Parte da carreira do lendário guitarrista Pepeu Gomes é revista em discos que estão de volta às lojas
“Pepeu baixou em mim/e me deixou assim”, diz a música da banda carioca Do Amor, com a qual Pepeu Gomes é saudado pelo filho mais novo toda vez que chega em casa. Agora está mais fácil descobrir o fascínio que o guitarrista – que completa 60 anos em fevereiro – exerce na nova geração. A Warner acaba de mandar para as lojas oito dos nove álbuns que ele lançou pela gravadora entre 1979 e 1993, a maioria chegando ao formato CD pela primeira vez. Entre os títulos está o homônimo disco de 1981, conhecido também como Calor Humano, cuja quinta faixa leva o nome de “Do Amor”. A capa foi fotografada na casa de Hebe Camargo. “Aquele sofá em que estou sentado é dela. A gente fez a maior bagunça com as cortinas na sala”, relembra Pepeu.
Outros destaques da coleção (que não foi lançada em uma caixa por causa do alto custo que o produto teria) são Na Terra a Mais de Mil (o segundo solo e o primeiro em que ele se aventura nos vocais) e Ao Vivo (com a apresentação no 14º Festival de Jazz de Montreux). Mas a joia do pacote é o inédito Eu Não Procuro o Som, um registro ao vivo feito no teatro Tereza Raquel e na praça General Osório, ambos no Rio de Janeiro, em 1979. “Pintou a oportunidade de lançarmos o show de Montreux e tivemos de engavetar esse áudio”, conta o músico. “Eu nem me lembrava mais dele. Fiquei emocionado quando a Warner me mostrou as masters.”
Algumas curiosidades do repertório são uma versão de “Mania de Você” (Rita Lee), o número interativo “Chama no Canto” e a divertidíssima “Sonho Alegre” (“Essa noite eu tive um sonho alegre/Eu com Mick Jagger montado num jegue/Na Jamaica, transando um reggae”), lançada por Baby – então Consuelo e mulher de Pepeu – no ano anterior, mas nunca gravada pelo guitarrista.
A se lamentar apenas o fato de não terem sido encontradas imagens da época para ilustrar Eu Não Procuro o Som. Toda a arte do disco foi produzida com fotos atuais, o que pode confundir o consumidor. O disco Moraes e Pepeu, de 1990, também não foi relançado por um vacilo: a Warner perdeu as fitas originais e nenhum fã apareceu com um LP em bom estado para servir de matriz para o CD. Em compensação, o instrumental On the Road (1989), que originalmente trazia seis faixas, agora vem com sete bônus: cinco que ficaram de fora por causa da duração do vinil e duas que Pepeu gravou especialmente para a reedição.
O momento é de celebração para o músico, que diz estar comemorando 40 anos de carreira. Como nos anos 60 ele teve pelo menos três bandas de rock antes de integrar os Novos Baianos e de tocar no espetáculo Barra 69 (a última apresentação de Caetano Veloso e Gilberto Gil antes do exílio), essa efeméride é discutível. Mas Pepeu ignora o número exato e faz planos de gravar um DVD ao vivo executando a obra dos Novos Baianos, de finalizar um disco em Los Angeles destinado ao mercado americano e de registrar seus temas instrumentais com uma orquestra. “Por mim, não tinha nenhum projeto comemorativo. Mas recebo muitas cobranças da minha legião de fãs. Meu público mudou todo. Hoje, quem vai me ver são os filhos das pessoas que curtiam o Geração de Som, que foi o primeiro disco de guitarra solo instrumental do Brasil”, afirma, fazendo referência ao álbum de 1978 que está em poder da Sony, assim como outros dois trabalhos da década de 80, e que também mereceriam um relançamento digno.
Sobre uma nova reunião dos Novos Baianos, Pepeu é cético. “Não vejo acontecendo em um futuro próximo. A gente tem uma facilidade de resgatar nossa intimidade musical em três minutos. Mas a única pessoa da banda com quem tenho um relacionamento sadio é o Moraes [Moreira]. Com os outros foram relacionamentos repletos de inverdades.” Mas o guitarrista fala com muito carinho de Acabou Chorare, eleito pela Rolling Stone como a principal obra da MPB. “É meu disco de cabeceira. Acredita que eu o coloco para rolar e fico tocando por cima?”
Dá para acreditar. O que muita gente não leva fé é que Pepeu quase integrou o Megadeth nos anos 90. Ele garante que um emissário da banda veio dos Estados Unidos e... “O Dave Mustaine ia sair e os outros integrantes me queriam no lugar dele. Mas eu estava fazendo minha independência financeira com ‘Sexy Yemanjá’, que estava na trilha da novela Mulheres de Areia. Fora que eu seria bloqueado no Megadeth. Ia querer mexer nas intros nas levadas de batera... Aquela coisa de Pepeu”, explica. Pouco depois, ele também teria recusado um chamado para substituir Vernon Reid no Living Colour. “Fiquei balançado, mas não compensava abandonar minha família, meu povo, minha legião por isso. E, depois, descobri que o vocalista [Corey Glover] é pernóstico. Como tenho uma personalidade musical muito forte, ia bater de frente com ele.”