O líder do Strokes prefere traçar rotas radicais na carreira solo a seguir o sucesso comercial de sua banda mais famosa
Este lugar é bem legal”, diz Julian Casablancas. É uma noite de fim de outono e o líder do Strokes está visitando uma livraria comandada por voluntários, a poucos quarteirões do apartamento dele no Lower East Side, em Manhattan. Ele nota um livro sobre o CBGB, o histórico clube punk que fechou em 2006. “Estávamos lá prestes a tocar ‘Modern Age’ pela primeira vez e o cara cortou nosso som”, conta, relembrando um dos primeiros shows do Strokes, em 2000. “Eram muito babacas. Quero dizer, obviamente o lugar é lendário, mas não chorei quando fechou.”
Lembre como foi o show de Julian Casablancas no Lollapalooza Brasil deste ano.
Os dias do Strokes como atração de boate não duraram muito: no ano seguinte, a banda de Casablancas revigorou o rock mundial com seu álbum de estreia, Is This It, e pavimentou o caminho para toda uma geração de roqueiros, do Black Keys ao Arctic Monkeys (“Eles abriram as portas para nós, porque começamos a ser chamados para tocar por sermos uma banda de rock de garagem”, afirma Dan Auerbach, do Keys). Casablancas, então, se tornou famoso como a personificação impassível e elegantemente detonada do cool nova-iorquino. No entanto, atualmente ele é um homem sóbrio, casado e pai de um menino de 4 anos, Cal, e passa a maior parte do tempo em sua casa no interior do estado de Nova York.
Ele também acabou de concluir um novo disco solo, Tyranny, lançado pela própria gravadora, a Cult. No álbum, musicalmente denso e politicamente carregado, ele é acompanhado por uma banda chamada The Voidz. O trabalho é bem distante das faixas afiadas do Strokes – e Casablancas claramente se sente bem com isso. “Este é o destino final – o disco que esperei fazer desde o primeiro”, afirma, referindo-se ao primeiro LP solo,Phrazes for the Young (2009). “Basicamente, tenho uma ânsia de tentar inspirar algo tão grande, senão maior [do que o Strokes], mas com mais significado.”
Tyranny incorpora de tudo, passando por punk hardcore, ritmos africanos, solos de metal e vozes robóticas. “Ouvíamos uma faixa de world music e outra de metal e queríamos fazer uma ponte entre elas”, conta Casablancas. O processo de composição às vezes ficava emotivo: o pai de Julian, o fundador da agência de modelos Elite, John Casablancas, morreu enquanto o filho escrevia faixas para Tyranny. “Human Sadness”, de 11 minutos, parece falar um pouco desse luto quando Casablancas ecoa o poeta Rumi: “Além de todas as ideias sobre certo e errado, há um campo/ Eu te encontrarei lá”. “Foi intenso”, ele conta. “Mesmo se você não é próximo de seu pai, quando isso acaba, é como se sua casa ficasse sem o teto.”
Casablancas e o Voidz passaram mais de dois anos compondo o álbum e o gravaram ao longo de sete meses. “Eu me achava perfeccionista até conhecer o Julian”, afirma o baixista do Voidz, Jake Bercovici. “Acho que passamos 20 dias buscando um tom de teclado.” Casablancas lutou arduamente para chegar a este ponto. Depois do sucesso inicial do Strokes, a diversão jovem que muitos associavam à banda havia evoluído, no caso do vocalista, para um problema sério com o álcool. A certa altura, ele começou a tomar vodca de manhã. “Provavelmente eu era encantador uns 10% do tempo, quando o grau de alteração estava perfeito”, diz sobre os dias de bebedeira. “Você pensa ‘Sou corajoso e louco e posso beber’, mas na verdade é tipo ‘Não consigo falar socialmente com as pessoas sem ter uma confiança falsa e idiota que é irritante’. Você acha que é como o soro da verdade, mas está mais para
soro da estupidez.”
Leia a crítica de Tyranny, novo disco de Casablancas.
Ele passou por um longo período de recuperação. Fiquei de ressaca por uns cinco anos. Literalmente, quatro anos depois que parei de beber ainda não me sentia 100%. Ainda tinha a sensação de estar um pouco de ressaca e não queria descer para comprar comida, só queria ficar em casa. Fiquei meio estragado.” Em 2009, ele lançou o primeiro trabalho solo, compondo músicas no laptop em seu apartamento. Ao mesmo tempo, afastou-se da liderança do Strokes, cedendo mais controle sobre as composições, “mantendo a paz”, afirma. Os resultados ouvidos nos dois últimos álbuns da banda, Angles (2011) e Comedown Machine (2013), no entanto, não apresentaram os ganchos e o impacto emocional
dos três primeiros discos.
“A sensação é de humildade e de validação de que você está fazendo algumas coisas do jeito certo”, diz sobre o sucesso Strokes, “mas é o mesmo com um ator: se um filme vai muito bem na bilheteria, fazem umas dez sequências dele, porque acham que é disso que as pessoas gostam... se algo tem valor comercial, não significa que é bom”.
Acredite se quiser: dez artistas que amamos e que nunca chegaram ao topo da parada nos EUA.
Na noite anterior ao lançamento de Tyranny, a banda faz um show secreto em um loft no Brooklyn, sob o nome de Rawk Hawks. Quando é revelado quem realmente está tocando, uma multidão de fãs superlota o pequeno espaço. O som está anos-luz distante do Strokes, mas as garotas ainda gritam com cada gesto de Casablancas e as pessoas berram para ele cantar mais alto. Por enquanto, o vocalista prefere isso a um show em estádios com sua banda original. “Ainda é divertido ver as pessoas reagindo, mas sinto emocionalmente alguma coisa com isso? Não”, ele diz sobre as últimas apresentações do Strokes. “Um tempo atrás, vi alguém fazer uma cover de uma música do Top 40 em um bar vazio, como se a tivesse aprendido dois dias antes. Provavelmente estava se divertindo mais em tocar aquilo do que curto tocar ‘Last Nite’. E aquilo me fez sorrir.”