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Caçador de emoções

Ignorando obstáculos, Fernando Fernandes prossegue na arriscada busca pela superação das próprias limitações

Pablo Miyazawa Publicado em 06/08/2013, às 13h30 - Atualizado em 30/08/2013, às 14h55

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<B>ILUMINADO</B> Fernandes, à beira do rio Araguari, no Amapá: quanto mais difícil, melhor - Henrique Likoska
<B>ILUMINADO</B> Fernandes, à beira do rio Araguari, no Amapá: quanto mais difícil, melhor - Henrique Likoska

“O caiaque hoje é a minha perna. Para onde posso ir? Ele me faz ir. Ele me coloca aonde eu não poderia chegar.” Firmes como um slogan publicitário e hipnotizantes como um mantra, as palavras de Fernando Fernandes são repetidas há anos em palestras motivacionais, entrevistas e para quem mais quiser ouvir. Foi em dezembro de 2009, menos de seis meses após ter sofrido um acidente de carro que o deixou paraplégico, que ele encontrou a vocação para a para canoagem – modalidade esportiva com foco em velocidade, executada por indivíduos com deficiência.

É uma impressionante saga com requintes cinematográficos e episódios que levam ao pé da letra o tão manjado conceito de superação. Ex-modelo internacional (posou para a grife Dolce & Gabbana, ao lado das top models Naomi Cambell, Claudia Schiffer e Eva Herzigova), ex-astro de reality show (participou da edição 2 do Big Brother Brasil), personagem frequente dos sites e revistas de celebridades, Fernandes buscou na atividade uma forma de terapia e uma válvula de escape para a letargia e para o desespero pós-lesão. Acabou indo além: oito meses após embarcar em um caiaque adaptado pela primeira vez, ele venceu o título mundial da categoria, feito que se repetiu duas vezes mais (e que ele espera conquistar novamente este ano, na Alemanha, no fim de agosto).

Porta-voz ativo da inclusão de deficientes pelo esporte, Fernandes, 32, se orgulha da trajetória de vida, tão impressionante quanto as proezas que se acostumou a realizar diante das câmeras. Desde 2012, é o protagonista do quadro “Desafio sem Limite” no programa Esporte Espetacular (Globo), cuja premissa é retratá-lo cumprindo tarefas que seriam notáveis mesmo se ele não fosse um lesionado medular. Entre as façanhas, já saltou de paraquedas, deslizou na neve com um monoesqui e percorreu uma maratona de canoagem de 55 quilômetros pelo rio São Francisco. A primeira missão da temporada 2013, que estreia este mês, envolveu a canoagem que o tornou famoso e as ondas do fenômeno da pororoca, o encontro das correntes fluviais com as águas do mar, no rio Araguari, em Macapá (Amapá).

“Eu tinha visto que um cara surfava de caiaque na pororoca. Pensei: ‘Eu posso fazer isso. É mais um leque que se abre’”, ele diz, abrindo um sorriso brilhante. Para simular as condições que encontraria no Amapá, Fernandes treinou durante um mês ao lado de Bruno Guazzelli, campeão brasileiro de caiaque-surfe, em praias do litoral norte de São Paulo. Só não revelou a ninguém que possuía um objetivo mais profundo do que o de cumprir a pauta televisiva. “O mundo está em um momento crítico. O excesso de informação é uma loucura, está tudo ao contrário”, ele diz. “Precisava dessa viagem para ver o quanto dependo das coisas que me fazem crer que sou dependente. O que e quanto eu posso? Sei de minhas limitações, não posso correr na grama. Mas vi oportunidades. Será que consigo me desgarrar de tudo?”

“Foi muito fora da realidade”, Fernandes prossegue, sobre a viagem ocorrida em abril último. “Dezesseis horas de balsa, dormindo em uma rede, até chegar ao ponto exato do rio. O banheiro do barco era tão pequeno, que eu não entrava nele – só tomei um banho em uma semana. Escovava o dente com água do rio. Eletricidade só tinha por causa de um gerador movido a gasolina... Mesmo assim, foi a melhor viagem da minha vida.”

Nos dois primeiros dias da expedição amazônica (de cinco previstos), a missão da equipe liderada pelo surfista Sergio Laus foi adaptar o estilo de canoagem de Fernando Fernandes ao comportamento imprevisível de uma pororoca. A bordo de um caiaque-surfe adaptado e com um remo nas mãos, o atleta era rebocado por um jet ski através de uma corda e posicionado na entrada da parede de ondas. A partir daí, era ele sozinho quem controlava a direção e o próprio equilíbrio. As condições não eram as mais favoráveis para a prática do surfe convencional, e o fato de Fernandes ter o corpo paralisado da cintura para baixo só tornava a tarefa mais complexa. “Estava indo tudo bem, até que peguei uma onda errada e virei”, conta. “Tentei sair do caiaque, fiquei de ponta-cabeça. Começou a dar desespero. Consegui colocar só a boca para respirar, daí voltei. Até que veio uma mão e me desvirou. Já estava engolindo água, e em uma onda merreca.”

Outros fatores externos começaram a pesar. “A partir do terceiro dia, deu tudo errado. Lanchas de turistas atrapalharam, chegamos atrasados nas ondas, nada dava certo. Podíamos ter abandonado tudo”, Fernandes diz. “Expliquei para a equipe que só tenho meio corpo funcionando. Era um prazer estar ali, mas também uma dificuldade grande. Não era simplesmente chegar e me jogar em cima da onda. Não era assim que iria funcionar.”

O quinto e derradeiro dia no rio Araguari “era hora de arriscar”, Fernandes lembra. Após escapar de uma onda violenta que quase o esmagou contra um barranco, ele repentinamente aproveitou a chance de deslizar sobre a espuma da onda seguinte. “Todo mundo vibrou. Acabou a pressão para finalizar a filmagem. Senti que acreditar funciona. Minha mente estava oscilando, fraca. E, na hora em que entrei na onda, tudo que havia dado errado ficou para trás.” Mas o melhor momento, ele relata empolgadamente, veio instantes depois, em uma nova onda.

“Consegui entrar, flutuei pela espuma e ela começou a se abrir. Olhei para os lados e, derrepente, estava surfando! Dava para ver meu reflexo na água, de tão limpa que estava. Na euforia, eu só conseguia pensar: ‘Estou dominando a natureza! Faço parte disso!’ Quando deu quatro minutos e meio, cansei, deixei a onda ir. Caí para trás e joguei o remo pra cima.”

Na balsa de retorno, Fernando Fernandes só conseguia planejar os desafios futuros no comando do caiaque – ele já se imagina em investidas mais árduas, contra ondas de 3 metros em regiões remotas, como a Indonésia e o Alasca. Sentado em um colchão na proa do navio, ele mirou o horizonte ensolarado. “Cruzei as pernas, coloquei um som – ‘Hard Sun’, do Eddie Vedder – e pensei na vida”, conta. “Às vezes a gente acha que não é para acontecer. Mas eu encontrei ali o que fui buscar.”