Espécie rara no humor brasileiro, Fábio Porchat não faz piadas inofensivas – e ainda assim se esquiva de confusão
Um homem de cabelos brancos, acompanhado de uma senhora de muletas, para diante de uma imagem de alguns metros de altura do humorista Fábio Porchat, na entrada do Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Esperando a chance de esbarrar com Porchat e tirar uma foto ao lado dele após mais uma apresentação de Fora do Normal, espetáculo de stand-up do ator e roteirista, o casal não hesita em garantir um clique com o retrato colado em uma parede. Na falta do original, a réplica serve. Naquela sexta-feira à noite, em pleno verão carioca, o Baixo Gávea fervilha a cinco minutos a pé dali. Famílias se esbaldam de rir durante o show que Porchat apresenta em dois espaços diferentes. Na Gávea, a sessão começa às 21h. Lá, o tal senhor de cabeça branca e a dona das muletas se perdem no meio da plateia, composta, estranhamente, por pais, mães e filhos. E muitos, mas muitos avôs e avós.
Enquanto boa parte dos comediantes faz questão de polemizar a troco de nada – ou de milhares de retweets, o que, na maioria dos casos, pode significar a mesma coisa –, Fábio Porchat prefere caminhar pelo limite do riso socialmente aceitável. De Havaianas (declaração internacional de carioquice, reconhecida em qualquer lugar do mundo) e suspensórios caídos dos ombros, o comediante de 29 anos faz troça de gordos, idosos, mulheres, habitantes do Acre e dele mesmo. Uma dose mínima de escatologia, o suficiente para provocar o riso sem chocar o público, acompanha a mistura, bem como alguns palavrões pouco escabrosos.
Em São Paulo, onde morou até os 18, 19 anos, o carioca Porchat poderia ser apontado como um sujeito “coxinha” – o que o pobre e apetitoso salgado tem a ver com esse tipo de insulto, nós, nativos do Rio, jamais entenderemos. Por aqui, o comediante é o “amigo dos amigos”, aquele cara que circula em todas as rodas. Que fala “Vamos marcar!”, e, bizarramente (ao menos para os padrões da cidade), marca mesmo. Principalmente o que diz respeito a trabalho. Além de estar em cartaz com Fora do Normal de quinta a domingo, se dividindo entre o Shopping da Gávea e o Norte Shopping, no subúrbio carioca, ele é redator do Esquenta!, dominical comandado por Regina Casé na TV Globo – e esteve no time do cancelado Junto e Misturado, capitaneado por Bruno Mazzeo. Também estrelou a série O Passado Me Condena, exibida pelo Multishow. Ainda participou, como ator, do seriado global A Grande Família. Rodou até o fim de janeiro o filme Concurso Público, e agora se prepara para lançar e estrelar outros longas-metragens. Por fim, está por trás – e pela frente, já que também bota a cara diante das câmeras – de um dos grandes cases de sucesso na internet nos últimos tempos: o canal de humor Porta dos Fundos, que, com dois vídeos semanais, já passou da casa dos 30 milhões de views no YouTube.
Online, as piadas de Porchat ganham peso: seja no tema – vide a esquete em que ele seleciona, por engano, homens negros para tomar parte de um grupo inspirado na Ku Klux Klan – , seja na sátira cruel do cotidiano, como a febre das latas de Coca-Cola estampadas com nomes próprios. “Nome bosta não tem”, afirma Porchat, com naturalidade. A fabricante respondeu no Facebook com bom humor (e duas latinhas virtuais com os tais “nomes bostas”). O fast-food Spoleto foi a primeira companhia a se render ao humor nonsense da trupe, que ainda agrega nomes de destaque como Gregório Duvivier e Clarice Falcão.
“Todas as emissoras pediram o Porta dos Fundos”, explica Porchat. “Mas isso não é um trampolim para a TV. Na internet, tem muito humor para adolescente. E nosso público é de 25 a 50 anos. Pegamos um filão que estava carente.” Hoje, além de criações originais para o canal, eles ainda produzem conteúdo exclusivo no mesmo formato para empresas, como a Fiat.
