hoje em dia. O fato de eu estar competindo com [minhas] músicas mais antigas. E não conheço ninguém que tenha de fazer isso. Sempre tocam a faixa mais nova de Beyoncé. Mas eu vou à Oprah e querem que eu toque as coisas das quais se lembram.”
Ele termina mostrando um par de músicas novas que mais tarde vai entrar para Art Official Age e pede licença para sair da sala quando chega à balada lacrimosa “Breakdown”. A letra com tema de fim de relacionamento parece especialmente pessoal: “I used to throw the party every New Year’s Eve/ First one intoxicated, last one to leave/ Waking up in places that you would never believe/ Give me back the time, you can keep the memories” (“Eu sempre dava festas de Ano-Novo/ O primeiro a ficar intoxicado, o último a ir embora/ Acordava em lugares que você não iria acreditar/ Me devolva o tempo, pode ficar com as lembranças”). Depois, ele confirma que a música vem de um lugar “sensível... nu”: “Você poderia tocá-lo e iria doer no mesmo instante”.
Antes de prince se acomodar para uma entrevista, há mais um teste. Eu bato um papo com as integrantes do 3rdEyeGirl em um átrio cavernoso, onde o tapete preto é decorado com o antigo símbolo de Prince e as palavras “NPG Music Club”, com a motocicleta de Purple Rain em exibição. Nós nos reunimos em um sofá roxo todo puído, e elas explicam suas origens improváveis. A baixista, Ida Nielsen, uma nativa da Dinamarca taciturna, chegou primeiro e se juntou à banda funk de Prince, a mais recente encarnação da New Power Generation, com a qual ele ainda toca. Prince me conta como ela derrotou um antigo colega de banda dele que fez um teste para voltar a tocar com o artista: “Ela era oito vezes melhor do que ele, e era nova”.
Prince queria especificamente uma banda feminina e foi procurar as integrantes no YouTube – em 2010, tinha descoberto Ida no MySpace. “Estamos no aspecto feminino agora”, ele diz. “É onde a sociedade está. Vamos ter uma mulher presidente em breve. Os homens foram o mais longe possível, certo? (...) Eu aprendo com as mulheres muito mais rápido do que com os homens. (...) A certa altura, você tem que saber o que significa ser homem, mas, então, o que você sabe a respeito do que significa ser mulher? Você sabe escutar? A maior parte dos homens não sabe escutar.”
Pergunto à guitarrista do 3rdEyeGirl, Donna Grantis, que tem metade da cabeça raspada e toca feito Jimi Hendrix, a respeito de suas influências. “Prince”, ela responde, na lata. O marido dela, um roqueiro agradável chamado Trevor Guy, veio junto e acabou trabalhando bem perto de Prince, cumprindo algumas funções administrativas. (Prince acredita que artistas não devem ter empresários: “Você tem que ser adulto, ser capaz de se administrar”.) Josh, marido de Hannah, cantor de R&B que se tornou produtor, também passou a fazer parte da família de Paisley Park e trabalhou em alguns dos últimos álbuns de Prince. Todos moram em um hotel próximo há um ano e meio e ficam pelo menos seis dias por semana em Paisley Park. Passam a impressão de serem integrantes de um culto benéfico. “É meio parecido com uma realidade alternativa”, diz Donna. “Estar aqui é um universo alternativo, porque estamos nesta bolha maravilhosa de fazer música o dia inteiro. Eu não faço a menor ideia da data nem do dia da semana.”
Enquanto conversamos, dou uma olhada por cima do ombro e percebo que Prince, em algum momento, materializou-se atrás de mim e ficou escutando a conversa em silêncio. Ele assente e mais uma vez se afasta. A banda e eu vamos para a cozinha industrial, onde nos servem o jantar, e eu logo sou convocado à sala de controle no Estúdio A do complexo, onde Prince está sentado à mesa de mixagem. “Esta sala foi construída em 1987, e a primeira gravação que eu fiz aqui foi Lovesexy”, ele relembra. “Nunca conseguimos fazer esta sala funcionar como nenhum dos meus estúdios caseiros nem as mesas turbinadas que eu usava em Los Angeles quando tinha contrato com uma gravadora. É aconchegante e íntima de verdade – eu só queria que soasse igual ao que se passa na minha cabeça. E mexi infinitamente nas coisas aqui... Suponho que vou continuar brincando – ou que outra geração vai fazer isso.”
