Emicida no Vaca Amarela 2015 - Cláudio Cologni/Divulgação

Vaca Amarela 2015: Emicida embala protestos em melodias pop e catequiza público no primeiro dia de festival

Carne Doce e Luziluzia foram destaques locais do evento, que acontece este fim de semana no Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia

Lucas Brêda, de Goiânia Publicado em 05/09/2015, às 17h39 - Atualizado em 08/09/2015, às 20h08

Há cinco anos, era difícil cogitar que um artista de rap estaria não apenas encerrando, mas conquistando o público irrestritamente, em um uma das noites do tradicional festival goiano Vaca Amarela. Nos últimos anos, contudo, o crescimento do gênero no Brasil – somado às performances de destaque de Criolo, Karol Conká e Projota no evento – abriram caminho para que o nome de Emicida pudesse brilhar absolutamente no primeiro dia da 14ª edição do festival.

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Em 2015, o Vaca Amarela teve início na última sexta, 4, no começo da noite, no novo Centro Cultural Oscar Niemeyer. O local, de grande extensão e vistosos acabamentos, abrigou a mais recente edição do festival Bananada, que aconteceu em Goiânia no último mês de maio. Com propostas de curadoria semelhantes, os dois eventos ficam ainda mais parecidos ao serem realizados no mesmo lugar.

Se o Bananada conseguiu encher o Oscar Niemeyer em um dos dias, com 10 mil pessoas no espaço para ver Criolo, o Vaca Amarela, pelo menos no primeiro dia, não demostrou esse poder. Apesar de devidamente organizado – com barracas de food truck a preços aceitáveis, lojinhas, banheiros e bares bem ordenados – e com preços acessíveis – R$ 25 a diária, R$ 50 o pacote para os três dias –, o público não foi numeroso se relacionado ao espaço a eles destinado.

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O resultado foi o conforto para a plateia assistir a praticamente todos os 12 shows que aconteceram na sexta-feira, 4. Além de Emicida, tocaram na abertura do Vaca Amarela 2015 Carne Doce, O Terno, Inky, Baleia, Luziluzia, Baleia, João Canta Brandão, Stefanini, Chá de Gim, Components e Meio Termo. A escalação representa uma vitrine eclética de parte do que acontece de mais relevante na música contemporânea brasileira – e, principalmente, na cena goiana.

Ecos do cerrado

Das 19h, com Meio Termo, às 21h30, com João Canta Brandão, apenas artistas goianos se apresentaram no primeiro de Vaca Amarela 2015. O quarteto de rock alternativo Components lançou pouquíssimo material na curta carreira, e mostrou ter talento – ainda não lapidado – tocando para praticamente ninguém no palco principal. Já o Chá de Gim despertou atenção com um show curtíssimo – menos que a meia hora protocolar – de músicos afiados, muito groove e um vocalista teatral, ainda que o grupo aposte na desgastada fórmula “baião com distorção.”

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Se Goiânia já foi um celeiro para artistas de stoner – Black Drawing Chalks, Hellbenders – anos atrás, atualmente são as guitarras psicodélicas, cheias de eco, que dão as caras. Comandada por Boogarins e Carne Doce, a cena rendeu ao palco do Vaca Amarela um filho ilustre, o Luziluzia, formando por metade do Boogarins (Raphael Vaz, baixo e vocal, e Benke Ferraz, guitarra) e metade do Carne Doce (João Victor, guitarra, e Ricardo, bateria).

O Luziluzia tocou por volta das 21h, reunindo um público já razoável. O repertório do álbum de estreia do quarteto, Come On Feel the Riverbreeze (2014), foi engordado por uma faixa inédita, que deve estar no próximo disco do grupo. Com uma conversa instigante entre as guitarras de Benke e João Victor, o Luziluzia promove intricadas passagens instrumentais, completadas pelos vocais não tão precisos de Vaz, que parece disfarçar uma certa timidez (canta sempre com os olhos para baixo ou fechados) com humor ultra-sincero e, consequentemente, divertido.

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Mas o mais interessante dos novos sons de Goiânia é a presença da influência brasileira. Se Black Drawing Chalks e Hellbenders cantam em inglês, por exemplo, Boogarins, Carne Doce e Luziluzia versam na língua local, muitas vezes sobre a paisagem e a cultura da capital goiana. Assim, a ligação com o público local transcende as características sonoras, partindo para uma identificação muitas vezes subliminar, capaz de estreitar os laços entre artista e espectador.

