Ressacas emotivas, decepções amorosas, compras descontroladas: a complicada vida da líder do Florence + The Machine
Em uma tarde de outono, Florence Welch corre para a cozinha de um restaurante no centro de Nova York para pedir vinho tinto. “Esperei por isso o dia todo”, diz ela, envolvendo suas delicadas mãos no cabo da taça. Sua aparência denota dignidade e ordem, como uma eficiente balconista de livraria: seu cabelo, da mesma cor da luz de freio de um carro, está amarrado para trás em um coque meio frouxo, e ela veste uma blusa vintage bem passada por baixo de um quimono preto. Logo, entretanto, ela mergulha a cabeça nas mãos. “Meu Deus, cantei no bar de um hotel na noite passada, e a única coisa de que me lembro depois é de estar em uma banheira redonda no meio do quarto de alguém”, ela geme. “Não havia água dentro, mas fiquei lá por um tempo: ‘Ok, é aqui que vou ficar pelas próximas horas’.” Ela massageia as têmporas. “Acho que bebi umas 17 vodcas martíni.”
Isso não é algo necessariamente fora do padrão para a britânica Florence, 25 anos, que nos últimos anos se tornou uma espécie de Björk para a geração Crepúsculo. Até mesmo Beyoncé é fã, e declarou que 4, seu álbum mais recente, tem influência da música de Florence Welch. “Amo esse disco”, diz Florence. “Tenho escutado, tentando descobrir onde está a influência que ela citou – talvez nesse trecho de guitarra?”
No palco – junto com outros nove músicos (incluindo uma harpista e três vocalistas de apoio) que formam o Florence + the Machine (que fará três shows no Brasil em janeiro) – ela projeta a persona de uma heroína romântica, elegante e etérea. Ela canta sobre amores condenados e a beleza da morte, evocando os mesmos contos mórbidos que a fascinaram nos tempos de escola (ela adorava os afrescos de Medici de Santa Ágata, com os seios cortados, ou mitos gregos violentos, como o de Prometeus tendo o fígado comido). No novo disco, Ceremonials, o drama de seu primeiro trabalho, Lungs, é intensificado com guitarras mais pesadas e imagens que explicitamente comparam suicídio ao ato de se apaixonar, enquanto ela fala dos prazeres que Virginia Woolf experimentou quando se matou colocando pedras nos bolsos e se jogando em águas profundas.
Durante seu tempo livre, Florence parece ser muito mais otimista, embora ainda seja uma figura complicada, carregada de emoções que vão de felicidade e autodesaprovação ao ultrassentimental choroso e à ansiedade sobre o tempo que leva para terminar de beber uma taça de vinho. Enquanto ela pede algumas “coisinhas” (azeitonas, aperitivos de espinafre e uma salada de couve), relembra mais coisas sobre a noite passada, que culminou na perda do telefone celular e na queda de uma obturação ao comer um salgadinho de vegetais; ela também quase incendiou seu quarto, no Bowery Hotel, depois de esquecer uma vela acesa em uma mesinha. “Definitivamente, chorei igual a uma bêbada na noite passada – aquele choro em que você não chora para valer, não é nem choro de verdade, e você fica o menos atraente possível”, diz. “É nessa hora que você precisa que sua melhor amiga dê uma força e diga: ‘Tá tudo bem agora!’”
Este comportamento pode ser atribuído ao fim recente de um namoro de quatro anos com um editor de revistas britânico – quando o nome dele surge na conversa, os olhos de Florence se enchem d’água – ou simplesmente ao modo de vida inerente às turnês e suas dificuldades, embora ela diga que não bebeu nada quando abriu para o U2 no meio do ano. “Naquela turnê, foi como ser um gladiador se apresentando no Coliseu, e eu precisava de toda a minha energia”, ela afirma. Desde que encontrou o sucesso nos últimos três anos, Florence Welch tem caído na estrada quase todos os meses. No meio deste furacão, ela ainda não encontrou tempo para se mudar da casa da mãe, em Londres – e ainda dorme no mesmo quarto que ocupa desde os 13 anos de idade. “Simplesmente não tive tempo”, ela reflete, então faz uma pausa. “Se eu morrer ainda morando na casa da minha mãe, vai ser terrível.”
Quando criança, Florence, a mais velha de três irmãs, diz que se sentia “atraída pelas cantoras de coração partido”. “Quando eu tinha 10 anos, colocava os vestidos de noite da minha mãe, com uma taça de vinho cheia de suco de laranja, cantando junto com Billie Holiday”, ela relembra. As primeiras músicas que compôs eram sobre fim de relacionamento – “Coisas como ‘Esta foi a última coisa que ele me deu, uma rosa na mesa, e está morta… O quadro no corredor caiu no chão, e está morto”’, conta. “E obviamente nada disso havia acontecido ainda.” Como bem cabe à maioria das garotas exageradamente dramáticas, Florence sonhou em atuar na Broadway e constantemente testava a paciência dos pais por ingressos para ver Starlight Express ou Chicago. “Sabe como a maioria dos moleques são desesperados para ir a shows quando chegam à adolescência?”, ela pergunta. “Bem, eu era louca para ir aos musicais.”
