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Anatomia de um Gigante

O PMDB, maior partido do país, luta contra crises internas, mas permanece como o mais cobiçado aliado político no Congresso Nacional.

Antonio Burani e Regiane de Oliveira Publicado em 10/07/2014, às 12h10 - Atualizado em 24/11/2014, às 13h48

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Ilustração - Lézio Júnior
Ilustração - Lézio Júnior

PMDB ameaça romper com o governo.” Mesmo quem não está imerso na cobertura jornalística de política ou não aprecia a sopa de letrinhas do universo partidário já leu essa manchete em algum momento da vida. O título acima surgiu estampado nos jornais nos primeiros meses de 2014, mas também foi recorrente nos oito anos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e até mesmo no tempo em que o país era presidido pela própria legenda. No distante dia 27 de março de 1987, quando o Brasil ainda sonhava com a primeira eleição presidencial direta depois da redemocratização, o jornal O Estado de S. Paulo cravou em sua primeira página: “PMDB ameaça romper com o governo”. A reportagem versava sobre o drama vivido pelo então presidente peemedebista José Sarney.

Apesar do espírito sempre “rebelde” (e da capacidade de gerar problemas aos parceiros políticos), o PMDB se consolidou nas últimas décadas como o mais cobiçado aliado de quem deseja chegar ao poder e governar o Brasil. O gigantismo da sigla explica essa “atração fatal”. “Nós temos 2,4 milhões de filiados. Isso é quase o dobro do PT. Em 2014 lançaremos 19 candidatos a governador, sendo que nossa expectativa é eleger pelo menos dez”, explica o senador Valdir Raupp, presidente nacional do PMDB. Questionado sobre o suposto apetite do partido por cargos, ele responde sem titubear: “O PMDB tem o vice-presidente da República [Michel Temer], os presidentes da Câmara e do Senado. Devemos, portanto, ter espaço para ajudar o governo que ajudamos a eleger. Acham que o partido fica brigando por cargos, mas o próprio governo reconhece que o PMDB está subdimensionado [na Esplanada dos Ministérios]”. Como comparação, o dirigente cita o caso do PROS, um partido que nasceu no ano passado. “Eles nunca elegeram ninguém, mas já comandam a Integração Nacional”, reclama.

Em fevereiro deste ano, a crise entre o PMDB e o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) chegou ao auge. Na ocasião, a bancada da sigla na Câmara dos Deputados ameaçou entregar todos os cargos que tinha no governo e embarcar na canoa da oposição. Segundo um estudo feito pela consultoria Arko Advice, o nível de lealdade do partido ao governo de Dilma vem caindo sistematicamente desde que ela tomou posse em 2011. Naquele ano, a presidente contou com um alto índice de adesão: 65% dos parlamentares da sigla votaram segundo a orientação da presidente. No ano seguinte, a relação começou a azedar e o nível de lealdade caiu para 50%. Em 2014, esse índice foi de 45%. “No primeiro ano de Dilma, o Congresso estava em lua de mel com o governo e o PMDB demonstrou um elevado nível de aderência”, explica Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice e coordenador do levantamento. Segundo ele, o desgaste popular enfrentado por Dilma foi um dos fatores para que a lealdade ao governo diminuísse. Ainda que o partido permaneça, em sua maioria, como aliado da Presidência, e a crise do último mês de fevereiro tenha sido contornada, o estrago já estava feito: com o crescimento do senador Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência, nas pesquisas de intenção de voto, passou a orbitar em torno dele o que os especialistas chamam de “expectativa de poder”. Vários caciques regionais do PMDB começaram a apoiá-lo publicamente, assim como já aconteceu em pleitos anteriores. O tucano fechou com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, com o baiano Geddel Vieira Lima, que apoiou Dilma em 2010, com o governador do Piauí, Antônio José de Moraes Souza Filho, e com Eunício Oliveira, senador pelo Ceará. Apesar das deserções, a presidente Dilma Rousseff conseguiu manter a legenda formalmente dentro do seu arco de alianças, o que garantiu a ela o robusto tempo de TV peemedebista. “O PMDB não é governista, mas está no governo – uma coisa é

diferente da outra”, justifica-se Raupp. Ele afirma que o partido não tem a tradição de intervir nas decisões dos seus diretórios locais.

