Cambriana, Ultravespa, Luziluzia e Shotgun Wives exibiram eficiência na primeira noite do evento, realizado no Centro Cultural Martim Cererê
Pedro Antunes, de Goiânia Publicado em 15/11/2013, às 13h35 - Atualizado às 17h30
Depois de dois anos, o festival de música independente Vaca Amarela voltou para sua casa, o Centro Cultural Martin Cererê, em Goiânia. Talvez por isso o clima do primeiro dia de evento, realizado nesta quinta-feira, 14, tenha sido de encontro entre velhos amigos. O público lotava os dois teatros, circulava pelas imediações dos espaços e, mais importante, vibrava com cada nova banda a se apresentar. E foram muitas: 14 no total, desde as 18h.
Bonde do Rolê e Nevilton eram os principais nomes da noite, mas é interessante (e bonito) notar a força das bandas locais. Versos na ponta da língua do público predominantemente jovem e disposto a curtir os grupos que nasceram e cresceram na cidade. É o caso de Cambriana, mais recente “descoberta” goiana, que se apresentou logo antes dos headliners e foi recebida com uma vibração contagiante.
A banda formada por Luis Calil (vocal, guitarra e programações), Wassily Brasil (teclado), Pedro Falcão (saxofone), Heloísa Cassimiro (bateria), Rafael Morihisa (guitarra), Israel Santiago (guitarra) é igualmente jovem: o integrante mais velho tem 27 anos. A popularidade local também veio cedo para eles, que lançaram o disco de estreia, House of Tolerance, ainda em 2012.
Neste ano, o grupo já lançou um EP, Worker, e mostra que eles seguem pelo promissor caminho do pop psicodélico, com letras em inglês, ecos nos vocais e linhas de sax que temperam as faixas como um jazz de fim de noite.
A psicodelia se destaca entre as bandas goianas, com canções que pegam o ouvinte pela mão e o levam para uma viagem por cores, versos e texturas. É o caso do excelente projeto Luziluzia, liderado por Raphael Vaz, baixista de outra banda psicodélica goiana chamada Boogarins. São canções com pinceladas cinza de melancolia, como “Monólogo do Velho Louco” e “Summertime”, ambas do EP 52 Hz, que trazem uma coloquialidade nos versos e passam longe de ser pretenciosas.
Já o Ultravespa, que conta com um integrante do já citado Boogarins na formação (desta vez é Dinho Almeida, na voz e guitarra), apresentou uma proposta de trazer o rock sessentista para os anos 2000. Soa como um encontro goiano de White Stripes, Strokes e letras em português que dizem coisas como “por na vitrola um bom Roberto Carlos”, na contagiante “Motel Barato”, por exemplo.
Dentre as bandas locais, houve ainda espaço para folk. Shotgun Wives até faz jus ao apelido de “Mumford & Sons goiano”, muito pela visibilidade das linhas de banjo de Kenny Anderson, mas mostrou no palco que as referências a Bob Dylan, Tom Waits e Johnny Cash são ainda mais latentes e profundas na construção de uma atmosfera country.
A sonoridade importada que recebeu um tratamento goiano veio também com Johnny Suxxxx N’ The Fucking Boys, um dos mais divertidos shows da noite. O grupo produziu um hard rock, quase glam, bastante competente e ainda contou com um trunfo: o carisma do vocalista João Lucas. No meio do show, o músico ainda ofereceu uma pulseira que dava acesso ao espaço reservado para artistas para a moça da plateia que tivesse coragem de levantar a blusa e mostrar os seios - a escolhida não o fez, mas ganhou o prêmio mesmo assim.
Nem só de goianos é feito o Vaca Amarela
O Centro Cultural Martin Cererê parece hospedar a mais nova edição do festival de forma carinhosa, sem filas e confusões. Além dos dois teatros, o espaço trazia opções de comida (um hambúrguer duplo custa R$ 10), bebida (várias opções de cerveja, cujos preços iam de R$ 4 a R$ 14), lojas de discos e uma ação de ativação da Ray-Ban, marca que vem patrocinando os festivais independentes brasileiros com o projeto Envision Tour (eles também estiveram no Coquetel Molotov, em Recife, em outubro) – a empresa também criou um lounge para as bandas.
Ainda que os grupos de Goiânia fossem maioria, as atrações de fora mostraram força, como foi o caso do grupo meio paulistano, meio sergipano Bicicletas do Atalaia, que estreou no festival com o recém-lançado disco que leva o nome da banda. As faixas exibidas por eles, a grande maioria cantada em português, são construídas sobre bases sólidas de rock, um tanto de pop e uma surpreendente bossa nova (como na bela “Talking About Love”). O grupo se destaca pela virtuose de baixo e guitarra, e pelo jeitão de Jon Bon Jovi do vocalista Bruno Mattos.
Enquanto o Bicicletas prezou pela calmaria, a capixaba Dizzy Queen trouxe uma tempestade hard rock para o Vaca Amarela. Acompanhada da banda goiana Overfuzz, ela trouxe músicas próprias e terminou a apresentação ensandecida com “Bad Reputation”, de Joan Jett, e “TNT”, do AC/DC.
Os grandes nomes da noite não decepcionaram e deram ao público, após oito horas de festival, muita festa. Neviltou apareceu primeiro, mas como o relógio já passava da 1h, a organização decidiu antecipar a entrada do Bonde do Rolê, no outro palco – no festival, os shows alternavam entre um e outro.
Já conhecidamente competente, o Nevilton, liderado pelo vocalista e guitarrista que emprestou seu nome à banda, ganha muita força no palco. As canções do mais recente disco, Sacode!, lançado em 2013, causam ainda mais efeito ao vivo. Vieram “Crônica”, a pesada “Sacode” e “Só Pra Dizer”. A apresentação durou pouco mais de 30 minutos, mas foi suficiente para a banda justificar o posto de uma das atrações principais e ter duas indicações ao Grammy Latino. O destaque ficou com “Tempo de Maracujá”.
No outro palco, as guitarras eram substituídas pela batida forte de funk. Lá dentro, Rodrigo Gorky, Pedro D'Eyrot e Laura Taylor criavam o caos. Com letras divertidas, ora escatológicas, eles se propõem a festejar junto com o público, uma anarquia funk onde tudo (praticamente tudo, mesmo) é permitido. Um show despudorado com “James Bonde”, “Solta o Frango”, “Kilo” e “Picolé”, música especialmente escolhida para encerrar o primeiro dia de Vaca Amarela, que primou por psicodelia e introspecção, mas soube festejar a volta ao Martin Cererê com estilo.
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