Florence escreveu peças em seu beliche, elaborando cenários imaginários que frequentemente envolviam superpoderes. “Passei um tempão tentando pular da cama de cima do meu beliche com um guarda-chuva, como Mary Poppins”, lembra. Ela também brincava com três crianças que moravam na mesma rua. “Éramos melhores amigos, e magos.” Quando tinha 11, sua mãe, uma professora de arte renascentista, trocou seu pai pelo pai de outra família. “Foi bem traumático. Mudamos todos para a mesma casa. Achávamos que eles eram uns chatos, e eles achavam que éramos ladrões malucos. Mas posso dizer hoje que isso me ajudou a aprender a lidar com as coisas, por isso agora consigo lidar com qualquer pessoa, de verdade.”
Em sua nova casa, os gostos musicais de Florence rapidamente evoluíram de Spice Girls (“Eu queria ser a Posh”) para rock grunge e Green Day. Ela começou uma irmandade com as amigas, escrevendo suas magias em cadernos, e a usar vestidos de cor roxa e batom preto, “uma mistura de As Patricinhas de Beverly Hills e Jovens Bruxas”. Alguns anos depois, passou a gostar de Lauryn Hill e Wu-Tang Clan (“Eu era uma promíscua musical”, diz ela), e depois de garage rock.
Aos 18, Florence se apaixonou pela primeira vez, pelo guitarrista de uma banda “de rock tradicional, meio Libertines, meio Stones”. “Ninguém na escola queria namorar comigo, por isso virei de ponta-cabeça quando finalmente rolou”, ela conta. “Ele me deixou completamente louca.” Frequentando a escola de arte (“Fiz um monte de desenhos vomitando tudo o que eu sentia ou desenhando a mim mesma como uma árvore, me lamentando”), ela foi a todos os shows do namorado, largando as aulas para trabalhar como bartender em um pub para “estudantes de arte e pacientes mentais”. Ela também começou a apresentar ao vivo algumas músicas compostas por ela mesma, como “Kiss with a Fist”, em festas em porões e noites em que calouros podiam se apresentar livremente. “Eu não chamaria aquilo de show – era mais como: ‘Tenho um microfone, vou gritar nele, são 3 da manhã, está tudo embrulhado em plástico bolha…”
Mas a transformação de namorada negligenciada para estrela mundial não estava muito distante quando Florence começou a colaborar com Isabella Summers, uma produtora que, quando adolescente, costumava ficar como babá do primo de Florence. Quando as duas voltaram a se encontrar, diz Isabella, Florence se vestia em um estilo que era “metade garota do hip-hop, usando a parte de cima de um biquíni dourado com short jeans branco, metade Pippi Longstocking com meias coloridas e vestidos surrados”. Elas se deram bem instantaneamente, embora o método de composição delas fosse pouco convencional. Para “Dog Days are Over”, elas se trancaram em um estúdio, ficaram em pé em cadeiras e ouviram “Like a Prayer” no volume máximo, fizeram barulhos de harpa com teclados e gravaram ruídos de radiadores para utilizar como batidas de bateria. “Costumávamos tentar compor uma música de sucesso em apenas meia hora, do zero”, conta Isabella.
Poucos anos mais tarde, Florence conheceu Mairead Nash, uma das metades de uma dupla feminina de DJs bem conectada na cena de Londres (ela detém o crédito de ter apelidado Pete Doherty de “Babyshambles”), no banheiro de uma casa noturna. Depois de Florence cantar uma versão bêbada de “Something’s Got a Hold on Me”, de Etta James, Mairead conseguiu para ela um show em uma festa de Natal. A partir daí, foi um pulo “dos banheiros de balada para as premiações britânicas”, disse Florence certa vez. O que seu antigo namorado e seus amigos da faculdade de arte acham do estouro de sua carreira? “Fico imaginando”, ela diz, olhando para o alto com um sorriso. “Não sei.”
Em 2008, depois que ela passou um ano tocando em pequenos clubes em Londres, seus empresários a mandaram para o badalado festival SXSW (em Austin, Texas), onde ela fez um badalado show visto por Andrew Van Wyngarden e Ben Goldwasser, do duo MGMT. Eles a chamaram para abrir os shows deles na turnê europeia do grupo, pagando 30 euros por apresentação – “exatamente o suficiente para que eu e meus outros três parceiros da banda dividíssemos e comprássemos bebida”, ela diz. “Andrew e eu trocávamos roupas um com o outro. Tenho uma roupa colante verde-limão dele, com um decote que vai até o umbigo, que usei em um festival.” Seu cabelo ainda preservava seu castanho natural, mas uma noite ela e Andrew foram procurar um salão de cabeleireiros chamado Rock Hair, em Paris. “Eu não tinha dormido, tinha só tomado Valium e vinho tinto, e ele queria um mullet”, ela conta. “Tingi meu cabelo de ruivo com uma franja cheia e reta. Um tempo depois tentei fazê-lo voltar ao castanho, mas não deu. Meu verdadeiro eu se recusou a voltar para fora.”
