Jay Horsth e João Pesce falam sobre o processo de criação e produção de Somewhere Between Here and Now e a carreira enquanto banda de indie rock no Brasil
Isabela Guiduci | @isabelaguiduci Publicado em 02/04/2021, às 10h00
Young Lights, banda mineira de indie rock, é um conjunto harmonioso de potência, explosão, sinceridade e sentimentalidade. Com uma sonoridade excepcional, ao longo da discografia, o grupo revisita de maneira grandiosa e impecável elementos do rock, rock alternativo e folk.
Destaques no cenário independente brasileiro, a Young Lights se aventurou nas experimentações e expôs as dores da superação no mais recente disco, Somewhere Between Here and Now. O álbum representa uma nova fase dos integrantes enquanto grupo e reflete a maturidade - sonora e liricamente - do momento atual da carreira.
Cada um da própria casa e isolados socialmente devido à pandemia de coronavírus, os integrantes, Jay Horsth (vocais, violão e piano) e João Pesce (contrabaixo), falaram à Rolling Stone Brasil sobre o processo de criação do fascinante Somewhere Between Here and Now - das aventuras no estúdio no Rio de Janeiro ao resultado final, carregado de emoção, rock e música boa.
Somewhere Between Here and Now, lançado no dia 12 de fevereiro, é um disco de “reinvenção”, como explica João Pesce. O álbum vem junto de uma mudança de integrantes - saíram Vitor "Boss" Ávila (guitarra) e Gentil Nascimento (bateria), e chegaram Bruno Mendes (bateria), Matheus Fleming (guitarra) e Henrique Corrêa (guitarra).
"[Com Somewhere Between Here and Now] Não queríamos ficar no mesmo lugar, não por querer ser do contra, mas porque não seria honesto. Estávamos em outra fase, então não adiantava querer achar substitutos para os integrantes antigos que fossem iguais a eles. As pessoas mudam, e é natural a música mudar também", conta João.
Jay complementa: "É igual quando um escritor escreve um novo livro. Ele não vai escrever um livro com os mesmos personagens do anterior, mas com nomes diferentes. Esse disco foi o primeiro que não estávamos buscando ser maior ou menor. Só queríamos gravar uma parada junto. E, a Young Lights mudou."
As circunstâncias - não apenas a mudança de integrantes, mas a maturidade e a evolução enquanto artistas - refletem em um disco mais experimental, mais complexo e com muitas camadas. Isso se deve também, segundo os músicos, à oportunidade de gravar o álbum no estúdio da Oi no Rio de Janeiro com os produtores Bruno Giorgi e Gabriel Ventura, do Ventre.
João lembra: "O Bruno e o Gabriel são dois caras muito malucos. Malucos de querer experimentar. Alguns resultados foram surpresas, gravamos 10 takes e ninguém sabia qual seria usado. Algumas coisas eles realmente piravam e voltavam com uma surpresa para a banda. Muito do disco foi feito no estúdio com experimentação."
Para a gravação, a banda passou cerca de três semanas no Rio de Janeiro. O baixista, inclusive, conta que os esqueletos das músicas existiam, mas grande parte do resultado foi pensado no estúdio. Jay comenta: "Nunca discutimos isso. Mas, penso que o disco é 40% produção e 60% Young Lights".
"Este disco específico foi um experimento, porque deu para brincar bastante com efeitos e loucuras. [...] Tem muita coisa que escutamos só depois e surpreendeu a gente. Tínhamos uma certa noção de como seria, mas mesmo assim surpreendeu", acrescenta Jay.
Todo o processo de produção foi um momento de muita experimentação, como afirmaram os músicos. Segundo João: "O disco ainda é música pop, mas tem muita camada. Pop no sentido de ter melodia, porque tem música experimental como o Sonic Youth, que grava só barulho de guitarra. Nesse sentido, [Somewhere Between Here and Now] ainda é pop, ainda é indie rock."
"É mais pop do que Sonic Youth", brinca Jay, e compara: "Mas não tão pop quanto" ao que João responde: "Mumford & Sons."
