Beavis and Butt-Head volta direto dos anos 90 – e mira em atrações contemporâneas da MTV, como Jersey Shore
Um calvo multimilionário de 49 anos, de jeans, vai até o microfone e libera o inarticulado adolescente à espreita dentro dele: “Uh-huh. Whoa! Uh-huh. Huh-huh-huh”. Esse é Mike Judge, criador do lendário desenho animado Beavis and Butt-Head, evocando a presença de Butt-Head para uma chamada do programa do apresentador Jimmy Kimmel. “Você é uma droga, Kimmel!”, Judge berra, usando a voz de Butt-Head. Ele tenta a frase mais algumas vezes e então muda para: “Kimmel, você é uma droga!” Judge balança a cabeça em desaprovação. “Por algum motivo isso não parece algo que alguém gritaria para a TV.” Ninguém discorda: Judge pode muito bem ser considerado a maior autoridade dos Estados Unidos quando se trata de gritar com a própria TV.
Beavis and Butt-Head foi ao ar originalmente na MTV norte-americana de 1993 a 1997, período no qual se tornou o programa com maior audiência da rede, foi alvo de um debate no congresso e apareceu na capa da Rolling Stone EUA três vezes. O desenho mostrava dois adolescentes idiotas e obcecados por heavy metal e mulheres gostosas. A melhor parte era quando a dupla se sentava em seu sofá esfarrapado, discutindo e deturpando os clipes a que assistiam (Butt-Head falando sobre vídeos que exibem mensagens em texto: “Se eu quisesse ler, teria ido para a escola”).
Judge, que dublava boa parte dos personagens e improvisava muito dos comentários sobre os clipes, estava esgotado quando a série terminou. “O desenho ia ao ar toda noite, o tempo que fosse possível sem ter de fazer uma pausa na produção”, relembra. Assim, depois de fazer o longa-metragem Beavis e Butt-Head Detonam a América, sucesso em 1996, Judge negociou sua liberação da última temporada do programa, mudou-se de volta para Austin, criou a série King of the Hill (O Rei do Pedaço) , que teve 13 temporadas na Fox, e escreveu e dirigiu a comédia cult Como Enlouquecer Seu Chefe (1999). Seu currículo também conta com alguns projetos fracassados, como Idiocracy, filme de 2006. Sentado em uma ilha de edição em Burbank (Califórnia) bebendo uma Dr. Pepper Diet, Judge diz que não consegue distinguir sucessos de fracassos durante a produção: “Quase sempre sinto como se tivesse feito algo horrível”.
De acordo com a MTV Brasil, o público brasileiro não terá de esperar muito para assistir à nova temporada. “Acabamos de comprar os direitos e vamos começar a exibir em janeiro, possivelmente”, falou o diretor de programação do canal, Zico Góes, à Rolling Stone Brasil. “Será legendado, como sempre.” Quanto aos episódios antigos, Góes revela que não há possibilidade alguma de reprises. “Ninguém pode usar mais, por questões de direito autoral. Nem mesmo os gringos. É uma pena, pois são clássicos e seria sensacional.”
Refletindo sobre a influência de Beavis and Butt-Head no canal, Góes crê que o núcleo de humor dos primórdios da MTV Brasil se desenvolveu graças à animação. “Boa parte das coisas que o [ex-VJ] João Gordo fazia eram muito parecidas com o que o Beavis é, na essência”, reflete. “Foi o jeito que a MTV americana inventou para poder meter o pau em videoclipe e fazer uma graça. A gente acabou fazendo isso com o próprio Gordo e o Marcos Mion, no Piores Clipes do Mundo. Eu acho que a sacanagem que Beavis and Butt-Head propõe é tão universal quanto atemporal. Tem uma graça ali com a qual esse novo público [da MTV atual] vai se identificar.”
Depois de um hiato de 14 anos, Judge consegue apreciar melhor Beavis and Butt-Head. “Os personagens se destacam”, analisa. “De algum modo, você consegue tirar mais deles do que colocou na elaboração.” Quando a MTV propôs que ele revivesse o show, Judge concordou, trazendo os rapazes de volta com suas visões inalteradas sobre o mundo. “Houve uma decisão consciente de que ninguém ali devia crescer ou aprender muito”, ele diz. Beavis e Butt-Head ainda vestem suas camisas do Metallica e do AC/DC, embora tenha sido necessário pedir a permissão das bandas desta vez.
A maior mudança aconteceu nos vídeos que a dupla avalia com seus comentários de “isso é foda” ou “isso é uma droga”: agora, em grande parte, são trechos de reality shows como Jersey Shore e Teen Mom. A alteração não se deve às mudanças culturais do mundo do entretenimento, mas por conta de que agora é preciso conseguir permissão prévia para avacalhar um clipe musical. “Antes podíamos fazer o que quiséssemos”, explica Judge, suspirando. “Agora temos de conseguir permissão legal para tudo. Íamos usar um clipe do Kanye West – ele queria, inclusive. Aí alguém que é dono de, tipo, 6% da composição disse ‘não’.”
Questionado se com o passar dos anos sua simpatia mudou de foco, saindo dos protagonistas adolescentes para os adultos cuja vida os dois tornam miserável, Judge sorri. “Quando o programa começou, eu já estava beirando os 30, considerando a ideia de dar aula como professor de matemática”, ele conta. “Por isso, desde o início eu simpatizava com os professores. Mas lembro-me de querer ensinar em uma faculdade pública, porque no ensino médio você precisa lidar com os piores idiotinhas.”