“Falo o que acho que tenho de falar. Mas gosto de ser boa-praça, de estar bem com todo mundo. Sou em cima do muro mesmo. Como a água que se adapta ao formato do vaso”, ele admite, com manchas de suor na camisa e respingos no cabelo impecavelmente penteado com gel e finalizado com um topete. É uma quarta-feira quente e típica no Rio. Ao lado de um ponto turístico da cidade – a escadaria Selarón, na Lapa – , Porchat é dirigido por Pedro Vasconcellos. As filmagens de Concurso Público começaram às 19h, e o ator veio do Projac em seu próprio carro, depois de passar a tarde nas gravações do Esquenta! Já são 22h, e as cenas devem entrar pela madrugada. O personagem dele é um jovem advogado que, como o título do longa indica, prepara-se para um concurso público – e o ator é a estrela absoluta nas redondezas. Entre um e outro jovem traficante que passa (a via é um conhecido ponto de venda de drogas) frente ao hotel que serve de cenário para a trama, aparecem curiosos, turistas estrangeiros e fãs. No prédio ao lado, Sabrina Sato aguarda a hora de entrar em cena, em trajes reveladores. A despeito disso, toda a atenção das ruas é direcionada a Fábio Porchat.
“Mas por que você quer tirar foto comigo se você nem sabe quem eu sou? Meu nome é Fábio, prazer”, diz ele, em inglês, respondendo ao pedido de uma francesa que queria ser clicada ao lado dele. “Because you’re a star!”, ela responde, tentando sensibilizá-lo. (E consegue.) Já outra fã, moradora de São Gonçalo, aguarda a chance de fazer uma proposta indecente: ela tinha uma história pronta e gostaria que Porchat a protagonizasse. O suposto projeto teria uma pegada “meio ‘Crepúsculo’”, ela define. “Um vampiro. Você tem cara de vampiro tarado”, explica a moça. “Mas isso é meio Zorra Total!”, exclama Porchat.
“O mendigo te abraçar faz parte do pacote”, Porchat diz, saindo do hotel em direção ao prédio onde o jantar será servido à equipe. “Você já viu agarrarem o Tony Ramos na rua? Mas com o [ator e comediante] Leandro Hassum só faltam sentar no colo”, observa. “Só que eu adoro gente maluca”, completa, após dar poucas garfadas em uma salada e de se frustrar ao pescar um pedaço de abóbora, pensando ser cenoura. “Gente maluca é inteligente. Gosto de puxar papo. Quando o tema é religião, então, dou mais corda. Taxista reacionário? Também. Gosto de intriga.”
Naquela noite, Fábio Porchat está gripado. Se não falasse, ninguém saberia. Falar, aliás, é uma das coisas de que ele mais gosta de fazer. Na verdade, acredita que é isso que as pessoas esperam dele. Despeja frases rapidamente, vai da infância à idade adulta em segundos, e provavelmente resumiria bem sua trajetória em 140 caracteres. Verbais. Não bebe energético, senão não dorme “nunca mais”; prefere gravações noturnas; quando criança, pegava no sono à 1h da manhã; também adorava receber os amigos dos pais em casa, dando uma de anfitrião juvenil. Se pudesse escolher uma só atividade profissional, optaria pelo teatro: “É um teste de ansiedade e autocontrole”, explica, com a direção de peças como Velha É a Mãe no currículo. Diz que é controlador, mas, quando o programa já está decidido, tanto faz o lugar do jantar. Não gosta de depender de ninguém: prefere ir dirigindo o próprio carro em vez de esperar a van da produção – seja qual for a produção. “Sou um cara ‘esquemático’”, justifica-se. Se não tem lugar na ponte aérea, encara seis horas de ônibus sem grande estresse. Também circula pelo Rio de metrô, e pode ser visto com frequência, segundo o próprio, nos arredores da estação General Osório, em Ipanema. Travessias intermunicipais e viagens em meios de transporte público, por sinal, fazem parte de seu repertório de piadas de palco, assim como o serviço (ou a falta dele) de operadoras de telefonia celular e TV a cabo. Classe média sofre – e alguém precisa fazer com que ela ria de seus próprios dramas cotidianos.
