- Zélia Duncan (Foto: Denise Andrade/Divulgação)

Zélia Duncan transforma angústia em esperança com Pelespírito, disco que marca 40 anos de carreira [ENTREVISTA]

Com letras escritas via Whatsapp e produção à distância, Zélia Duncan deseja trazer alento ao público em Pelespírito

Marina Sakai (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 05/06/2021, às 14h40

Em São Paulo, com a CPI da Covid-19 passando ao fundo, Zélia Duncan começa um dia corrido de entrevistas, feliz de estar lançando um trabalho no meio de tanta tristeza. Gravou os vocais de Pelespírito, disco para comemorar 40 anos de carreira, todos naquele quarto, sozinha, em contato com a própria voz da maneira mais pura e íntima. É visível, o trabalho é um dos seus projetos mais sensíveis, crus e sensoriais.

Zélia quase optou por um disco revisionista, regravar todos os maiores sucessos com grandes nomes da música brasileira. Mas, como disse em entrevista à Rolling Stone Brasil, “temos toda a vida para fazer isso.” Considerando a pandemia de Covid-19 e a dificuldade do período, a artista decidiu tomar a oportunidade para tentar consolar o público com a música.

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Produção

Os principais colaboradores do disco foram o cantor e compositor Juliano Holanda e o produtor musical Webster Santos. Tudo foi feito de maneira remota, as composições por conversas de Whatsapp e os instrumentais por áudios separados. A comunicação foi essencial para o processo. O trio decidia estrutura e andamento das músicas, Zélia gravava voz e violão e enviava quando julgava estar pronto. 

Foi um processo de aprendizado. Pela primeira vez, a artista precisou gravar a própria voz: “Foi um grande feito para mim. Muito profundo, apenas eu e minha voz.” Há alguns anos, Zélia descobriu um nódulo maligno e precisou remover a tireóide. Foi muito difícil, pois afetou o lugar mais importante de sua vida. De repente, para produzir este disco, precisou começar a se ouvir como nunca antes. “Não tive nenhum problema técnico, tenho orgulho de dizer. Todos os vocais, eu gravei.”

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Zélia e Juliano compuseram o disco inteiro por meio de diálogos os quais se tornaram músicas, adicionavam frases às letras um do outro e tentavam gravar com alguns acordes do violão da cantora. “Os amigos se apaixonam também, não é? A nossa conexão foi muito forte, todas as horas do dia, mandávamos mensagens para cá e para lá.”

A sensibilidade da produção de Webster Santos reflete as letras da cantora. A música de Zélia não é completamente cheia, tem alguns vazios, silêncios e momentos de respiração. Para a artista, a letra é o mais importante, especialmente neste disco, e o produtor “colocou-a em uma bandeja fina e transparente, e entregou.” 

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Essa relação entre forma e conteúdo é muito visível na faixa-título, “Pelespírito.” Segundo Zélia, fala exatamente de como estava se sentindo quando escreveu, e usa metáforas de mar, suor, lama e sangue para expressar a sensação. “A pele te puxando, a matéria te esgarçando e o espírito tentando se elevar um pouco.” Sentia-se angustiada, vazia, mas “sem tirar os olhos do mundo,” sem conseguir parar de olhar a internet, as notícias e pensar onde vamos parar.

A letra não preenche todos os espaços, os instrumentos também não. A intenção de Zélia era deixar os silêncios para o aspecto sensorial, para ser preenchido com o espírito. “Gravei muito emocionada. Lembro como estava sozinha e dizendo exatamente como me sentia. Os ouvintes vão perceber.”

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Estilos

Pelespírito é um disco muito diverso, abrange gêneros musicais diferentes. Afinal, Zélia estourou como cantora pop, foi vocalista d’Os Mutantes, grupo de rock, e dividiu o palco com diversos artistas de áreas diferentes. Do blues ao sertanejo, do rock ao reggae, mas com uma intenção folk que permeia todo o trabalho. 

Nas horas cruas” é a canção com mais influências do rock, e uma das únicas com uma guitarra dentre os instrumentos. “Quando o Webster colocou, pedi calma. Não queria dar uma ideia grandiosa, não estamos nesse lugar agora. No final, acertamos o ponto e a mixagem ficou incrível,” disse Zélia.

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Mensagem

“Uns dias voam, outros se arrastam, mas todos, todos passam.” O sentimento de estar parado no tempo e, junto disso, sentir um milhão de emoções de uma só vez é comum a muitas pessoas enfrentando a pandemia de Covid-19. Esta letra faz parte da 10ª faixa de Pelespírito, “Passam.” 

A principal mensagem do disco é, nas palavras da cantora, relembrar o público de que tudo isso vai passar. Especialmente na própria profissão: “O artista, quando trancafiado em casa, foi afetado na espinha do seu ofício, o encontro.” Logo no começo do isolamento, Zélia precisou cancelar 12 apresentações de uma só vez, sentiu-se numa “asfixia emocional.”

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Apesar da mensagem positiva, todas as canções têm uma ponta de tristeza. A inspiração para compor veio da melancolia. “Queremos ser felizes, sou uma pessoa alegre, mas a tristeza tem uma profundidade diferente, nos faz querer achar alguma saída.” Para Zélia, a esperança nos faz agir e acreditar na mudança.

A cantora se orgulha dessa “tristezinha,” porque “nem todas as coisas tristes são horríveis.” Elas inspiram, dão profundidade e conduzem a um sentimento mais inteiro, segundo ela. O melhor jeito é “continuar vivo e mais petulante do que nunca, para arrancar alegria deste momento.” Para finalizar, Zélia deseja conseguir passar aos ouvintes algum alento com Pelespírito, assim como foi para ela criá-lo.

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Pelespírito, de Zélia Duncan e distribuído pela Universal Music Brasil, está disponível em todas as plataformas digitais.


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