Trinta e quatro anos depois de vestir o uniforme de colegial pela primeira vez, Angus Young e seus companheiros estão de volta, com o melhor disco desde Back in Black
"É incrível ficar só olhando o jeito dele no camarim", diz Johnson, com uma gargalhada rouca em meio a seu sotaque pesado do norte da Inglaterra. "Ele pode estar lá totalmente acabado, no meio de uma longa seqüência de shows, sentado com um cigarro e uma xícara de chá." Johnson recurva o corpo e assume aquele ar de gnomo. "Daí, ele fala: 'Faltam 20 minutos, rapazes'. Ele se levanta, mal diz alguma coisa, desaparece em um canto e volta vestido com aquelas roupas. Chega com um cigarrinho na boca, uma cara de safado, a guitarra pendurada no ombro. Parece o Clark Kent!", Johnson exclama. "Entra em uma cabine de telefone e sai como um moleque de 14 anos, pronto para arrebentar!"
Essa é uma das transformações mais surpreendentes do rock & roll, o oposto hilário do guitar hero clássico. Em todas as apresentações do AC/DC, há quase 35 anos, Angus, que sustenta menos de 1,60 metro, sai do camarim como quem está indo para a sala do diretor da escola, vestido com uniforme de pré-adolescente - camisa branca e gravata com paletó, boné e short combinando -, baseado nas roupas que ele usava para ir à escola quando era criança em Sydney (Austrália). Daí, quando o baterista Phil Rudd, o baixista Cliff Williams e o guitarrista Malcolm Young, o irmão mais velho de Angus, mandam os primeiros acordes, Angus inicia um ataque frenético que só vai terminar no último bis. Ele dispara riffs concisos e faz solos estridentes enquanto percorre o palco com seus furiosos passos de pato, sacode a cabeça como uma galinha que tomou muita cafeína e se joga no chão de costas, sacudindo as pernas para o alto. A única pausa no delírio acontece durante "Bad Boy Boogie", de Let There Be Rock (1977), quando Angus mostra a bunda para o público.
Essa representação toda e a música que a acompanha - mais de uma dúzia de álbuns de estúdio recheados de riffs de blues, grunhidos obscenos e força de ataque de uma manada de elefantes - transformaram o AC/DC em uma das maiores bandas do mundo. Back in Black, de 1980, vendeu 22 milhões de exemplares só nos Estados Unidos. Black Ice, o primeiro lançamento de estúdio em oito anos, tem tudo para ser o disco de rock mais vendido de 2008. Nos Estados Unidos, o CD só é vendido pela rede de lojas Wal-Mart, que fez uma pré-encomenda de 2,5 milhões de exemplares.
Mas existe um outro Angus dentro desse fenômeno - um artesão passional, obstinado e na dele, sempre em busca das infinitas possibilidades do R&B dos anos 50 e das guitarras do rock britânico da década de 1960, nas pegadas fundamentais de Chuck Berry e John Lee Hooker, do início dos Rolling Stones e dos Yardbirds. Fora do palco, sem o terninho, nos ensaios e nas sessões de gravação do AC/DC, Angus fica "completamente imóvel", Johnson conta em voz baixa, cheio de espanto. "Ele sorri, fuma, se concentra." E toca guitarra sentado.
Em um dia quente em meados de outubro, em um estúdio de ensaio na Filadélfia, o AC/DC se prepara para sua primeira turnê mundial desde 2001, com canções de Black Ice e aquecendo sucessos antigos como "Girls Got Rhythm" e "Whole Lotta Rosie", dos álbuns que a banda fez com o falecido Bon Scott, predecessor de Johnson (Scott morreu em fevereiro de 1980, engasgado com o próprio vômito em um carro em Londres, dormindo depois de uma noite inteira de bebedeira). Dali a duas semanas, na noite de estréia em Wilkesbarre (Pensilvânia), Angus, que está com 53 anos, vai se transformar mais uma vez no colegial atômico.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 27, dezembro/2008