O Carne Doce tocou muito depois dos conterrâneos, em horário privilegiado: depois da meia-noite, antes da atração principal, Emicida. O quinteto abriu cantando que “o progresso é mato”, na faixa “Sertão Urbano”, para alvoroço da plateia mais próxima do palco. Em geral, o público para o Carne Doce – favorecido pelo horário – estava mais animado, numeroso e particularmente mais interessado, ora cantando junto, ora gritando para os integrantes.

Acontece – Carne Doce.

Ostentando um sorriso de canto a canto da boca, Salma Jô (foto abaixo) assumiu o comando da apresentação, crescendo de maneira surpreendente como musicista no palco. Ela puxou os versos iniciais de “Passivo” antes da entrada do instrumental, sendo prontamente emendada pela plateia. Entre danças, inserções funkeiras e uma vívida performance vocal, ela é a representação da desenvoltura e respeito que a banda adquiriu nos quase 12 meses posteriores ao lançamento do álbum de estreia, autointitulado. O Carne Doce tem feito muito bem o dever de casa – e é uma experiência valiosa vê-los tocando em Goiânia.

Rio de Janeiro

A primeira banda não goiana a tocar no Vaca Amarela 2015 foi o Baleia. Em transição entre o primeiro (Quebra Azul, 2013) e o segundo álbum, o grupo preencheu a meia hora de show com as versões mais pesadas e densas das canções, registradas no EP Ao Vivo no Maravilha8. No palco pouco depois das 22h, os cariocas enfrentaram problemas com a configuração de som. Pelo menos nas duas primeiras faixas – “Casa” e “Motim” –, os graves engoliram as harmonias, prejudicando, ainda que não comprometendo, as performances.

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As coisas foram se acertando com o decorrer da apresentação e, em “Breu”, já era possível entender melhor a complexidade melódica da banda – numerosa, com guitarras, violino, teclado, percussão e bateria. Se a passagem pelo Vaca Amarela não foi a melhor amostra da capacidade do Baleia (foto) em cima do palco, ela valeu pela surpresa: foi mostrada uma nova faixa, cheia de tensão e violinos rasgados, que não chegou a causar euforia, mas deixou a plateia com olhos grudados no palco.

Tocando logo depois do Baleia, o Hell Oh! foi o outro representante do Rio de Janeiro na sexta-feira de Vaca Amarela 2015. Com uma abordagem roqueira quase antônima à do Baleia, o quarteto ocupou a apresentação com uma sonoridade indie de garagem que não esconde as influências (é quase inevitável lembrar do Arctic Monkeys do primeiro álbum). A sonoridade despretensiosa casou com a plateia dispersa e espalhada, ganhando destaque nas baladas, como todas do setlist, cantadas em inglês.

São Paulo

Fora o headliner Emicida, a capital paulista rendeu outras duas atrações à sexta-feira de Vaca Amarela 2015. Tocando já depois das 23h, o Inky mostrou como as canções de Primal Swag (2014), álbum de estreia deles, se transformaram após quase um ano de estrada com o disco. No palco, o quarteto de rock e música eletrônica alonga quase todas as performances, promovendo viagens e divagações muito bem guiadas à base de teclados e ritmos.

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Trajando preto, a vocalista Luiza Pereira surge como figura misteriosa à frente da banda: com o cabelo cobrindo parcialmente o rosto, ela pouco fala com a plateia e passa a maior parte do tempo concentrada em criar ambientações e solos ao sintetizador. Em canções como “Echoes in the Grove” e “Baby Reptile”, a voz dela ganha destaque, mas são as passagens frenéticas à Happy Mondays – melhor destacada em “Coincide” – que promovem o frenesi de dança e balanço do público.

No palco adjacente, logo depois, O Terno mostrou mais uma vez o show de divulgação do segundo, autointitulado, álbum da carreira (lançado em 2014). Líder do trio, Tim Bernardes deu início à apresentação com um imponente casaco vermelho, tirando-o logo em seguida – em “Bote ao Contrário”, que deu sequência a “O Cinza” no setlist –, revelando os braços magros em uma camiseta regata verde.

Aparentemente contido, o vocalista e guitarrista parece estar mais seguro ao comandar a banda. Além de cantar com clara desenvoltura, ele encontra espaço para maiores experimentações com as seis cordas em momentos de solos e construções instrumentais entre – e durante – as canções. O baterista Biel Basile também contribui para o show mais solto, puxando para o si o microfone e descendo o braço quando necessário.