Além de ser o partido com mais candidatos competitivos nas disputas estaduais deste ano, a agremiação é também a mais poderosa sob qualquer ângulo que se observe. Sem contar o vice-presidente Mi-chel Temer, tem sete governadores, 76 deputados federais, 20 senadores, 1.030 prefeitos, 900 vice-prefeitos, centenas de cargos estratégicos espalhados pela máquina federal e um invejável tempo de TV e rádio na propaganda eleitoral gratuita.

A força no Congresso somada à distribuição capilar de suas lideranças pelos grotões no país garantem ao PMDB o poder de fogo para negociar sempre mais espaços de poder no governo federal. E são justamente esses espaços que retroalimentam as lideranças locais do partido com cargos e verbas que garantem a elas a manutenção do poder em suas bases políticas. Os cientistas políticos explicam que se um dia o partido mudasse para a oposição, toda essa estrutura correria o risco de entrar em colapso. “O PMDB é uma federação de caciques estaduais, alguns deles com projeção nacional, como líderes de amplas bancadas no Congresso nas duas casas, e outros com participação mais estadual”, explica o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor do curso de administração pública da FGV. Ele diz que o PMDB é uma legenda que pode ser chamada de “partido de adesão”. “Havendo um governo, ele será a favor. E ele não é o único, temos vários outros exemplos que atuam da mesma forma, como PL, PTB, PSC, PSD. Todos funcionam de maneira igual: ganham cargos, têm mais facilidade para liberar verbas e apoiam o governo do dia.”

Muita gente se pergunta como pode um partido ter tamanho poder mesmo sem arriscar-se em uma candidatura presidencial desde 1994, quando o paulista Orestes Quércia chegou em quarto lugar depois de receber modestos 2.771.788 votos. Pois é justamente a ausência de um projeto mais ambicioso de poder que explica esse sucesso. “Mesmo na eleição de 1989, quando Ulysses Guimarães foi candidato pelo PMDB, o partido se dividiu

e os peemedebistas apoiaram candidatos diferentes nos estados”, detalha Antônio Augusto de Queiroz, analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), órgão especializado em analisar as movimentações das bancadas no Congresso Nacional.

Para entender a força e a filosofia do maior partido brasileiro é preciso voltar no tempo. Fundado em 1966 como Movimento Democrático Brasileiro, o MDB foi o principal adversário institucional dos governos militares dos anos de chumbo. Sob a tutela dos generais, o país foi obrigado a viver o regime do bipartidarismo. Nesse contexto, a ARENA passou a representar o regime e o MDB aglutinou todas as forças de oposifez ção. “O MDB foi o grande partido da construção democrática quando não havia outros canais de manifestação política”, lembra o ex-deputado Walter Feldman. Atualmente filiado ao PSB e aliado da ex-ministra Marina Silva, ele começou

a carreira no PMDB em 1982, quando foi eleito vereador com o apoio de Mário Covas. “Depois da redemocratização, o PMDB virou um partido de acomodação política”, diz Feldman. Em 1988, ele parte, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Mário Covas, do grupo de peemedebistas que deixou o partido para fundar o PSDB. Esse movimento foi o divisor de águas na transformação do PMDB em um partido de lideranças regionais e autônomas.

Já o senador Roberto Requião, apesar de hoje bastante crítico em relação ao partido, é o que muitos definem como “peemedebista autêntico”: ele não só se orgulha de ter a carreira política atrelada ao PMDB desde os tempos de militância estudantil como também de ser o filiado número 1 do PMDB do Paraná. “Ajudei a organizar o partido no estado”, ele conta. Mas o saudosismo quanto aos dias de luta contra a ditadura ficam por aí. Requião questiona abertamente os rumos que o partido tem seguido desde então. “O PMDB nasceu como uma frente, isto é, um agrupamento de pessoas que se opõem a alguma coisa, no caso, à ditadura. Porém, ele nunca se constituiu em um partido de fato”, diz o senador. Ele classifica o PMDB como uma “confederação de interesses regionais”, e vai além: “Trata-se de um espaço de participação, que não tem coerência ideológica e pragmática,

como deveria ter um partido. Na verdade, acho que nenhum partido brasileiro tem”. Mas Requião ainda defende alguns pontos da sigla. “Sei que a imagem do PMDB é a do partido do poder, que não muda nunca, só quem muda é o governo. E isso é uma distorção. Nossa luta é para que se constitua um governo programático que combata o poder pelo poder”, diz ele.

