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Caminho Perigoso

O crescente interesse de jovens pelas ideias de Jair Bolsonaro revela o quão graves podem ser as consequências da desilusão do eleitorado com a política

Aline Oliveira Publicado em 12/12/2017, às 18h37

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Ilustração <b>Lézio Júnior</b> - Lézio Júnior
Ilustração <b>Lézio Júnior</b> - Lézio Júnior

Eu não idolatro o [Jair] Bolsonaro (PSC-RJ). Ele não é a solução para tudo. Mas pretende ser candidato [à Presidência da República] para fazer as mudanças de que o Brasil precisa. Eu gosto disso porque uma coisa é certa: não dá para continuar como está.” O potiguar Robson Gusmão, de 33 anos, está convencido de que a possível eleição do deputado carioca, no ano que vem, é uma das poucas alternativas capazes de minimizar os efeitos das crises política, econômica e social do país. Uma boa parte do eleitorado jovem brasileiro tem essa mesma percepção. O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, afirma que 60% dos eleitores que indicam voto no parlamentar têm até 34 anos. A relevância dele no debate nacional foi diagnosticada por uma pesquisa realizada pelo Datafolha – nos dias 27 e 28 de setembro de 2017, com 2.772 entrevistas presenciais em 194 municípios – de acordo com a qual o deputado federal ocupa o segundo lugar na corrida presidencial. “Esses jovens são, em sua maioria, de classe média, brancos e com uma tendência conservadora”, detalha Paulino. Ciente de sua ascensão, Bolsonaro circula por todo o país em clima de campanha. E tem feito sucesso. Em visita a Belém, capital do Pará, em outubro deste ano, o presidenciável foi recebido por uma multidão no aeroporto. “Ele vincula-se à ideia do mito e movimenta paixões. Isso cresce porque há poucos símbolos aos quais a juventude pode se apegar”, analisa Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e professora da Universidade Federal de Santa Maria (RS). No Facebook, o candidato mantém uma página com quase 5 milhões de fãs e posta diariamente. Dados da FSB Pesquisa (agência que analisa as páginas públicas dos quase 600 parlamentares na internet) mostram Bolsonaro como um dos mais influentes nas redes sociais. “Fazemos esse monitoramento desde fevereiro de 2017 e o deputado está sempre entre os primeiros lugares do ranking. Ele sabe a importância dessa ferramenta”, explica o diretor do FSB Pesquisa, Marcelo Tokarski. Ambição para se colocar como Salvador da nação o presidenciável tem. No entanto, só neste contexto de descrédito com a classe política uma figura polêmica e autoritária – capaz de lançar declarações violentas contra mulheres, negros e gays e que em 26 anos de Congresso só conseguiu aprovar dois projetos – ganha tanta força. “Estamos no auge da crise de representação. Não há líderes respeitados no país, e quase 70% dos eleitores não enxergam em nenhum partido a capacidade de representar e defender a população”, completa Paulino, do Datafolha. Para Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio, Bolsonaro “tem essa imagem de político outsider do sistema partidário; não da política, mas do sistema partidário. Ele está em um partido nanico [o PSC, Partido Social Cristão], migrando para um partido pequeno [PEN]. Ele é muito maior que o partido. Além disso, reage à corrupção com discurso duro, afirmando não fazer parte da coalisão dos partidos e que não está na Lava-Jato. Isso reverbera muito entre os jovens, que veem a política como algo distante, fechado”. Os recentes capítulos da trama nacional emprestaram à sociedade o sentimento de impunidade. A decisão do Supremo Tribunal Federal, em 11 de outubro, de considerar necessário o aval do Congresso para o afastamento de deputados e senadores de seus mandatos ainda não foi digerida pela população. “As instituições não funcionam em prol do povo, para defender os interesses do povo. O STF diz que não compete a ele afastar um senador investigado, mas o cara está envolvido em um monte de falcatrua... Parece que há uma articulação entre os poderes, do tipo: você não mexe comigo que eu não mexo com você”, lamenta Gusmão. Outro eleitor de Bolsonaro, o mineiro Ícaro Lima, 35, partilha da mesma opinião. “Essa questão do Aécio [Neves, que chegou a ser afastado do Senado, em setembro, pela primeira turma do STF, após denúncia de corrupção passiva e obstrução de justiça feita pela Procuradoria-Geral da República] é um absurdo completo. Com certeza há conchavo por trás. Tem alguma coisa muito estranha acontecendo”. A decisão da Câmara dos Deputados, em 25 de outubro, livrando o presidente Michel Temer de ser investigado durante seu mandato corrobora a tese de Lima. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, “a negociação política para barrar as duas denúncias criminais contra Temer teve um custo que pode chegar a R$ 32,1 bilhões. Essa é a soma de diversas concessões e medidas do governo negociadas com parlamentares entre junho e outubro, desde que Temer foi denunciado pela primeira vez (...)”. Na última votação, 251 deputados optaram pelo sim, ou seja, pelo arquivamento da segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República ao STF na qual Temer é acusado de obstrução de Justiça e formação de quadrilha. O deputado Jair Bolsonaro foi um dos 233 parlamentares contrários. “Com a coerência de sempre, pelo fim da corrupção, meu voto é não, pelo prosseguimento das investigações”, declarou na ocasião.