O Terno teve uma das melhores músicas nacionais de 2014.

A dinâmica de apresentação do Terno já não é segredo. O repertório tem início com os petardos (“O Cinza”, “Bote ao Contrário”, “Eu Não Preciso de Ninguém”) e logo passa para as baladas e canções mais reflexivas (“Eu Confesso”, “Quando Estamos Todos Dormindo”). Ao reunir e fazer uma expressiva quantidade de público cantar no Vaca Amarela, o trio coroa um crescimento gradual, mas já perceptível. Se em 2012 era um grupo praticamente desconhecido – que fazia “plágio diferente”, como diz em “66” – hoje a banda possui uma identidade bem definida, figurando entre as mais representativas da produção “não-mainstream” brasileira.

Emicida

Emicida passou mais de dois anos na estrada com O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui (2013), estreia dele em disco, eleito pela Rolling Stone o melhor álbum daquele ano. Em 2015, ele assumiu a responsabilidade de tomar a frente do rap nacional, com o lançamento de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, segundo disco da carreira, que une refrães e melodias acessíveis a contestação e críticas sociais afiadas nas letras.

Saiba mais sobre Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa.

E o atual show de Emicida é tudo que o novo disco consegue ser e um pouco mais. O rapper surgiu no Vaca Amarela 2015 já no começo da madrugada deste sábado, 5, com um capuz, bufando a agressiva letra de “8”. Já com o rosto – e os óculos escuros – à mostra, o rapper deu sequência com a não menos contundente “Boa Esperança”, cantando que “o tempero do mar foi lágrima de preto”, e provocando: “Cês diz que nosso pau é grande, espera até ver nosso ódio.”

A partir de então, o paulistano passou a mesclar as músicas de O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui (ganharam espaço as já consolidadas “Hoje Cedo” “Gueto” e “BANG!”) com faixas de mixtapes antigas (“Cê Lá Faz Idéia”). Emicida voltou ao novo disco com “Mãe”, emotiva homenagem à personagem-título, e “Madagascar”, sendo esta a primeira de uma série de baladas no setlist. Teve inserção de “Preciso Me Encontrar”, de Adoniran Barbosa, o potencial hit “Passarinhos” e “Mufete”, além de uma citação a Caetano Veloso, com “Haiti”.

Emicida expõe a luta de classes e o preconceito racial no impactante clipe de “Boa Esperança”.

Mesmo quando divagou sobre a esperança ou as noites de Madagascar, Emicida não abandonou a política e a música negra. Acompanhado por uma banda participativa e especialmente talentosa, ele passa a ser muito mais que um criativo fazedor de rimas, adquirindo patamares musicais mais sofisticados durante a apresentação. A Emicida, também, não falta carisma nem hits: a catarse das performances de “Zica, Vai Lá” e “I Love Quebrada” não deixam dúvidas disso.

Antes de deixar o palco do Vaca Amarela, ele ainda cantou “Mandume”, “Ubuntu Fristaili” e, segundo o próprio cantor, a música que melhor representa o segundo álbum dele: “Casa”. Depois de muito barulho, o rapper voltou para um bis, emendando mais um hit, “Levanta e Anda”, e encerrando, assim como Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, com “Salve Black (Estilo Livre)”.

O Vaca Amarela 2015 segue nos próximos dias, veja a programação completa:

Sábado– 5 de setembro

01h Tulipa Ruiz(SP)

00h15 Projetonave e Síntese(SP)

23h30 Overfuzz

23h Indee Styla (ESP)

22h30 Shotgun Wives

22h Deize Tigrona (RJ)

21h30 The Muddy Brothers (ES)

21h Motherfish

20h30 Lei Di Dai (SP)

20h Dry

19h30 Beavers

19h Gasper

18h30 Peixefante

18h Caffeine Lullabies

17h30 La Morsa

17h O Clã

16h30 Skavarone

Abertura dos Portões: 16h

Domingo – 6 de setembro

01h Cone Crew (RJ)

00h15 Rollin Chamas

23h15 Fresno (RS)

22h30 Aurora Rules

22h Faroeste

21h30 Novonada (ITA/UK)

21h Cherry Devil

20h30 Maguerbes (SP)

20h Dogman

19h30 Dona Cislene (DF)

19h Red Light House

18h30 Sã Consciencia

18h OFF 1984

17h30 Feed My Kraken

17h Coerencia

16h30 Almost Down

Abertura dos portões 16h

O jornalista viajou a convite da produção

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