"Existe um mundo onde eu posso ir e contar meus segredos/é o meu quarto". Assim começava “In My Room”. Lançada em 1963, no lado B do single "Be True to Your School", a balada logo se tornou um das favoritas dos fãs dos Beach Boys. Ela refletia aquele momento peculiar de Brian, que detestava a vida na estrada e contava os minutos para voltar para a casa e ficar sozinho em seu quarto – afinal, lá ninguém, poderia magoá-lo ou atingi-lo. "Neste mundo, eu tranco todas as minhas preocupações e temores", ele cantava. "Agora está escuro e eu estou sozinho, mas eu não vou ficar com medo dentro do meu quarto", concluía. A faixa se tornou tragicamente profética. Por um bom período durante os anos 1970, Brian só fazia isso, permanecia 24 horas trancado no quarto, por dias ou até semanas.
Quando surgiu, o rock falava diretamente aos machos-alfa. Não seria conveniente para os rebeldes sem causa dos anos 1950 mostrar os sentimentos ou dar sinais de fraqueza. Brian Wilson foi um dos primeiros artistas a subverter esta situação. "Don't Worry Baby" foi lado B do single "I Get Around", que chegou ao primeiro lugar em 1964. A canção é supostamente sobre uma corrida de carro. Primeiro, o rapaz fica se gabando de sua habilidade como piloto, mas no último instante dá para trás, achando que não daria conta da missão. A sorte é que a namorada se mostra mais madura e o consola, dizendo que ia ficar tudo bem. A faixa mostra o quanto Brian estava em um momento de incerteza e dúvida.
Com apenas 22 anos, Brian Wilson já estava pensando nas tribulações do amadurecimento e da inevitável velhice. "When I Grow Up (to be a Man)”, lançada em 1964, antecipava alguns temas que seriam recorrentes em Pet Sounds. A faixa, conduzida por um cravo, tem Brian e Mike Love como os vocalistas principais. Na letra, Brian se indaga sobre como ele seria quando estivesse mais velho. Será que ia curtir as mesmas coisas da época de garoto? Ele ainda iria fazer piadas e gostar do mesmo tipo de música? Será que os filhos iriam considera-lo um pai legal ou um velho quadrado? Será que se arrependeria das coisas que tinha feito? Amaria a esposa até o fim dos dias? Enquanto isso, ao fundo, o resto da banda, de forma implacável, fazia uma contagem progressiva da idade, chegando aos 32 anos, mas deixando claro que iria avançar. No final, Mike Love sentenciava: "Não vai durar para sempre”. E Brian respondia: "Isso é bem triste".
Murry Wilson, pai de Brian, Dennis e Carl Wilson, era um ser humano horroroso. Espancava os garotos e os torturava psicologicamente. Ele era um compositor frustrado e nunca reconheceu os méritos de Brian, que sempre buscava, em vão, a aprovação do pai. Ele foi o primeiro empresário da banda, até ser mandado embora de forma conturbada em 1964. Nesta faixa de Summer Days and Summer Nights (1965), Brian se acompanha ao piano e ainda faz paródia do estilo vocal de Elvis Presley. Mas a música não tem nada de engraçada. Com muito veneno e ressentimento, Brian joga farpas sobre o pai, falando das coisas de que era privado. E termina de forma seca: "Estou chateado com o meu velho/ E ele nem sabe sobre o que estou falando". Com tempo, o pai dos Beach Boys foi amolecendo e tentou reconstruir a relação com os três filhos. Murry Wilson morreu no dia 4 de junho de 1973, aos 55 anos. Brian não compareceu ao funeral.
Depois do impacto de Pet Sounds e dos sucesso do single "Good Vibrations", Brian queria voar ainda mais alto. Ele planejou o ambicioso Smile, que deveria ser o maior álbum de todos os tempos. Começou a gravar o material, mas acabou perdendo o foco e depois, a sanidade. Sofria pressão da gravadora Capitol e dos outros Beach Boys. A peça central de Smile seria "Surf's Up", uma bela melodia com letra impenetrável criada por Van Dyke Parks. A canção é o ponto mais alto de Brian Wilson como artista, gênio e visionário. O maestro Leonard Bernstein produziu e apresentou um documentário chamado Inside Pop – The Rock Revolution e gravou Brian cantando a faixa ao piano na sala de casa. Mas Smile foi arquivado em 1967 e Brian, cada vez mais mergulhado nas drogas, se isolou completamente. "Surf's Up" foi regravada, com Carl Wilson nos vocais, e deu nome ao LP homônimo que saiu em 1971. Mas a versão original de 1966 marcou o momento em que Brian se aproximou do sol e acabou queimado.
