Filme encerra trilogia de heróis do cineasta sem brilho, com trama desenrolada de forma morna
Pedro Antunes Publicado em 18/01/2019, às 09h14
No Facebook, de certo, há alguém reclamando deste texto antes mesmo de lê-lo, por base no título acima. Defensores de M. Night Shyamalan, raivosos, dirão que o diretor entregou aquilo que prometeu em Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2016), nesta pouco usual trilogia de super-humanos, encerrada agora com Vidro, nos cinemas brasileiros desde o dia 17. O que é um equívoco. Balela. Medroso, ele fugiu da própria criação.
Shyamalan, sem dúvida, é um mestre do cinema contemporâneo de suspense. Poucos da sua geração são capazes de criar climas e a angústia com momentos pueris. Um som garranchesco, uma guinada de câmera e, pimba, seu coração salta do peito.
O poder de criação de suspense também é a maldição do cineasta de A Vila, O Sexto Sentido, Sinais, entre outros. Shyamalan tem o incrível talento de propôr uma nova realidade (como a ansiedade pela chegada dos alienígenas em Sinais ou dos monstros de A Vila) e uma nova necessidade (entender quem são essas criaturas, por exemplo), mas falha costumeiramente e miseravelmente no momento que encerra suas histórias.
O diretor cria um mundo fantástico e, com destreza, leva sua história para dentro de realidade similar à nossa, mas com a permissão para a existência do surreal, como são alienígenas ou heróis (que é o caso de Corpo Fechado, Fragmentado e Vidro). Depois, parece se arrepender, quer desfazer o que entregou nas horas anteriores.
Dá o doce para a criança, para logo depois tirá-lo. Cruel, muito cruel.
Rei do plot twist, Shyamalan deve ser atormentado pelo próprio talento. A reviravolta na trama deu certíssimo em, por exemplo, O Sexto Sentido. Genial, palmas! Também falhou terrivelmente - jamais vou perdoá-lo por A Vila, tão bom, tão ruim.
Em Vidro, fez de novo. Criou, com Fragmentado, uma necessidade que ninguém sabia que tinha ao estabelecer um universo compartilhado com Corpo Fechado, filme lançado 16 anos antes.
O personagem de Bruce Willis, David Dunne, acredita que tem poderes, que é mais forte que humanos comuns e que aguenta o tranco (sobreviveu, afinal, a um acidente de trem que matou todo o restante dos passageiros).
E, ao final de Fragmentado, estrelado brilhantemente por James McAvoy, Shyamalan mostrou novamente Willlis/Dunne, na cena pós-créditos. Criou, ali, seu universo único. Dunne iria atrás do vilão de McAvoy.
Entendem? Sem que qualquer um pedisse ou imaginasse, Shyamalan criou uma necessidade. Abriu o caminho, portanto, para Vidro, a terceira parte de uma trilogia, protagonizado agora pelo personagem título, vivido por Samuel L. Jackson.
Shyamalan estabeleceu um universo cinematográfico no qual as revistas em quadrinhos são baseadas em feitos quase reais de super-humanos. Sem, é claro, as roupas justas, botas, cuecas sobre as calças, capas esvoaçantes. Os heróis e vilões de Shyamala são mais reais, pés no chão, algo mais próximo do Batman de Christopher Nolan.
Pois bem, antecipação foi criada e vivida até a chegada de Vidro. E Shyamalan, arrependido da própria obra, tenta encerrá-la ou escondê-la.
Vidro, o filme, é composto por uma sequência de viradas de jogo nas quais os personagens de Jackson, Willis e McCavoy precisam provar sua existência e seus poderes. Como se eles devessem convencer o próprio diretor, medroso demais de deixar suas crias crescerem por conta própria.
Talvez acometido por uma tardia e esquisita crise do ninho vazio, Shyamalan não permite a vida de seus personagens.
Transforma de Vidro, com isso, em um longo terceiro ato de seus outros filmes (aquele momento da virada, quando a trama tem uma reviravolta e, costumeiramente, decepciona ao ser mais real do que qualquer um imaginava: de novo, estamos falando aqui de A Vila, Sinais, etc).
Jackson, Willis e McCavoy são levados para um hospital psiquiátrico para desacreditarem que são super-seres. Uai, por que raios assistimos Corpo Fechado e Fragmentado, quase 5 horas de cinema, para chegar no terceiro ato e ser levado a duvidar de tudo aquilo que foi estabelecido anteriormente?
Como aquele momento que seu presente de Natal, pedido com uma cartinha escrita a mão, meses antes, mas que quebra na primeira brincadeira, na manhã de 25 de dezembro, Vidro não faz justiça ao que se esperava por ele, ao circo montado para que o filme pudesse brilhar.
Anticlimático, Shyamalan tem vergonha e medo das referências que tomou das HQs e as usa com ironia - qualé, cara? Amontoa tantas viradas na trama que fica a dúvida se era um roteiro ou uma roleta de cassino. Vidro envolve até uma sociedade secreta que se encontra em um restaurante em Detroit.
Por fim, Shyamalan representa aquele crush que não merece sua atenção. Mas manda mensagem na madrugada, envia um "bom dia" e convence que merece um primeiro date. Ao final, você quebra a cara e/ou coração. Você sabia e, mesmo assim, deixou-se levar. Acontece uma, duas, três vezes.
Vamos aprender, certo? Uns antes, outros depois, mas, eventualmente, todos vamos aprender.
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