23 anos depois de ser cancelado da Nickelodeon, o desenho retorna com um conto relevante para todas as idades, e sobre assuntos urgentes
Igor Brunaldi Publicado em 18/08/2019, às 13h00
No dia 9 de agosto, a Netflix disponibilizou um especial original de A Vida Moderna de Rocko, desenho que marcou a época de ouro da Nickelodeon, e foi exibido no canal entre 1993 e 1996. Joe Murray, criador do programa, retorna no comando e, como era de se esperar, a qualidade se mantém à altura do que foi em seus dias de glória.
Por mais redundante e irônico que possa parecer, é exatamente esse o principal assunto abordado ao longo do episódio de 45 minutos: a expectativa de que algo se mantenha exatamente da mesma forma como todos lembram ter amado no passado. Em outras palavras: a resistência à mudança.
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Em Static Cling (constrangedoramente traduzido pela Netflix Brasil apenas como Volta ao Lar), Rocko, Vacão e Felizberto, que ficaram 23 anos longe das nossas televisões, retornam com um conto relevante para todas as idades sobre a importância de aceitar que o tempo passa, e tudo muda.
De volta à Terra após 20 anos vagando pelo espaço, o trio se depara com uma O-Town totalmente diferente daquela que deixaram quando foram mandados para a órbita em um foguete. A cidade evoluiu, e agora está moderna. Estabelecimentos de café chamados BuzzBucks brotam a cada esquina, todo mundo ama tirar selfie, os dispositivos o-Phones ganham novas versões a cada minuto e jovens bebem energéticos que causam mutações físicas.
Essas piadas um tanto quanto exageradas e até meio óbvias parecem, em um primeiro momento, criticar elementos recorrentes da sociedade atual, mas na verdade mostram que, apesar de parecerem coisas assustadoras e até chocantes para quem passou duas décadas literalmente no espaço, são na verdade fatos que definem uma geração que se instaurou e tem se instaurado cada vez mais com características completamente diferentes de suas antecessoras.
“Não é ótimo como algumas coisas nunca mudam?”, Rocko afirma aliviado no começo do longa. Mas não é com essa cabeça que nosso querido protagonista chega ao fim dessa jornada, e também não é a mentalidade que os espectadores deveriam ter ao final do filme. E vamos explicar porque. Mas para isso, é preciso falar um pouco mais do enredo.
Além do espanto com a modernização generalizada, os personagens principais dão de cara também com a cidade em que cresceram à beira da falência, por causa de um acidente esdrúxulo nas contas do sapo Ed Cabeção, que atua como contador de lucros da Conglom-O, empresa responsável por mais de 90% da economia da cidade.
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E assim, em um paralelo genial à própria animação que aqui analisamos, a única coisa capaz de reverter esse estado de falência que assola O-Town é o retorno do desenho animado de sucesso que Rocko sempre amou: Os Cabeçudos, criado por Ralph, filho do Cabeção.
Instaurada essa ponte metalinguística, e aberto o leque de piadas sutis que podem ser aplicadas em seu próprio contexto de criação, a trama se divide em duas jornadas que têm como desafio a quebra da tão recorrente mentalidade "se já foi bom, e não está igual, então não pode mais ser bom e eu não quero", adotada (nem sempre de forma consciente) por pessoas excessivamente presas a memórias afetivas do passado.
De um lado, Ed Cabeção precisa aceitar que seu filho Ralph, após anos sumido em busca de autoconhecimento, retorna como Rachel. No tempo que passou sumida, a personagem transexual conseguiu descobrir que a raíz do incômodo interno que por anos a fez sofrer, estava no fato de ser na verdade uma mulher, presa em um corpo masculino.
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Rachel é a única capaz de trazer de volta Os Cabeçudos, a salvação financeira de O-Town. Isso quer dizer que Cabeção, intolerante à novidade de ter agora uma filha, mas também responsável pela falência da cidade, precisa dar um jeito de aceitar a mudança de gênero do filho para conseguir impedir a tragédia.
O outro arco diz respeito a Rocko. Ele é responsável por encontrar Rachel e lutar contra o preconceito do pai dela para unir os dois de novo. Mas infelizmente, o pequeno canguru se decepciona depois de assistir ao tão antecipado episódio inédito e exclusivo do programa que tanto amava mas que havia sido cancelado anos atrás (percebem as semelhanças?). E por que ele não gostou? Porque não é uma reprodução exatamente igual ao que ele se lembra.
Convenientemente, em um momento de desespero no qual Rocko e Cabeção sentam esgotados e nocauteados por tantas coisas diferentes, quem chega para tentar ajudar é uma nuvem chamada Ventos da Mudança, que aparece para explicar a necessidade deles a aceitarem por ali.
E é após essa conversa que os dois personagens inicialmente intolerantes se dão conta de qual precisa ser o desfecho da história.
Rocko, desesperado, exclama: “Não é só ‘novo Cabeçudos’. É diferente. Não podemos gostar disso”. Calmo e alegre ao lado de Rachel, Ed Cabeção responde: "Não podemos viver no passado. Podemos ser gratos a ele, mas a vida não é permanente. E se não abraçarmos o agora, perdemos muita coisa importante.”
No fim das contas, o comentário social presente no filme já vem bem explícito de cara nas duas palavras do título original: Static Cling, que se traduzido com toda a trama em mente, deveria ter sido nomeado de Apego Estático.
Com temas urgentes e atuais como o combate ao preconceito contra transexualidade, e piadas inteligentes sobre um desenho animado dentro de outro desenho animado, A Vida Moderna de Rocko voltou triunfal e, como dizem por aí, para "lacrar". E em uma época na qual tantos olhos parecem estar voltados para ideais antiquados, isso é maravilhoso.
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