No final da década de 1960, enquanto os Beach Boys estavam na estrada ou no estúdio de gravação, Brian ficava olhando para as paredes de sua mansão em Bel-Air. “Busy Doin’ Nothin’”, que tem uma melodia suave e uma gentil batida de bossa nova, foi uma das poucas que ele gravou naquela época e resume bem a vida bizarra que vivia naquele momento. Era de ócio e um enorme tédio existencial. Na faixa, ele quer falar com um amigo, mas não lembra do número de telefone. Depois de muita concentração, consegue se recordar. Liga, mas ninguém atende. Então, resolve escrever uma carta para o tal amigo. Também diz que pensava em muitas coisas e fazia anotações, senão iria esquecer tudo posteriormente. Ainda reclama do tempo e, no final, dá dicas sobre como encontrar a casa dele. Mas na verdade, como diz o título, ele ficava "ocupado fazendo nada". Agora Brian queria parecer um sujeito trivial e não o gênio torturado de "Surf's Up". A faixa foi incluída no álbum 20/20 (1968).
Deprimido, sofrendo de agorafobia, desleixado, pesando 120 quilos, fumando sem parar e viciado em todo tipo de drogas e junk food. Assim era o Brian Wilson do começo dos anos 1970. Ele por muitas vezes contemplou se matar. Havia praticamente desistido da carreira, mas por questões contratuais era obrigado a gravar pelo menos uma faixa por disco dos Beach Boys. "Til I Die", incluída em Surf 's Up (1971) é uma nota de suicídio. Nela, ele se considera um ser insignificante e se compara a uma folha no vento (“logo vou ser varrido para longe"); a uma rolha perdida no mar ("o quão profundo é o oceano?") e a uma pedra rolando pelo barranco (“o qual fundo é o vale?”). "Perdi meu caminho" e "isso mata minha alma", ele cantava. Refletia que seria desse jeito até finalmente morrer. A canção tornava explícito que talvez esta fosse a melhor solução para ele. "Eu vivia no buraco", ele falou anos mais tarde sobre aquela época. "Juro por Deus que cada segundo da minha vida era uma calamidade desastrosa".
Gravada originalmente para o abortado álbum Adult/Child, que deveria ter sido lançado em 1978, "Still I Dream of it" só foi ser revelada na caixa Good Vibrations: Thirty Years of The Beach Boys, lançada em 1993. Brian sempre foi grande fã de Frank Sinatra e a canção orquestrada poderia muito bem estar em álbum do The Voice. Ele cantava: "Eu cometi um monte de erros, será que eu vou aprender as lições?". Já com a voz rouca, vergastada pelos anos de excesso, Brian se considerava um mero sonhador e purgava os pecados. Ele ansiava pela chegada do dia em que finalmente iria se apaixonar de verdade e, no tocante final, se mostrava ansioso em quebrar sua inadequação social: "Eu vou achar meu mundo", dizia.
A atuação do psiquiatra Eugene Landy é controvertida dentro da vida de Brian Wilson. Hoje, ele é considerado um vilão na narrativa, mas Landy teve o mérito de conseguir tirar o músico do isolamento radical e do estado catatônico e potencialmente suicida e, assim, devolvê-lo a sociedade. O problema é que fez uma lavagem cerebral e quase se tornou “dono” do ex-líder dos Beach Boys. Mas com o incentivo de Landy, Brian gravou em 1988 seu primeiro álbum solo. O destaque de Brian Wilson foi a pungente "Love and Mercy", que se tornou o hino pessoal de Brian e até hoje é canção que ele utiliza para encerrar suas apresentações. Brian, o eterno humanista, passa a mensagem que, sem amor e compaixão, nada é válido. Esta música representa muito para Brian: lembra o artista que, apesar de ele ter ido ao inferno várias vezes, conseguiu voltar e sobreviver. "Love and Mercy" também batizou a cinebiografia produzida em 2014, mas lançado apenas no ano passado. Ela foi dirigido por Bill Pohlad e conta uma parte da complexa saga de Brian Wilson. No Brasil, saiu em DVD com o título Beach Boys: Uma História de Sucesso.