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Acordes verdes-amarelos

No Brasil, o rock começou timidamente nos anos 1950, mas acabou amadurecendo e ganhando cara própria

Paulo Cavalcanti Publicado em 09/07/2015, às 14h46 - Atualizado às 15h30

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<b>RITMO MUTANTE</b><br>
A pioneira Nora Ney: do samba-canção ao rock and roll;
<b>RITMO MUTANTE</b><br> A pioneira Nora Ney: do samba-canção ao rock and roll;

Roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”, sentenciou Rita Lee em “Ôrra Meu!”, canção que ela gravou em 1979. Talvez Rita tenha exagerado ao afirmar que quem fazia rock no Brasil invariavelmente flertava

com os limites da lei, e, embora nem sempre tenha sido uma jornada fácil ou muito lógica, em quase 60 anos os praticantes do gênero no país não desanimaram e construíram uma identidade musical própria.

Nos Estados Unidos, o rock and roll surgiu na metade da década de 1950 como algo orgânico, uma junção de

várias vertentes das músicas negra e branca. Aqui, ele veio inicialmente como um modismo dançante importado.

Havia ainda, é claro, a questão da língua. No começo, cantar em português era dureza. A primeira gravação de

um rock em nossa terra foi justamente de uma cover (em inglês) da histórica canção “Rock Around the Clock”, de Bill Haley & His Comets – apesar de, no selo do disco de 78 rotações, o título estar traduzido como “Ronda das Horas”. O irônico é que o ato não veio de nenhum roqueiro em potencial: a honra coube a Nora Ney, intérprete de sambas-canções e músicas de fossa.

O caminho para a aceitação do ritmo demandou tempo e paciência. A bossa nova dominava o mercado e tinha forte apelo junto aos jovens mais sofisticados, que consideravam o rock coisa de suburbano inculto. Pioneiros, como os irmãos Celly e Tony Campello, Sergio Murilo, Ronnie Cord, Demétrius e Carlos Gonzaga, se viravam como podiam, gravando de forma barata, mas entusiasmada, versões de canções estrangeiras. A produção era incipiente e o ritmo também tinha como adversários o bolero e a música italiana, que, por incrível que pareça, eram vendidos como “música jovem”.

A situação começou a mudar a partir de 1964, com o impacto cultural causado pelos Beatles. Todos os países ocidentais e capitalistas tiveram algum movimento similar à beatlemania. No Brasil, o papel foi destinado no ano seguinte à turma da Jovem Guarda ou do Iê-Iê- -Iê, como chamavam os contemporâneos. O recorte estético sonoro e visual dos nossos músicos passava pela Inglaterra, mas a Jovem Guarda possuía uma brejeirice e uma inocência que eram tipicamente brasileiras. As elites culturais massacraram o movimento, afirmando que as canções tinham letras ingênuas e harmonias simplórias. Hoje, a Jovem Guarda exerce um apelo nostálgico, mas em sua época foi fundamental para cimentar o status da cultura jovem no país. Tocar guitarra elétrica passou a ser algo normal e desejado, e um movimento que tinha na linha de frente Roberto e Erasmo Carlos não poderia ser chamado de banal.

As guitarras e os amplificadores haviam chegado para ficar, mas existia quem não acreditasse nisso, como aqueles que participaram da famigerada passeata contra a guitarra elétrica, ocorrida em São Paulo, em 1967. Um fato curioso é que, fazendo o papel de gaiato, lá estava justamente o futuro tropicalista Gilberto Gil. Afinal, os tropicalistas eram roqueiros? Em parte. Eles tinham no sangue a bossa nova e a música regional, só que felizmente não eram puristas ou fechados a outras influências. Caetano Veloso enxergava valor na Jovem Guarda e, alertado por Maria Bethânia, passou a prestar atenção em Roberto Carlos. Gilberto Gil fazia a turma ouvir Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, e Jimi Hendrix para entender como era aquela coisa da “geleia geral”, como foi cantado no disco-manifesto Tropicália: ou Panis et Circencis (1968). Os Mutantes, tropicalistas caroneiros, ao sintonizar com talento as tendências do rock mundial, tornaram-se referência internacional do rock que era feito em solo brasileiro. Os pós-tropicalistas aprenderam a lição direitinho. Raul Seixas, Secos & Molhados e Novos Baianos, apesar de fazerem música com sotaque regional, gravavam com atitude e sonoridade roqueiras. Foi com eles, somente no começo da década de 1970, que o Brasil viu algo parecido com a contracultura. Mesmo com o governo militar patrulhando a sociedade, existiam algumas comunidades hippies e músicos dispostos a dar representatividade à música que refletia o espírito underground.

O rock corria à margem da MPB, que era muito mais popular. Mesmo não gerando milhões, havia diversidade e criatividade de sobra. O som progressivo era representado por bandas como Som Nosso de Cada Dia, A Bolha e Módulo 1000. O Festival de Águas Claras (1975) serviu como um Woodstock caboclo e extemporâneo. A Pompeia, o bairro mais roqueiro de São Paulo e também o local de onde saíram Os Mutantes, era apinhada de garotos formando bandas e praticando guitarra. O longevo Made in Brazil, nascido naquela região e até hoje subestimado e incompreendido, marcou a atitude roqueira.

Naquela época, a música brasileira finalmente começou a absorver o pop e o rock, particularmente graças à ex-mutante Rita Lee e a Guilherme Arantes, justamente um filho do rock progressivo. Também virou moda cantar em inglês: Pholhas, Light Refl ections, Lee Jackson e outros emulavam com perfeição o som que fazia sucesso fora do país.

A década de 1980 marcou uma divisão de águas na música e na cultura do Brasil. A censura começou a dar trégua. Muitos jovens que moravam fora do país retornaram e colocaram em prática o que tinham visto e aprendido lá fora. Os cadernos culturais dos jornais refletiam um gosto pela modernidade. A economia havia melhorado e existia um público imenso disposto a consumir o rock e a música jovem. Percebendo isso, as gravadoras apostaram no que hoje se chama de rock oitentista, uma mistura de new wave com pós-punk que colocou sob o holofote bandas do Rio de Janeiro e de Brasília. Grande parte delas tocou no primeiro Rock in Rio, em 1985. Finalmente o país entrava na era dos grandes festivais: para além da imagem rebelde, o rock também fazia muita gente ganhar dinheiro.

Simultaneamente, o underground fervilhava, especialmente em São Paulo. O heavy metal, o punk e a música eletrônica, gêneros que na época não tinham nenhum compromisso comercial, despontavam em porões e casas alternativas da capital paulista e em locais do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Surgia uma produção roqueira livre de amarras. Muitas novidades criadas nos anos seguintes tiveram as sementes plantadas naqueles anos de intensa criatividade. Foi também o underground o responsável por fragmentar o panorama do rock. Até o fi nal da década de 1980, quem fazia rock fora do eixo Rio-São Paulo poderia ser considerado herói. Aos poucos, as cenas do Nordeste (especialmente a de Pernambuco, com o inovador manguebeat) e do Rio Grande do Sul e Paraná começavam a dar um sabor mais autêntico à nossa produção musical.