Natasha Khan fala sobre fadas, a experiência como professora do jardim de infância e a parceria com Scott Walker
Natasha Khan - ou Bat for Lashes - esteve no Brasil em março para abrir os shows do Coldplay no país. A cantora conversou com a Rolling Stone Brasil pouco antes de subir ao palco em São Paulo.
Você tem planos de voltar para o Brasil fazendo sua própria turnê?
Com certeza. Espero que possa voltar, talvez no próximo álbum. Eu senti uma ligação boa com o país e com o público.
Por que você decidiu usar o nome Bat For Lashes?
Na verdade, Bat For Lashes não significa nada. É só um amontoado de palavras que soam como a música para mim. É algo energético, que envolve morcegos, noite e uma coisa meio mágica. Acho que a música soa dessa mesma forma. Então não significa exatamente uma coisa, sabe?
Você estudou arte visual na faculdade. Seu trabalho tem alguma influência das artes visuais?
Sim, bastante. Eu fiz o design da capa do meu álbum, as ilustrações de singles e a arte do site. Quando criamos videoclipes, eu colaboro com os diretores. Nós falamos de influências e referências de filmes, fotógrafos ou artistas que eu gosto. Eu adoro e uso muito isso como inspiração na minha música.
Como é esse processo de criação do clipe? Tem muito de você neles?
Nossa, demais. Em cada música eu tenho uma ideia visual, então faço uma pequena descrição. Depois, converso com diferentes diretores e com quem pode colaborar, que tenha boas ideias para somar às minhas. Por exemplo, no clipe com as bikes ["What's a Girl To Do?", do álbum Fur And Gold, de 2006], eu busquei inspiração em filmes oitentistas infantis, como The Goonies, e fiz muitas ilustrações de animais. O diretor gostou e disse que deveríamos usar animais como os do meu desenho. E acabamos usando!
Seu trabalho tem alguma relação com contos de fadas? Por causa desses elementos mágicos que você usa...
Com certeza! Eu faço muita pesquisa sobre contos de fadas, metáforas e significados por trás de todas essas histórias de contos populares e mitos. E busco histórias de diferentes partes do mundo, tipo história pagã da Inglaterra e contos populares do Paquistão. Tudo isso é interessante pra mim. Leio bastante desde criança.
Isso tem alguma relação com o fato de você ter sido professora do jardim de infância?
(Risos) Provavelmente. Nunca pensei sobre isso. Eu sempre amei crianças e a questão da imaginação delas ser extensa e livre. Me tornar professora de criança foi uma coisa que aconteceu muito naturalmente, era algo que eu sabia que iria gostar e me dar bem.
Mas ao mesmo tempo a sua música tem um lado "negro", sombrio...
Sim, é verdade. Tudo é claro e escuro ao mesmo tempo. Eu acho que não tem como você ser só uma coisa. E sim, tem um lado sombrio, escuro, de sentimentos, emoções e uma mistura de dia e noite, sol e lua...
A concepção do álbum Two Suns tem a ver com isso?
Sim. È baseada justamente em opostos, dois lados: amantes, claro e escuro, sol e lua. É como uma jornada do claro para o escuro, de tentar encontrar a alegria e os caminhos para casa, então tem diferentes pontos de fuga, tipo o deserto, a cidade, sentimentos conflitantes.
É verdade que você colocou duas personalidades suas nesta concepção, Natasha e Pearl, seu alter-ego?
Sim, isso foi um projeto que eu criei. Eu adoro fotógrafas como Diane Arbus e Cindy Sherman, famosas por tirar fotos de drag-queens e transexuais, pessoas alternativas doidas em baladas e lugares estranhos. Então eu criei meu próprio personagem. Eu me visto de loira, com batom vermelho, bastante maquiagem, para mudar minha identidade e ter uma personalidade voltada mais para Nova York, mas mais para o lado sombrio e angustiante de NY, da indústria mesmo. É como um projeto de fotografia.
Como conseguimos identificar cada uma no álbum ou no seu trabalho?
Eu acho que não é tão claro assim, tipo "preto no branco". Acho que todos nós somos um pouco de cada coisa, então não dá para separar cada detalhe. Acho que muita gente usa essa questão de duas personalidades pensando no marketing, sabe? Do tipo: essa é a Natasha e essa é a Pearl e blá-blá-blá cheio de definições. Eu acho que não é assim. Para mim, esta questão está mesclada o tempo todo, há uma dança entre essas duas personalidades.
Você possui algo da personalidade de Pearl em você?
Eu acho que todo mundo tem! Você tem? (Risos) Tenho certeza que sim. Você tem um sorriso meigo, mas deve ter o seu lado malévolo, bravo, solitário. Acho que todo mundo tem esses dois lados dentro de si, é a vida!
Como é a personalidade de Pearl?
Ela é uma pessoa perdida no mundo, que gosta de viver ilusões, ficar bêbada e doida. Ela tem uma natureza destrutiva mesmo, é muito sozinha, meio viciada em sofrer, magoar o coração, voltada ao drama, uma coisa meio teatral. Acho que ela representa bastante nossa cultura, que às vezes é obsessiva com más noticias e tragédias, o que eu acho que impede as pessoas de viverem em paz. Mas, ao mesmo tempo, com o drama vem a beleza, o entusiasmo, a sexualidade, o lado misterioso e sombrio, que são muito atraentes também.
Scott Walker participou do seu álbum, na música "The Big Sleep" - e ele dificilmente aparece fazendo parcerias musicais com outros artistas. Como você conseguiu isso?
Eu apenas mandei a música para ele. Quando escrevi, fiz pensando na voz dele cantando comigo ou sozinho. Eu tentei cantar com o tom da minha voz mais grave, mas não deu certo, então mandei despretensiosa a música para ele por e-mail. Disse para ele ouvir, falei qual era a ideia da letra. Então ele escreveu de volta concordando em colaborar. Não nos conhecemos pessoalmente, na verdade nos falamos por e-mail e ele enviou a música de volta, dizendo que era um presente para mim. Foi legal porque sei que ele é tímido e introspectivo, não queria ser do tipo chata e deslumbrada. (Risos) Pensei que a gente podia simplesmente trocar essas criações sinceras. E deu certo, ficou lindo!
O que ele disse pra você?
Ele me fez algumas perguntas e disse que queria cantar bem e entrar no personagem, para dar certo. Ele disse que esperava que eu gostasse e coisas do tipo.
Qual é a sua ligação com o Paquistão?
Eu nasci na Inglaterra. Minha mãe é da Inglaterra e meu pai do Paquistão. Quando eu nasci, eles já tinham decidido ficar na Inglaterra, mas eu passava vários feriados no Paquistão para visitar a parte da minha família que é de lá. Mas eu cresci no interior da Inglaterra.