O PMDB é um partido que nas eleições municipais chegou a 1,2 mil prefeituras. Quem tem tudo isso acaba fazendo uma bancada de quase 100 deputados. E o governo precisa dessa bancada para governar”, explica o cientista político Carlos Melo, professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). Ele acredita que há um jogo cíclico, que envolve a troca de apoio por espaço de governo. “Com uma grande bancada é possível negociar vários ministérios; assim é possível alocar mais recursos regionais para fazer vários prefeitos, que, no final, se tornam uma grande bancada.” Dito isso, fica no ar a pergunta: essa maioria não deveria ser formada em torno de um projeto político? “Deveria, sim. Mas existe muita coisa no mundo que deveria ser diferente. Estamos falando da realidade. E, na realidade, o PMDB joga esse jogo muito bem”, responde o especialista. “O partido sabe negociar espaços no governo, afinal, quem precisa de apoio no Congresso precisa do PMDB.”

Com so pés no presente, mas de olho no futuro

Segundo Balei Rossi, presidente do PMDB-SP, fortalecimento em São Paulo é o caminho para candidatura à presidência em 2018.

O PMDB prepara para 2018 o lançamento de uma candidatura própria à Presidência, e essa jornada passa pelo fortalecimento do partido em São Paulo, segundo Baleia Rossi, deputado estadual e presidente do PMDB-SP. Rossi

afirma que o partido perdeu poder em São Paulo nos últimos 20 anos, e ainda não está com o vigor dos tempos de André Franco Montoro, Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury Filho – os primeiros governadores de São Paulo

após a abertura democrática. “O PMDB envelheceu e acabou se acomodando no estado de São Paulo, infelizmente. E vale aqui uma autocrítica, pois sempre militei no partido: não deixamos de lutar, mas não tivemos condições

de fazer com que o PMDB fizesse uma renovação.” Há três anos, desde que assumiu a presidência do partido no estado, Baleia luta para mudar esse cenário. “Buscamos rejuvenescer, oxigenar o partido, e por isso trouxemos algumas figuras importantes no meio político. O Gabriel Chalita [candidato à prefeitura de São Paulo em 2012] foi importantíssimo porque, após anos e anos, tivemos uma candidatura competitiva na capital, com quase 1 milhão de votos.” O candidato a governador do estado, Paulo Skaf, também faz parte desse plano de rejuvenescimento. “Ele é um líder empresarial, tem capacidade de gestão, tem um perfil diferente do da política tradicional, que é um pouco pelo que a população anseia.” Para crescer e se fortalecer, Baleia acredita que o caminho para o PMDB é continuar a apresentar candidaturas majoritárias. A candidatura própria à Presidência parece, então, uma evolução natural. Mas ainda é cedo para se falar em possíveis nomes. “Hoje temos um grande líder, Michel Temer, que é o vice-presidente da República. Ele tem todo o apoio do PMDB de São Paulo, que é 100% Michel

Temer e Dilma Rousseff. Claro que o nome natural seria o de Michel, mas ele já colocou que não tem essa pretensão”, afirma. “Temos que escolher alguém dentro dos quadros do partido, mas precisamos trabalhar esse

nome.” A candidatura própria deve mudar o modo de trabalho do PMDB, que hoje enfrenta uma crise interna por discordâncias em relação ao apoio ao governo petista.

Adeus ao Patriarca

José Sarney, um dos nomes mais importantes do PMDB,deixa a política

O clã Sarney, o mais respeitado e reverenciado no condomínio do poder do PMDB, decidiu mudar de rumo em 2014. Aos 84 anos, 60 deles dedicados à política, o patriarca da família, José Sarney, anunciou que não tentará renovar o mandato de senador pelo Amapá. Além da idade avançada, ele avaliou, segundo aliados, que tinha altas taxas de rejeição no estado. Pouco tempo depois do anúncio, foi a vez da filha dele, Roseana, governadora do Maranhão, seguir o mesmo caminho e dizer que não disputará mais cargos públicos. Com os dois principais representantes fora de combate, a família conta agora com o deputado Sarney Filho (PV-MA), o Zequinha, para manter o sobrenome no primeiro escalão da política. Reconhecidamente um líder da causa ambiental, Sarney Filho tentará renovar o mandato na Câmara. Outra peça nesse tabuleiro político é Adriano Sarney (PV), neto de José Sarney, que pretende concorrer ao cargo de deputado estadual pelo Maranhão. José Sarney assumiu o primeiro cargo eletivo em 1955, como deputado. Desde então, nunca mais ficou sem um mandato e construiu um sólido grupo político no Maranhão. Foi o 31º presidente brasileiro e atuou por três vezes como presidente do Senado.