No caminho da construção do musical popular brasileiro, estão os teatros lotados de gente que quer é cantar junto
"O Brasil já é o terceiro maior produtor de musicais do mundo”, afirma Luiz Calainho, sócio da Aventura Produções, empresa que já montou no país espetáculos como O Mágico de Oz, A Noviça Rebelde e Hair. Mas a lista de produções, não apenas da empresa, como dos espetáculos atualmente em cartaz, mostra o paradoxo da declaração: apesar do volume de encenações feitas aqui colocar o Brasil em posição de destaque no mercado, a parcela de espetáculos originais, que de fato são criados no país, é bem pequena. E, como boa parte das montagens de clássicos internacionais segue o esquema de franquia – ou seja, são réplicas, e não interpretações de diretores brasileiros –, é inevitável pensar que, talvez, o correto mesmo seja dizer que somos o maior reprodutor de musicais do mundo.
Mas talvez isso esteja começando a mudar. Sucessos brasileiros como os 200 mil espectadores de Tim Maia – Vale Tudo parecem dar o tom dos próximos passos das produtoras. A começar pela Aventura, que em 2013 terá apenas espetáculos nacionais. “Quando a companhia começou, teve um foco Broadway, porque era importante para estabelecer esse segmento no Brasil”, afirma Calainho. Agora, diz ele, o terreno tanto de público quanto de profissionais está sólido para apostar em títulos originais. “Não é que jamais faremos Broadway novamente”, ele explica. Mas, no ano que vem, quem subirá aos palcos serão as produções milionárias Rock in Rio – O Musical (R$ 12 milhões, e já com planos de exportação para a Broadway), a versão musical de Se Eu Fosse Você (R$ 10 milhões), uma biografia de Elis Regina (R$ 4,5 milhões) e Tudo por um Popstar, adaptação da obra teen de Thalita Rebouças. A produtora Chaim, responsável por Tim Maia e agora em união com a XYZ, prepara, também para 2013, Cazuza – O Tempo Não Para.
Ou seja, nacionais, sim. Mas só espetáculos baseados em marcas fortes e nomes reconhecíveis; nenhum com repertório original. Rock in Rio, fruto do encontro entre os empresários Roberto Medina e Luiz Calainho, com direção de João Fonseca, o mesmo de Tim Maia, e texto do premiado Rodrigo Nogueira, será embalado por uma seleção de sucessos de estrelas que já se apresentaram no festival, como Gilberto Gil, Coldplay, Shakira e Elton John. Tudo por um Popstar, por sua vez, pretende atrair o público jovem, trocando a orquestra por uma banda. “Com certeza é para cantar junto”, diz Pedro Vasconcelos, diretor de Tudo por um Popstar, que terá canções de Elton John, Madonna e NXZero. “Tem alguns momentos em que você acha que está em um show de rock.”
Com espetáculos só de hits que já existem, dá para dizer que estamos construindo algo? “Essa é uma primeira fase, na qual a gente vai em cima de títulos reconhecíveis”, afirma Calainho. “Mas, na sequência, a ideia é construir títulos, tirar do zero mesmo. Estamos sedimentando um conteúdo
musical.” O movimento não é inédito. Logo antes de a Broadway abrir caminho entre os brasileiros, a partir da estreia de Les Misérables, em 2001, o terreno foi preparado com uma década de espetáculos biográficos. Ou seja, o mercado deu uma pirueta completa, e inegavelmente cresceu. Mas o público continua buscando hits e nomes conhecidos. “Acho que é uma educação mesmo”, diz João Fonseca, diretor de Rock in Rio, Cazuza e Tim Maia. “Daqui a pouco vão ter prazer em assistir a um musical que não conheçam as músicas. Não vai ser necessário já ter esse afeto. Mas leva um tempo.”
O diretor Charles Möeller, no entanto, faz parte de uma corrente que acha que essa tendência não ajuda a construir uma cultura de público. “É uma grande picaretagem de gente que está querendo plateia lotada”, diz. A dupla Möeller & Botelho, maior expoente do musical nacional, deixou a produtora Aventura após desavenças que culminaram exatamente na discordância quanto a Rock in Rio. Antes, foram responsáveis por duas décadas de musicais brasileiros, seja com texto e músicas nacionais ou internacionais, já que uma de suas bandeiras sempre foi a adaptação das peças, evitando as franquias. Hoje, está em cartaz com Milton Nascimento – Nada Será como Antes, e prepara Orfeu Negro para a Broadway.
A diferença de suas montagens, Möeller garante, é o tratamento artístico. “A gente fez uma carpintaria e pegou pérolas que nem o Milton lembrava, como ‘País do Futebol’. Fazer Vinicius tocando ‘Garota de Ipanema’ é muito fácil, eu ia ficar milionário. Mas não faço isso”, explica. “As pessoas hoje são muito caras de pau; pegam qualquer imitador de festinha e fazem virar estrela. O Nelson Motta me chamou para fazer a vida das Frenéticas, falei que não faço. Só se for o Dancin’ Days. Não vou chamar uma gordinha pra imitar a Leiloca. Isso não é teatro, é festa de criança”, reclama, complementando com uma crítica ao estado atual e futuro do mercado. “A minha tristeza é que eu não vejo meus colegas pensando numa formação de plateia. É empáfia dizer que estão fazendo teatro musical brasileiro. Ninguém está modificando nada.”