Bruce Lee é fruto de várias concordâncias. Esteve quando e onde tinha de estar, no momento certo e no tempo correto. Uma dessas felizes coincidências foi ter aprendido a lutar com Yip Man. O mestre, aos 13 anos, segundo a lenda, foi aceito como o último aluno de Chan Wah-Shun, outro mito nas artes da defesa pessoal, e Ng Chung-Sok. Quando chegou ao ápice, passou décadas ensinando quase tudo o que sabia para Bruce Lee.
40 anos sem Bruce Lee: as origens e o mestre por trás do mito.
A biografia oficial diz que em 1908, quando tinha 15 anos, Yip Man mudou-se para Hong Kong com a ajuda de um parente. De acordo com os dois filhos, ele mudou de vida após presenciar um policial batendo em uma mulher estrangeira. A história diz que o policial tentou atacá-lo quando interveio em defesa da mulher, e que Yip Man usou suas técnicas. A cena teria sido vista por um homem mais velho, que perguntou qual arte marcial era aquela. O velho pediu a Yip Man que lhe mostrasse as primeiras duas formas – Sil Lim Tao e Chun Kiu. Ele gostou do que viu. E então desafiou Yip Man a enfrentá-lo. O homem de mais de 50 anos venceu, e Yip Man percebeu que tinha muito a aprender. Foi convidado para treinar Chi Sau (uma forma que envolve o ataque controlando a defesa). E então descobriu que aquele homem era companheiro de seu mestre, Leung Bik, filho de outro mestre seu, Leung Jan, para quem tinha prometido que jamais ensinaria os golpes, por temer que fossem usados para o mal. Treinou e, com 24 anos, Yip Man voltou a Foshan com as habilidades de wing chun tremendamente aprimoradas.
Conhecido por ser uma pessoa modesta e sempre alegre, Yip Man passou a ser admirado pelo jeito simples, prova de que o verdadeiro wing chun amadureceu o seu modo de pensar. Esse era outro motivo pelo qual era querido na cidade: Foshan era um centro de artes marciais, e ele era um mestre sem igual. Tanta admiração fez com que recebesse o cargo de chefe de polícia da cidade, que aceitou com entusiasmo. Na corporação, ensinou a arte para vários subordinados, e também a amigos e parentes deles.
Mas os japoneses invadiram a China e Yip Man, buscando tranquilidade, voltou para a casa em que morou, na aldeia Kwok Fu. O ano era 1937. Sua fama chegou aos ouvidos dos japoneses, que, achando serem racialmente invencíveis, o testavam. Lutavam com ele e perdiam. Queriam que Yip Man lhes ensinasse a técnica, mas ele se negou e acabou com todos os bens confiscados pelo exército imperial japonês. Por sorte não foi executado. Sua mansão foi transformada em quartel-general. Teve de viver em extrema pobreza e, como só sabia artes marciais, viu-se obrigado a quebrar a promessa que fez para Leung Bik e começou a ensinar wing chun para chineses que buscavam defesa contra o exército japonês. A esposa adoeceu nesse período e morreu, deixando Yip Man sozinho para cuidar dos quatro filhos.
Ele só retornou a Foshan depois da guerra, novamente como policial. No final de 1949, depois que o Partido Comunista venceu a guerra civil chinesa e tomou a cidade, sendo ainda um oficial Kuomingtang (do Partido Nacionalista Chinês, o que hoje governa a dissidente Taiwan), ele decidiu fugir sem a família para Hong Kong, que na época era colônia britânica.
Com poucos recursos, abriu uma escola de artes marciais. As vitórias dos alunos ajudaram a reforçar a reputação de Yip Man. Em 1967, ele e alguns dos alunos fundaram a Kong Ving Tsun Athletic Association Hong, que prosperou. A frase mais conhecida dele é uma espécie de homenagem não declarada a Bruce Lee: “É difícil para o aluno escolher um bom professor, mas é ainda mais difícil para um professor pegar um bom aluno”. Em 1972, Yip Man morreu de câncer na garganta por causa do fumo. Mas, nas três décadas de sua carreira, ele estabeleceu um sistema de treinamento para o wing chun que se espalhou pelo mundo, graças à fama do principal pupilo.
A lenda de Yip Man passou a ser mais amplamente conhecida a partir de 2008, quando foi lançado o elogiado O Grande Mestre, protagonizado por Donnie Yen, dirigido por Wilson Yip e com cenas de luta coreografadas pelo ator e especialista em cenas de ação Sammo Hung (que trabalhou com Bruce Lee em Operação Dragão). O filho mais velho de Yip Man, Ip Chun, aparece no longa, além de ser o principal consultor do roteiro. Em 2010, foi lançada a segunda parte, que retrata o início do contato de Yip Man com Bruce Lee. O sucesso do filme ajudou a alavancar uma mania que gerou inúmeros longas sobre o mestre. Mais recentemente, o diretor de arte Wong Kar-wai (de Amor à Flor da Pele) elaborou uma visão mais particular sobre o mito em The Grandmaster, ainda sem previsão de estreia no Brasil. Nele, o galã Tony Leung interpreta Yip Man.