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Alegria, Alegria e Cinema

Movimento tropicalista deve virar documentário com sabor estrangeiro

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 09/11/2009, às 15h07

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DESAPARECIDO - Caetano Veloso, em fase tropicalista, toca em festival da Record - PAULO SALOMÃO/CONTEÚDO EXPRESSO
DESAPARECIDO - Caetano Veloso, em fase tropicalista, toca em festival da Record - PAULO SALOMÃO/CONTEÚDO EXPRESSO

Seria preciso morar em marte para desconhecer o vídeo com versão mais risonha que límpida de Vanusa para o hino nacional. Mas você pode ser deste planeta mesmo, e daquela espécie rata de internet, que dificilmente encontrará a mesma cantora entoando os suspeitíssimos versos de "Comunicação" ("ponho um aditivo/ dentro da panela"), no Festival da Record de 1969.

Atrás de raridades como essa, o diretor Marcelo Machado e a produtora executiva Paula Cosenza foram parar no acervo da TV Record, em São Paulo. Atualmente, os dois vasculham o arquivo da emissora para Tropicália, documentário que nasceu na Mojo Pictures, de Los Angeles, e, com um empurrão de Fernando Meirelles, coprodutor, engatinhou até a brasileira Bossa Nova Films. Agora, amadurece com a aquisição dos parceiros Record Entretenimento e Revolution Films (do cineasta britânico Michael Winterbottom).

A princípio, houve quem não acreditasse no projeto. Machado lembra: "Tivemos conversas preliminares com Caetano. Aí ele disse, 'Olha, já falamos o que tinha pra falar. O resto desapareceu...'" Só que o diretor quis pagar para ver e, desde então, encara "como lição de casa" descobrir se o lado B da tropicália foi mesmo parar na ilha de Lost. "Não que o objetivo seja mostrar só o desconhecido. Mas também não vamos ficar na casca."

Tudo bem que excluir ícones como Caetano e Gilberto Gil de um documentário sobre tropicália seria como pedir cachorro-quente sem salsicha. Só que também não está nos planos do cineasta falar do Brasil só para brasileiros. Por isso, o "molho especial" fi cará por conta da conversa com músicos internacionais que adoram macarronear o português para cantar músicas tropicalistas - Devendra Banhart, Gruff Rhys (Super Furry Animals) e Zach Condon (Beirut) entre eles. "Quero mapear o interesse contemporâneo de fora - mesmo que seja mau conhecimento, porque isso já é uma apropriação válida do movimento", disse Machado, ao lembrar do "amadorismo" de Condon em colocar Chico Buarque no mesmo saco do gênero que inspira o filme.

Aí entram os parceiros de fora. A Revolution Films (produtora com tradição em cinema musical, como A Festa Nunca Termina e Nove Canções), por exemplo, será essencial na hora de falar sobre o auto exílio em Londres de Caetano, Gil, Jards Macalé, Jorge Mautner, Hélio Oiticica e outros brasileiros. "Sou um grande fã do Winterbottom e conheço a produtora dele, que tem um clima muito solto, parecido com o que queremos fazer", comentou Meirelles. Ele chegou a ser convidado para dirigir o projeto, mas, por falta de tempo, passou a bola para Machado (diretor de Ginga, sobre a manha do futebol nacional, outro tema de apelo planetário).

Josh Hyams, da Revolution, acredita que a passagem dos tropicalistas pelo Reino Unido imprimiu muito mais do que alguns carimbos em passaporte, no processo que ele chama de "interfertilização". "Era o auge da 'Swinging London'. Quando os Tropicalistas chegaram, exerceram grande participação no que pode ser chamada de mais influente explosão cultural já vista neste canto do mundo." Tropicália pretende, portanto, retomar os passos da gangue brasuca pelas bandas britânicas. "Com quem eles andavam, tocavam. Como sua influência se fez sentir no Reino Unido", explica Hyams.

A influência da música brasileira não estacionou no passado. E, em setembro, Machado e Cosenza tiveram prova contundente disso. O dia seguinte ao show do Beirut em São Paulo foi de sol, como há tempos não se via. Acompanhada da dupla, a banda bateu perna pela Benedito Calixto, praça que acolhe uma feira de antiguidades aos sábados. Um dos músicos levou para casa Araçá Azul (disco experimental de Caetano). Já Condon, o moleque de 23 anos à frente da banda, se deslumbrou com o vinil da

trilha de um fi lme 27 anos mais velho que ele: Orfeu Negro, visão do francês Marcel Camus sobre a clássica parceria teatral de Vinícius de Morais e Tom Jobim. Cosenzo recorda bem a hora da despedida: "'Quero ser parte desta mágica' foram as últimas palavras que ele disse antes de o elevador fechar".

Mas parte dessa mágica há décadas não sai da cartola. Como uma Disneylândia do saudosismo, o arquivo da Record conta com cenas que vão muito além daquelas "sobreviventes" no imaginário popular, como o violão nervoso de Sérgio Ricardo ou a sacudida que Caetano Veloso deu no público com "Alegria, Alegria", ambos em 1967. Machado e Cosenza, no entanto, sabem que não estão em Terra do Nunca alguma: o material não vai ficar jovem para sempre. A correria, agora, é para digitalizar o quanto antes a parte do acervo que lhes interessa.

Por ora, o que interessa à dupla vem em caixonas de tinta azul descascada: 12 fi tas em quadruplex (cerca de uma hora de filme em cada uma). Pioneiro na TV, o formato de videotape só pode ser rodado em máquinas específicas - trambolho que lembra um cruzamento entre fita cassete e o capô de um carro Brasília. Só há duas dessas no Brasil, segundo a Record, que tem uma delas em sua sede, "para poder tirar tudo direto da fonte, não ser cópia da cópia", explica o técnico Ridley Silva, que se refere à quadruplex pelo tratamento de "senhora", "pra mostrar respeito". O documentário deve ficar pronto no segundo semestre de 2010.