Como um dos nomes mais talentosos do gênero no país, o rapper carioca se apresenta no terceiro dia do festival
Nicolle Cabral Publicado em 24/09/2019, às 10h00
Em 2018, Abebe Bikila, conhecido como BK', deixou de ser o personagem central da própria obra para assumir o papel de narrador e apresentar ao público as vidas e vivências negras dentro de Gigantes, o segundo álbum de estúdio, lançado pelo selo Pirâmide Perdida.
No registro, decidiu que não ia mais caminhar sozinho e ao longo de 49 minutos, trouxe as narrativas do mundo que estava ao seu redor e fez da própria voz, afinando e a engrossando, o instrumento mais preciso para interpretar a vida de cada um dos personagens que construiu. Tudo isso harmonizado pelos beats e produção de Arit, El Lif Beatz, JXNV$, NAVE Beatz e Papatinho.
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A capa do disco do rapper de Jacarepaguá, da Zona Oeste do Rio de Janeiro, funciona como um cartão de visita pintado pelo artista Maxwell Alexandre. A imagem materializa os personagens de Gigantes. Com rimas sobre a hipersexualização, a criminalidade, o preconceito, a solidão do homem e da mulher negra, BK' anunciou que os Gigantes estavam a caminho.
Na música, "Novo Poder", que abre o álbum lançado em 2018, BK' rima sobre uma tal de "nova desordem mundial", em que reconfigura a perspectiva da sociedade que tem homem branco como "líder" e afirma que os pretos, sim, estão no topo.
"Nós somos o novo poder / Erguendo pirâmides que libertam mentes
Somos o novo poder / Reinventando a terra, a lua e o sol / Mandando tu se foder /
Falando de formas que assustam / assombram e arrasam / Que é pra acordar você"
Atração do dia 29 de setembro do Rock in Rio no Espaço Favela, BK' contou à Rolling Stone Brasil, como essas vivências se transformaram no segundo projeto do rapper.
"Estava fazendo um disco chamado Contos da Madrugada. A vibe era parecida com a de "Amores, Vícios e Obsessões" [faixa que integra o disco de estreia Castelos & Ruínas] era mais aquele tipo de beat".
Ele continua: "Aí dentro desse disco, eu fiz a faixa 'Gigantes', aí eu virei e falei: 'calma lá. parou tudo’. Senti que dava para separar as coisas e aí fui pensando em temas e estudando para ver o que eu poderia falar, mas ainda sendo o BK'."
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Antes mesmo do segundo álbum de estúdio, o carioca já refletia sobre os conflitos que atingem a realidade negra, mas fez isso de forma muito mais intimista. Imerso em reflexões existencialistas, com beats melancólicos, no primeiro registro, intitulado de Castelos & Ruínas, BK' encarou a própria vida, os sonhos e tormentos pessoais ao longo de 11 faixas e fez barulho dentro do rap carioca.
"Castelos & Ruínas é plural dentro de uma bolha. Ele vai para vários lugares, mas dentro do conceito que ele é. No Gigantes, consegui expandir mais. Ele consegue acessar mais lugares, é o que eu sinto".
Em Gigantes, no decorrer das 13 faixas, BK' se mostrou como um dos porta-vozes de outras histórias negras que não só a dele, e entoou isso em "Vivos", faixa com Baco Exu do Blues, um dos grandes nomes do rap nacional, e participação de Luccas Carlos com o verso: "Pretos fazendo dinheiro é tudo que eu vejo".
Ao refletir sobre a atenção voltada para a cultura do hip-hop atualmente, o rapper questionou: "Porque um só preto pode ser aceito?"
"A gente está tentando quebrar essa parede. Mas se for botar no lápis, quem conseguiu fazer um furo nisso? Eu, o Baco, Djonga. Tem muito mais gente pra furar isso aqui”, afirma.
Mesmo que a mídia tenha escolhido e o público tenha "abraçado tanto" o rap, como ele diz, o gênero, no Brasil, ainda está em processo de construção.
"O rap ainda é muito marginalizado. Se você só vê 3 ou 4 de nós, quer dizer que ainda é marginalizado. Por que só pode existir três pretos fazendo uma parada?", indaga.
Cria da terra do funk, o rapper também enfatizou a marginalização em outros gêneros, como o o próprio funk, e citou o caso do idealizador do Baile da Gaiola no Rio de Janeiro, Rennan da Penha, preso desde o início do ano acusado por associação ao tráfico de drogas.
"É só ver o lance do Rennan da Penha. Você até vê [o gênero] chegar em outros lugares, mas não pode tocar certas músicas, não pode bate-cabeça em um lugar porque é lugar de boy. Mas é um processo de crescimento. E todo crescimento tem os seus problemas, até o momento em que ele se estabiliza e resolve."
"Qual vai ser o rumo do rap ano que vem? Ninguém sabe. A gente só espera que não seja um boom [passageiro]".
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