Mas a expectativa alheia não o incomoda. Nem a pecha de humorista bonzinho. “Sou o que as pessoas esperam. Nunca fui muito criticado. Ninguém nunca acabou comigo, e claro que fico felicíssimo com isso. Mas sei que um dia vão cair de pau em mim, e vou ter que ter estofo para aguentar.” Ele mesmo aponta sua maior polêmica até hoje: no Twitter, disse que não acreditava em Deus. Fim. “Não entro em briga”, diz. “Se esse é o meu assunto mais polêmico, está até bom. Faço milhões de piadas e nunca fui processado. Acham que processo faz bem para o comediante, né?”
Ex-estudante de administração e marketing na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em São Paulo, casado há dois anos (depois de outros seis de namoro) com a também atriz Patricia Vazquez, Porchat usa a vida conjugal como mote para piadas no palco. Conta da ida do casal ao Marrocos e ao Egito, fala da passagem pelo Japão, explica que trabalha para poder viver esses momentos. O gosto por viagens rendeu a eles uma nova atração no Multishow, ainda sem previsão de estreia. Diz dormir pouco. A mulher, ele jura, entende a rotina. No dia seguinte, o casal ainda faria fotos em casa para uma revista de celebridades. Em um primeiro momento, ele achou estranho. Mas refletiu e concluiu que, não sendo “dentro da banheira, comendo uvas”, tudo bem.
Sem polêmicas, brigas, problemas com fotógrafos, colegas ou qualquer outra viva alma... Não há nada que irrite esse sujeito? “O único lugar onde fico possesso é no trânsito. Não entendo o trânsito no Rio. Ainda bem que não tenho uma arma, senão já teria matado alguém”, afirma. “Sou do tipo que grita, que leva uma fechada e para no acostamento. No trânsito eu extravaso.” Porchat também odeia que pensem que ele é babaca. Ele é boa-praça, lembra? Contextualizando: dia desses, ele andava pelas ruas do Rio cantando, rindo sozinho. No Twitter, praça pública da internet, alguém jogou a primeira pedra na Geni: “Olha lá o Porchat, fazendo de tudo para aparecer, chamar a atenção”, ou algo assim, porque ele diz que nem lembra mais, que não responde a esse tipo de comentário. Mas, de alguma forma, o ataque lhe doeu. E provavelmente foi abordado em uma de suas sessões de análise.
“Odeio parecer babaca ou que achem que gosto de aparecer. Não quero estar nos holofotes sempre. Será que acham que quero chamar a atenção sempre? Fico com medo de não poder ser quem sou”, ele explica. O temor vem junto com outro pequeno pânico, o de não ter mais trabalho aos 60 anos. Ele reconhece que, hoje, não é mais um jovem talento do humor. Beirando os 30, diz perceber uma mudança nas manchetes: agora, ele diz, é “só um cara que faz humor”. A palavra “jovem” foi abolida do vocabulário, pelo menos no que se refere a ele. “Quando acaba o momento, você não é mais novidade. Meu medo é não me manter. Outro dia estava pensando que, quando estiver com 60, não vai ter filme para eu fazer. Tem gente que guarda dinheiro; acho que vou botar uns textos na poupança, para atuar quando tiver essa idade”, cogita.
Assim como os tais nomes ausentes nas latas de Coca-Cola, esse parece um medo bosta. No fim do espetáculo no shopping, o atacante Fred, do Fluminense, sai do teatro com uma camiseta da apresentação na mão. Depois, duas moças simpáticas abordam o comediante para contar que são do Acre, estado sempre massacrado nas piadas do show. Em seguida, aproximam-se uns garotos de 12 anos. “Vou voltar no domingo”, promete um deles. Já na escada rolante, o garoto pergunta, hesitante, qual o time do ator. Ao ouvir a resposta que esperava – “Vasco da Gama!” –, o menino abre um sorriso. Fábio Porchat cativou mais um.