Conversamos sobre muitas coisas, e a proibição dele de falar sobre o passado se revela levemente flexível. Ele faz questão de observar que sua reputação como manipulador por trás das bandas The Time e até Vanity 6 foi exagerada. “Era tudo colaborativo”, garante. “Não é só a minha visão. Uma coisa é perguntar ‘sabe o que ficaria legal?’ e visualizar... Mas daí você tem que ir lá e encontrar as pessoas. Morris Day [da Time] é tão bom quanto qualquer baterista de funk. E Vanity? Ninguém era capaz de falar como ela.” Ele é mais passional e lúcido quando fala de música: “‘Rock Steady’, de Aretha Franklin, ‘Cold Sweat’, de James [Brown], todos os álbuns da Stax, Ike e Tina Turner – nós não demos valor a nada disso, achando que a música seria sempre assim. Aquilo simplesmente era norma para nós”.
Há digressões frequentes, às vezes difíceis de acompanhar: ele parece partir de seu estudo da Bíblia, que começou a sério quando se tornou testemunha de Jeová sob a orientação do baixista Larry Graham. “Tudo se expandiu”, diz. “Acredito ainda mais nas coisas em que acreditava na época – simplesmente se expandiu.” Apesar de continuar sendo profundamente cristão, ele também passou tempo estudando o que parece ser uma interpretação afrocêntrica da história, além de física do som, algumas ideias orientais (chacras são “ciência”, diz) e uma seleção de teorias de conspiração indiscutíveis. Tem ideias a respeito do assassinato de JFK (“O carro anda mais devagar – por que não acelera?); aids (“Está crescendo em algumas comunidades e não está crescendo em outras – qualquer primata seria capaz de deduzir por quê”); e os rastros de aviões que são conhecidos em alguns círculos como “chemtrails”, ou rastros químicos (“Pense em onde eles aparecem, por que aparecem, com que frequência e em que épocas específicas do ano”).
A certa altura, o telefone toca: é a jovem cantora e compositora britânica Delilah. A voz de Prince de repente fica ainda mais profunda. “Eu sei que é tarde aí”, ele ronrona no bocal. “Vou fazer com que você acorde com a força da mente.” Em uma observação possivelmente relacionada, Prince diz que não tem certeza se algum dia vai voltar a se casar. “Essa é outra coisa que depende de Deus. De qualquer forma, é tudo magnetismo – algo iria me puxar para a gravidade dela, e eu não seria capaz de escapar.”
Fazemos um intervalo e vamos para a boate vazia de Paisley Park, onde o 3rdEyeGirl está a postos no palco. “Posso te levar lá e tocar essa guitarra para você”, Prince tinha prometido antes. “E o que você vai ouvir é sexo. Vai ouvir algo para o que vão lhe faltar os adjetivos, como acontece quando você conhece a melhor das mulheres.” Ele quer provar que o 3rdEyeGirl é capaz de ativar os meus chacras, por isso me coloca em uma banqueta no palco a menos de 1 metro dele. Pega uma guitarra Vox personalizada – a marca que alguns dos guitarristas de James Brown usavam. “Você vai começar a vibrar em um segundo”, ele me diz, e faz a banda começar a tocar “Stratus”, uma fusão instrumental fogosa da década de 1970, arrasando nos solos que traçam arcos ascendentes infinitos. Ele me avisou sobre ficar arrepiado, e cumpriu.