Neste traje, como uma heroína ruiva pré-Rafaelita, Florence pode cantar sobre o prazer de se render, de cortejar a morte. Mas, fora do palco, ela diz que “tem pavor da morte”. Faz uma pausa. “Há muita coisa celestial, infernal, pagã e reverencial na minha música, mas a verdade é que eu acho que a morte provavelmente significa o nada infinito, desaparecer no vazio. E não quero isso. O mundo é tão emocionante e vibrante.”
Depois do jantar de vegetais com vinho tinto, Florence foi dormir cedo. “Assisti a uns filmes românticos com uma amiga, e choramingamos uma para a outra, ‘Nunca vamos nos casar!’”, conta, emendando que se sente muito culpada por não estar no caminho de casar e ter filhos, e por não saber se deseja um modo mais tradicional de vida. “Por mais desorganizada que eu seja, o fato é que sou virginiana, e sou totalmente perfeccionista quanto ao meu trabalho”, revela. “Acho que muitas das minhas canções lidam com um problema muito feminino, de querer ser perfeita e ainda assim se sentir culpada o tempo todo porque é um objetivo que você nunca consegue alcançar. Por isso meu lado criança diz: ‘Foda-se, não importa, saia por três dias, você não vai conseguir fazer tudo mesmo’.” Ela suspira. “A verdade é que, por mais que odeie ressacas, há algo de especial nelas. Você tem que fazer um show, uma tatuagem, ficar bêbada de novo ou compor uma música – essa é a melhor cura. Ressacas são quase o estado perfeito para ser criativa, porque você não está totalmente acordada, nada parece real.”
No dia seguinte, no começo da tarde, Florence passa um tempo dobrando suas roupas – “Agora que estou solteira, se me deixarem no meu canto, sou capaz de passar horas arrumando minhas coisas”. Então ela sai para dar uma olhada nos brechós dos arredores de Chelsea, em Manhattan, depois que sua assistente traz uma massa para seu dente (“Obturações caseiras, toda a diversão de se excursionar com Florence Welch”, ela brinca, bem-humorada, colocando a mão na bochecha). Ela diz que não se importa de ter perdido o celular: “Acho que é bom perder as coisas de vez em quando. Porque, se você encontrar, quase vale a pena, só pela sensação. E, se você nunca perdeu nada, nunca vai saber como é sentir isso”. Sentimentos profundos, seja a transcendência de assistir ao nascer do sol, seja terminar outra garrafa de vinho, são o que Florence procura, incluindo aqueles que vêm do amor. “É um sentimento doentio e não dos mais legais, de estar doente e louca, e meio alucinada. Espero que um dia eu possa chegar a um estágio em que eu me sinta confortável com a solidez disso. O fato de eu estar solteira agora – bem, não faz tanto tempo assim, e não sei como me sinto a respeito disso ainda.”
No brechó, Florence anda lentamente entre os cubículos cheios de roupas e joias, com a atitude disciplinada de uma compradora profissional. Ela pensa em comprar chapéus e vestidos, sempre com a dúvida na cabeça: “Isso me deixa cool ou faz com que eu me pareça com a Maid Marian de Robin Hood? É uma linha muito tênue”. Depois de uma hora, decide comprar um chapéu coco com uma pena em cima. “Estou passando por uma fase obsessiva pela cor vinho”, ela diz. “Sempre me sinto atraída por uma cor, e essa coisa de ‘isso combina com isso aqui’, e então acordo um dia e olho para o meu armário e penso: ‘Ah, não, fiz de novo!’”
Ela vasculha sua carteira, mas parece que não trouxe dinheiro. “Não consigo lidar com meus cartões do banco, por isso estou sempre tentando comprar fiado ou pegando emprestado dos amigos”, conta. Um membro de sua comitiva para em um caixa eletrônico antes que ela vá até o centro, até um restaurante descolado chamado Freeman’s. Do lado de fora do lugar, ela passa a mão na parede, onde está grafitada a frase “there’s all that is”(“é tudo o que há”). “Gosto quando os restaurantes a que vou têm versos do Strokes.”
Florence Welch tem um voo marcado para Londres às 5 da manhã e decidiu que vai voltar cedo para o hotel para descansar. Então, de repente ela encontra um amigo platônico, que abraça efusivamente. “Caramba”, ela diz a ele. “Eu estava pensando que hoje eu não ia sair e encher a cara – mas agora, acho que posso até mudar de ideia!”