Luiz Melodia soa zen em disco só de sambas
"Analisando essa história/cada vez mais me embaraço/Quanto mais longe do circo/Mais eu encontro palhaço". Cantando estes versos de Ismael Silva, Luiz Melodia realizou a idéia que acalentava há anos. Recém-lançado e composto por sambas das décadas de 1930, 40 e 50, Estação Melodia é o primeiro trabalho essencialmente como intérprete do autor de "Pérola Negra".
Se comparado aos seus trabalhos anteriores, um projeto que envolve somente sambas não é uma coisa tão distante de Luiz Melodia, que já gravou vários deles e sempre coloca um ou outro em seus shows. "Tenho a maior liberdade para lidar com a música", comemora. No repertório do novo disco, dedicado ao pai e ao amigo Wally Salomão, há 14 canções, sendo só duas inéditas, "Nós Dois" e "Choro de Passarinho". A primeira é um samba-canção e traz o intérprete em tom confessional numa inusitada declaração de amor; a segunda, um dueto correto com a mulher e empresária Jane Reis, é um chorinho à base de cavaquinho, violão e pandeiro.
À exceção dessas duas, Melodia mergulhou fundo no repertório de sambas clássicos, entre eles, dois compostos por seu pai, Oswaldo Melodia ("Não Me Quebro à Toa" e "Linda Tereza", este último com coro de pastoras e tudo). "O repertório não foi problema, tinha muitas opções, mas a presença da Jane foi fundamental na escolha. Todo dia a gente lembrava de um samba e botava na lista." Melodia também demonstrou uma preocupação especial com a orquestração: "Queria que as músicas soassem parecidas com os arranjos da época, mas sem agredir a modernidade".
Seu timbre marcante passa normalmente uma certa tristeza na sua forma; ao interpretar sambas, o cantor acrescentou à sua voz um tanto mais de dengo, gaiatice e humor, aspectos que podem ser percebidos em "O Rei do Samba", de Miguel Lima e Arino Nunes: "Eu sei que não sou majestade/ Não tenho nem quero coroa/ Eu quero é cantar na cidade". Não irá demorar para Melodia ser coroado também como um grande intérprete de sambas. E isso é muita coisa.