Depois, a banda faz uma sessão de fotos no Estúdio C – uma imagem é para a capa de “Stopthistrain”, um single que nunca chega a ser lançado. Prince desaparece durante um tempo e então retorna com um MacBook que mostra Delilah ao vivo no Skype – ele mostra a sessão de fotos a ela pela webcam. Já passa da meia-noite quando retomamos a conversa. Ele menciona um desejo de servir de mentor a Chris Brown, diz que o convidou a visitar Paisley Park. Observo que algumas pessoas consideram o que Brown fez com Rihanna imperdoável. Ele fica chocado. “Imperdoável? Minha nossa. É aí que a gente vai conferir o mestre, Cristo. (...) Você já perdoou alguém de um jeito insano?” Eu sacudo a cabeça. “É a melhor sensação do mundo, e totalmente desmantela a pose da pessoa.”
Prince fala mais sobre servir de mentor e ajudar colegas, então me pergunto em voz alta se ele poderia ter previsto o destino de Michael Jackson. “Não quero falar sobre isso. Estou próximo demais.” Ele prossegue: “Michael é apenas um de muitos que passou por aquela porta – Amy Winehouse e outros. Estamos todos conectados, certo, somos todos irmãos e irmãs, e no minuto em que compreendermos isso, não seremos capazes de deixar ninguém da nossa família cair. Foi por isso que eu liguei para Chris Brown. Todos nós precisamos ser capazes de estender a mão e simplesmente consertar as coisas. Não há nada que seja imperdoável.”
Ele parece estar aludindo a problemas passados próprios, então pergunto se ele alguma vez agiu de modo autodestrutivo. Suas sobrancelhas disparam para o alto. “Autodestrutivo? Quer dizer... por acaso eu pareço autodestrutivo?” Isso o leva a um discurso sobre o motivo de ele evitar falar do passado. “As pessoas perguntam ‘por que você mudou de nome?’ e isto, aquilo e mais isso. Estou aqui neste momento, fazendo o que estou fazendo neste momento, e todas as coisas que eu fiz desembocaram nisto. E não tem nenhum outro lugar em que eu preferia estar neste momento. Quero estar aqui conversando com você, e quero que você entenda.”
Conversamos sobre aposentadoria. “Não sei o que é isso. Tem sempre alguma maneira de servir... Eu me sinto como se estivesse dando aula em uma escola, mas também como se fosse aluno em uma delas. Eu nunca senti que tivesse um emprego – isso faz sentido? Então, essas palavras, emprego e aposentadoria...”
Ele tenta explicar por que é capaz de se imaginar tocando em idade avançada, com um desvio estonteante para o misticismo e para as irmãs Wachowski. “A expectativa de vida está ficando mais longa”, afirma. “Uma das razões é que as pessoas estão aprendendo mais a respeito de tudo, então o cérebro faz mais conexões. No final, vamos estar em modo cerebral eterno, porque vamos ser capazes de abranger a eternidade na mente. Muita gente não é capaz de fazer isso. Se não pode pensar para trás eternamente, não pode pensar para a frente eternamente. Todo o mundo costuma pensar sobre um começo, um Big Bang. Se você eliminar esse acontecimento, então pode começar a ver o que é a eternidade. Lembra em Matrix, quando dizem que a única coisa que tem fim teve começo, e vice-versa?”
São quase 2h da manhã e Prince encerra a noite. Ele me acompanha até as profundidades de Paisley Park, com os sapatos brilhando no escuro, para que eu pegue o meu casaco e a minha bolsa. Enquanto caminhamos, escuto pombas chorando – pombas de verdade que vivem em uma gaiola em algum lugar do porão. Quando visto o casaco, Prince me convida para me juntar à banda em Londres. O zíper prende quando eu o subo. “Porra”, eu digo, e meu anfitrião parece chocado. “Eu pedi para não falar palavrão”, ele diz.
Peço desculpas. Prince me olha nos olhos e me dá um abraço apertado. Como prometido, eu fico desmantelado com o perdão instantâneo dele. Ainda sou capaz de sentir aquele abraço quando caminho do lado de fora, onde a luz brilha sobre uma camada imaculada de neve que acaba de cair.
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