Vitimado por um longo período de superexposição, Phil Collins se escondeu do mundo. Agora, com novo astral, ele quer ser reavaliado
E indiscutível que na década de 1980 não houve quem ameaçasse Michael Jackson no posto de astro número 1 do pop. Mas quem ser considerado o segundo colocado naquela época? Madonna? Prince? Lionel Richie? Talvez a resposta mais exata seja Phil Collins. O artista britânico vendeu mais de 150 milhões de álbuns e deixou a concorrência para trás. Faixas como “In the Air Tonight”, “Sussudio”, “Against All Odds (Take a Look at Me Now)”, “Another Day in Paradise” e outras tocavam incessantemente não só em todas as rádios mas também em supermercados, elevadores... enfim, em qualquer lugar que tivesse um alto-falante. Claro, Phil Collins não era nenhum desconhecido – ele já vinha de uma trajetória extremamente bem-sucedida como baterista e vocalista do Genesis, lenda inglesa do rock progressivo. Era confortável para Collins fazer parte de uma banda bem azeitada e constituída por outros músicos virtuosos com os quais ele dividia o holofote. O que ninguém poderia esperar era que ele se tornaria um mega-astro quando começou a fazer discos longe dos companheiros. O cantor e baterista era um astro pop improvável: baixinho, careca e com pouco sex appeal. Mas talvez esse fosse justamente o grande trunfo do músico. Não era uma figura ameaçadora ou polêmica. Collins era um astro do rock, mas também um cara com quem todos tinham a chance de se identificar.
Philip David Charles Collins nasceu em Chiswick, Londres, no dia 30 de janeiro de 1951. Começou no mundo artístico como ator, ainda na infância, e pode até ser visto como figurante em uma cena do filme A Hard Day’s Night (1964), dos Beatles. Logo, o jovem se tornou uma face conhecida na TV inglesa. Mas o que ele queria mesmo era fazer música, e se transformou em um baterista de técnica e versatilidade. Ele fez parte da cultuada banda Flaming Youth, mas a fama veio de fato quando entrou para o Genesis, em 1970. No começo, atuava apenas nas baquetas, mas aos poucos foi ganhando destaque como vocalista. Quando o frontman Peter Gabriel saiu, em 1975, Collins se tornou o astro da banda e levou o Genesis para um lado cada vez mais pop. Mesmo nos permissivos anos 1970, Collins nunca se envolveu em escândalos – não usava drogas, não saía com groupies e não quebrava quartos de hotel.
No período de ouro que viveu na década de 1980, Phil Collins era chamado de “o cara mais legal do show business”. Ele correspondia ao rótulo. O inglês era um manancial de bom-mocismo e de atitude otimista.
Por um período de dez anos foi impossível escapar dele. Collins estava em todo lugar: shows beneficentes, premiações, trilhas de filme. Também tocava com todo mundo. Ele chegou ao ponto máximo de exposição no dia 13 de julho de 1985, quando aconteceu o Live Aid. Collins tocou primeiro em Wembley, em Londres, e em seguida correu para pegar um avião Concorde e se apresentar horas depois na Filadélfia. Tudo isso sem contar que, mesmo sendo um artista solo de enorme sucesso, ele ainda fazia parte do Genesis. Por recluso e se mudou para a Suíça, longe da imprensa e do burburinho do mundo artístico. causa do toque de Midas de Collins, Invisible Touch (1986) foi um dos álbuns de maior sucesso da banda e trouxe grandes hits, como “Land of Confusion” e a faixa-título.
Mas até o auge inofensivo de Collins ruiu um dia. A partir da década de 1990 a estrela dele começou a se apagar aos poucos. O pop adulto, atmosférico, romântico, elegante, dançante e bem produzido que fazia já não significava mais nada nas paradas de sucesso. E a crítica, que nunca foi muito condescendente, começou a implicar ainda mais com a produção dele, que naquela década foi bem esparsa. Depois de We Can’t Dance (1991), ele de forma amigável parou de trabalhar regularmente com o Genesis. A música que fazia saiu de moda. Em 2000, ele ameaçou um retorno permanente às paradas graças ao Oscar que ganhou por “You’ll Be in My Heart”, tema da animação Tarzan, mas em seguida foi aparecendo cada vez menos. Collins praticamente se aposentou. Virou um cara legal murchou. Uma trajetória tão intensa e grandiosa leva, inevitavelmente, à pergunta: o que aconteceu com Phil Collins?
E m maio de 2015, o artista assinou um acordo com a Warner Music. Os oito discos solo que lançou chegarão ao mercado em novas versões, remasterizados e com material inédito e versões ao vivo. Agora, Phil Collins parece estar disposto a falar, esclarecer dúvidas sobre sua persona e acima de tudo fazer com que as pessoas se interessem novamente pela música que produz. Existe uma nova geração de artistas que começa a se declarar fã de Phill Collins – Adele, por exemplo. Falando diretamente da casa que comprou em Miami, na Flórida, há alguns meses, ele procura reforçar a imagem que sempre se fez dele. Mostra-se afável, falante. E gosta de repetir a frase: “Eu me lembro de tudo, minha memória ainda é excelente”.
“Tive que ouvir tudo de novo”, comenta Collins sobre os relançamentos. “Fazia muito tempo que não dava play nisso, foi bom colocar os bastidores das gravações em perspectiva”, completa. Este mês, a Warner solta os dois primeiros discos do pacote: o milionário Face Value (1981), primeiro trabalho solo de Collins e que vendeu mais de 7 milhões de cópias na época, e Both Sides (1993), que, apesar de ter ganhado disco de ouro em vários países, marcou o período em que ele começou a perder o posto de hitmaker imbatível.