Segundo Jay, o trabalho da Young Lights ainda refletia muito as particularidades e individualidades do vocalista até Somewhere Between Here and Now: "Eu fazia as músicas e senti que, por exemplo, o último disco [Young Lights] era muito eu na parada. Eu dava muito pitaco e muita sugestão."
Já com Somewhere Between Here and Now, “tinha horas na gravação” que o artista não estava na sala do estúdio junto dos outros integrantes, porque queria realmente que as decisões fossem tomadas pelos próprios músicos. A ideia era deixar todos à vontade: "Fiquei até mais feliz com isso", diz.
Para o vocalista, é o melhor disco da Young Lights por conta dessa identidade nova. O compositor enxerga o projeto sendo muito maduro: "Se as pessoas escutarem as músicas vão ver a diferença de construção. As melodias e as letras são muito mais sobre dor, mas é a maturidade da dor. Não simplesmente um cara sendo bêbado o tempo inteiro."
De fato, passear pelas onze faixas de Somewhere Between Here and Now é um experimento curativo, talvez até terapêutico, ao se identificar com a dor da superação, o desespero da ansiedade e o caos interior. O disco cria uma narrativa emocional intensa e profunda pelas fases do término de um relacionamento.
"Fiz ‘Down River’ [faixa do disco] quando tinha terminado um namoro em 2019. Fiquei um mês sem entender o que aconteceu. Decidi ficar em casa, meio que fiz uma quarentena na época. Fiquei em casa, foi dramático demais, não ligava as luzes. Ficava em casa, bebendo, sozinho, bebendo, sozinho. Na época, penso que falei para os meninos assim: 'Galera, fiz umas 40 músicas'", conta Jay.
Os sentimentos trazidos na lírica eram costumeiros na discografia da banda. Mesmo com as mudanças de integrantes e diferenças em relação do disco anterior, o Young Lights (2017), a identidade musical repleta de emoção - na letra e melodia - continua presente, sincera e intensa.
"Sempre foi [uma identidade musical com muita emoção]. Na verdade, isso é o que ficou da Young Lights. Essa coisa emocionante, muito de coração, de se entregar. Isso é o que ficou. O restante de estrutura musical, se é com o violão, se é com duas guitarras, com a bateria de hardcore mudou. O que muda são as experimentações e os arranjos", reflete João.
Assista ao clipe de "Down River":
Em geral, Jay é quem escreve as letras e melodia e, depois, leva os resultados para os integrantes: "Geralmente, mando um áudio para os meninos duas horas da manhã, que é meu horário de criar. Aí a galera escuta e geralmente ninguém me responde, o que é ótimo", brinca.
Não foi diferente com Somewhere Between Here and Now. O disco começou a ser pensado em 2019, quando o compositor compartilhou as faixas com o restante do grupo: "Lembro que eles tinham mandado um ‘joinha’ assim sabe? Ou respondido: ‘Foda’. Aí no ensaio, eu falava: ‘Ô galera, cês lembram aquele trem que eu mandei?’", conta Jay.
Em 2019, inclusive, a banda suspendeu as apresentações ao vivo para fazer a pré-produção e gravar o disco. O vocalista lembra que o grupo fez apenas dois shows naquele ano, e um foi do lançamento da faixa,"Down River", single de Somewhere Between Here and Now.
Com a chegada da pandemia de coronavírus no Brasil, João comenta que a banda discutiu sobre a ideia de lançar um disco sem poder tocar ao vivo - o que, até então, não faria sentido. No entanto, com a persistência do cenário, os planos mudaram.
Gradualmente, o grupo foi compartilhando singles de Somewhere Between Here and Now, e por fim, lançaram o trabalho oficialmente no dia 12 de fevereiro deste ano. Como João pontuou, porém, devido às condições pandêmicas, a banda não consegue tocar ao vivo por enquanto.
"Mas o que a gente pode fazer? Tem que lançar, cara. Vamos morrer daqui a pouco. É arte, mostre para as pessoas", completa Jay. O vocalista continua: "Realmente tenho muito orgulho desse disco toda vez que escuto. A recepção foi muito maior do que o Young Lights [disco anterior] devido ao contexto de consumo de música hoje em dia."