Collins tem um patrimônio estimado em 115 milhões de libras. Assim, a certa altura, ele resolveu que queria se retirar. “Eu trabalho desde que tinha 10 anos. Chegou a um ponto em que eu decidi ficar sem fazer nada”, reflete. A última vez que entrou em estúdio foi em 2010, quando gravou o álbum Going Back, um tributo aos artistas da Motown. Ainda que tenha tido pouca divulgação, o álbum chegou ao primeiro lugar da parada inglesa, provando que ele não havia sido esquecido. Mas ele resolveu sair de cena. Foi morar em Begnins, na Suíça, perto do lago Genebra. Foi para lá, a princípio, não para fugir do mundo, mas simplesmente porque Orianne Cevey, a terceira mulher dele, era nativa do país. Eles tiveram dois filhos, Nicholas e Matthew. Em 2008, o casal se separou e o divórcio foi custoso para Collins. O que seguiu foi um período de trevas. Além de ter que amargar mais um casamento fracassado, ele enfrentou problemas de saúde. Em 2000, perdeu parte da audição do ouvido esquerdo. Uma lesão em uma vértebra no pescoço reduziu drasticamente a mobilidade dele. Por causa disso, Collins teve que parar de tocar bateria.
O músico continuou na Suíça, mas foi morar em Féchy. Virou um rei encastelado em uma enorme mansão, infeliz, com o corpo doendo e novamente sem família. Foi o fundo do poço. “Eu ficava lá jogado, sem nenhuma perspectiva, só assistindo televisão. Nunca fui de beber, mas comecei e não parei mais.” O músico quase chegou ao extremo. “Tive muitos pensamentos suicidas. Só não fui em frente por causa dos meus filhos.” Collins tinha se esquecido da música. Passava o tempo acumulando quinquilharias relativas à sangrenta batalha do Álamo, no Texas (1836), o que diz muito sobre o estado de espírito dele naquele período.
De alguma forma, o homem sobreviveu. A ex-esposa, Orianne, e os dois filhos foram morar na Flórida. Para ficar próximo das crianças, Collins foi atrás. Em junho, ele comprou por US$ 33 milhões uma mansão em estilo mediterrâneo que um dia pertenceu a Jeniffer Lopez. Foi, segundo conta, uma escolha acertada. Agora que está vivendo em um lugar ensolarado, o músico está decidido a deixar a fase ruim para trás. “Estou mais feliz e saudável. Não sei se vou voltar a tocar bateria, mas estou me esforçando, faço exercícios e fisioterapia. Nesta minha nova casa, eu montei uma bateria. Fico tentado ao olhar para ela.”
Collins pretende voltar a excursionar, mas não tem nada definido. Ele disse à Rolling Stone norte-americana que gostaria de ir para a Austrália e o Oriente, locais onde possivelmente seria capaz de lotar estádios. Mas também quer se apresentar em teatros pequenos. “Posso não conseguir tocar bateria, mas ainda me viro no piano e canto”, afirma.
Cidadão do mundo, ele ainda mantém a residência na Suíça e também tem propriedades na Inglaterra e em Nova York. Collins se lembra da única vez em que esteve no Brasil, em 1977, com o Genesis. “Nós não sabíamos que éramos tão populares no país”, recorda-se. “Tocamos em três cidades [Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro], em locais gigantescos. Na época de Both Sides, estava programando uma visita ao Oriente e à América do Sul. Houve conversa para tocar no Brasil, mas meu agente não conseguiu se entender com os promotores sobre os locais onde eu poderia me apresentar.”
O rótulo de “cara legal” ainda o incomoda um pouco. “Isso foi uma invenção da imprensa inglesa. Se o Johnny Rotten [ex-vocalista dos Sex Pistols] era a figura mais maldosa do rock, então precisava existir também um cara legal”, se defende. “Mas eu sou apenas um sujeito normal. Tenho meus problemas, defeitos, momentos sombrios.” Ele faz uma pausa. Não é fácil ser Phil Collins. “Eu entendo que as pessoas tenham ficado de saco cheio de mim e de músicas como ‘In the Air Tonight’”, diz. “E tudo bem. Eu também fiquei.”
Bastidores das Criações
Phil Collins relembra o nascimento dos discos Face Value e Both Sides
“As coisas estavam ótimas no Genesis, mas eu vivia um momento ruim em minha vida pessoal”, Collins conta sobre o período em que produziu Face Value (1981), o primeiro disco solo da carreira. “Tinha acabado de me divorciar. Então, nosso empresário sugeriu: ‘Faça um trabalho solo. Pode ser que uma mudança de ar faça bem a você’.” Mesmo com vendagens absurdas, Collins acha que Face Value, no conceito de álbum, foi eclipsado pelos hits. “Os singles engoliram o resto do disco”, reflete. “Hoje, as pessoas parecem se lembrar apenas de ‘In the Air Tonight’ e ‘I Missed Again’. Só que ele tem outras coisas boas.” Both Sides (1993) mostra o músico novamente enfrentando complicações amorosas. Mas se Face Value era leve e comercial, Both Sides tinha um som mais experimental. As canções com letras pessimistas não agradaram aos programadores de rádio. Ainda assim, Collins não se ressente do relativo fracasso da obra, já que para ele este é um trabalho altamente pessoal. “O relacionamento com a minha segunda esposa estava ruindo. Eu tinha me encontrado com uma antiga conhecida e comecei a sair com ela. Minha vida estava um caos.” Ele relata que as faixas de Both Sides refletiam esse tumulto e o desencanto que tinha com o mundo em geral naquela época. “É um álbum que mostra um pouco do meu lado sombrio. Agora que está sendo relançado, gostaria muito que as pessoas prestassem mais atenção nele.”