De acordo com o músico: "As pessoas querem isso, nem que seja uma ou duas pessoas, mas são aquelas com fome disso. É muito bonito ver a recepção. Olho para os números e acho foda. Mas, recebi mensagens sinceras escritas à mão de pessoas que realmente gostam, e de todo o lugar do mundo, só porque lançamos 11 músicas. E, é sobre isso. Por enquanto, fazemos música para ajudar outras pessoas do mesmo jeito que elas nos ajudam a continuar", conclui.
Para alimentar ainda mais o público com as músicas impecáveis da carreira, a banda guardou uma faixa oculta de Somewhere Between Here and Now, que deve ser lançada em breve em todas as plataformas digitais.
Ouça Somewhere Between Here and Now:
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A história da Young Lights começou em 2013 em Belo Horizonte, inicialmente como um projeto solo de Jay Horsth, que contou com um EP e um disco. Para completar a primeira formação da banda, entraram João Pesce, Vitor "Boss" Ávila e Gentil Nascimento, responsável pelo lançamento do álbum homônimo em 2017.
Com a saída de Boss e Gentil, e a entrada de Bruno Mendes, Matheus Fleming e Henrique Corrêa o grupo ganhou uma nova cara em 2019. E, com esta formação, foi criado Somewhere Between Here and Now (2021).
Ao serem questionados sobre a escolha do nome do grupo, os integrantes revelaram ter um certo costume de inventar uma nova história para cada pergunta. No entanto, Jay conta existir uma explicação para Young Lights ao que João questiona e brinca: "É real mesmo? Essa é a dúvida." Verdadeira ou não, é uma história interessante - e até 'cultural'.
Brincadeiras à parte, o vocalista explica que era madrugada enquanto ele assistia O Advogado do Diabo, protagonizado por Keanu Reeves e Charlize Theron: "Tem uma cena que os dois abrem a porta, entram juntos em uma festa, tudo para e o cara fala: ‘There they are. Bright Young Lights [‘Lá estão eles. Jovens luzes brilhantes’, em tradução livre]."
Na época, o artista procurava por um nome para a banda: "Pensei em Bright Young Lights, porque é muito bom. Ai pesquise o nome no Google e já tinha uma banda com esse nome, tirei o bright e não tinha outra banda. Na verdade, tinha, mas com muito pouco seguidor", brinca.
Como um dos principais nomes do indie rock brasileiro, principalmente no cenário musical independente, a Young Lights aposta no gênero, faz um trabalho incrível e mostra a potência artística em cada disco novo.
"Ser uma banda indie rock de cinco caras brancos héteros no Brasil talvez não faça tanto sentido, mas é o que sabemos fazer e, espero, que a gente continue fazendo por bastante tempo", afirma Jay.
João complementa: "Conversamos com outros músicos de outras bandas e sempre tem aquele comentário: ‘Pô rock né, esse trem já deu o que tinha que dar’. Gostaria de ter um público interessado e jovem que está consumindo isso. Como é o público engajado com o rap, por exemplo. Mas, infeliz ou felizmente, é o que sabemos fazer. E, na vida, fazemos o que sabemos."
Para o baixista, não há como prever como as pessoas vão consumir o conteúdo, a responsabilidade é entregar uma boa música e "naturalmente, vai atrair mais pessoas". Ainda, acrescenta: "Quem sabe daqui a pouco isso [rock] volte a ser relevante igual é o hip-hop atualmente."
Segundo os músicos, o consumo do rap segue com uma ascensão meteórica atualmente. "Não estou falando que a galera do pop ou do rap estraga o rock. Mas, a galera do rap é o 'novo rock'", comenta o vocalista.
Além de toda a questão acerca do rock, há a agridoce sensação de ser uma banda independente: "É bem ruim, mas é muito bom. É tipo um miojo, não sustenta tanto não, mas é gostoso e se você comer todo dia, vai se alimentar. É uma loucura e é uma delícia, porque, sendo bem dramático, você não sabe onde vai chegar. [risos].", conclui Jay.
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