A questão da segurança pública é outro terreno fértil para candidatos ao cargo de presidente plantarem soluções milagrosas. São assassinadas, por ano, no Brasil quase 60 mil pessoas. Uma matéria publicada pela Rolling Stone Brasil em julho de 2017 mostrou que só no estado do Rio Grande do Norte a taxa de homicídios aumentou 232% em 11 anos. Morador de Natal, Gusmão comenta que uma “troca de tiros durante o dia é algo comum. A sensação é de que não vai melhorar nunca, que estamos jogados no caos”. É claro que há de se enfrentar o problema da segurança pública no Brasil, de preferência com um projeto nacional, no qual sejam levadas em conta as questões da educação, das minorias, do racismo e das carências vividas pelas pessoas à margem da sociedade. No entanto, as ideias apresentadas pelo capitão da reserva do Exército brasileiro – e ressoadas por seus possíveis eleitores – reduzem toda a complexidade da violência urbana a soluções como redução da maioridade penal e posse de armas. “É o que chamamos de propostas de populismo penal”, diz Mohallem, da FGV Direito Rio. “Eu não concordo totalmente com o Bolsonaro, não acho que toda pessoa deva portar uma arma, mas acredito que as pessoas de bem devem possuir uma e deixar em casa ou no comércio. Sei que isso não acaba com a violência, mas diminuiria o ímpeto do infrator, porque ele vai pensar duas vezes antes de agir”, acredita o mineiro Ícaro Lima. Sobre essa polêmica, o professor da FGV Direito Rio esclarece que “se olharmos para as experiências de outros países, veremos que quanto mais armas em circulação, mais risco adicional à sociedade”. Ele também joga luz sobre o “equívoco do argumento da autodefesa. [Ter uma arma em casa] coloca as pessoas em risco, pois isso aumenta as chances de ela morrer. Em segundo lugar, muito provavelmente a pessoa [diante de uma tentativa de assalto ou qualquer abordagem violenta] não terá tempo de agir. Fora o fato de que essas armas podem acabar sendo usadas por crianças”. O drama da violência urbana dá a impressão de ser democrático, afinal quem nunca teve uma arma apontada para a cabeça conhece alguém que já passou por isso. Porém, é fundamental entender que um dedo no gatilho é apenas a ponta de um iceberg, algo que esconde outras violências, como exclusão social, encarceramento em massa, omissão do Estado etc. Da mesma forma, é preciso compreender a urgência do eleitor cada vez mais pragmático, carente de soluções. O professor da Unicamp Luís Renato Vedovato explica que “respostas complexas passam pelo respeito aos direitos humanos e à Constituição. Mas quando alguém diz que para acabar com a criminalidade tem que diminuir a maioridade penal – mesmo que isso não seja verdade, como não é – isso é visto como uma resposta”.

O grande problema das soluções fáceis é que elas não contribuem com o debate acerca dos problemas nacionais. Tal tática não nasceu com Bolsonaro, é verdade, mas o fato de esse discurso ganhar notoriedade revela o quanto ainda é preciso amadurecer enquanto sociedade e pensar saídas para além do consumo. “A substituição do cidadão pelo consumidor começou nos anos 1970 e se aprofunda com o passar do tempo. Naquela década, o discurso era que os direitos humanos só serviam para proteger os bandidos. Hoje isso ainda existe, mas acrescentou que os direitos humanos só servem para atrapalhar a economia”, diz Vedovato. “Esses elementos neoliberais significam a mercantilização de todas as esferas da manutenção da vida, a ênfase no individualismo, ou seja, toda a resolução dos problemas sociais passa a ser vinculada à iniciativa privada, como uma força garantidora dos problemas”, contextualiza Claudete Pagotto, coordenadora do curso de ciências sociais da Universidade Metodista de São Paulo. Por isso, segundo o professor da Unicamp, “para o consumidor o discurso do ‘vou comprar minha segurança tendo uma arma em casa’ faz todo sentido”.

Eleitores de Bolsonaro, em sua maioria, não passam dos 34 anos de idade. Nasceram, portanto, em um Brasil democrático. Eram crianças pequenas quando a Constituição de 1988 foi promulgada. É tentador – e, talvez, equivocado – presumir que tais pessoas não se assustam com projetos tão conservadores e autoritários porque não sabem o que é viver em um regime ditatorial, por exemplo. No entanto, é também um equívoco não afirmar que não houve, na história recente do país, uma discussão do que somos e como chegamos até aqui. “A população jovem não viveu em um sistema ditatorial e falta memória para se construir a importância da democracia. Por isso, não há motivo para essa geração de 34 anos preocupar-se com liberdade de expressão, liberdade de imprensa, empoderamento feminino, porque, em tese, para esse grupo isso não é o problema central”, avalia Vedovato, da Unicamp. Bolsonaro, além de atacar minorias e saudar militares – como no lamentável episódio em que citou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra durante votação do impeachment contra Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados –, esbraveja contra os direitos humanos, se diz contra “a ideologia de gênero” e quer “a cadeia cheia de vagabundos”. Para Claudete, da Universidade Metodista, “só o fato de ele exaltar um torturador deveria ser rechaçado. Isso deveria dar medo nas pessoas e mostra que falta conhecimento histórico por parte dessa juventude”. Ela completa: “As organizações políticas e sindicais se distanciaram da base e promoveram que essa juventude nascesse sem a possibilidade de conhecer a história do Brasil”.

Para Sergio Luis Braghini, professor e coordenador do curso de pós-graduação em Psicossociologia da Juventude e Políticas Públicas da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, “houve uma falha da geração anterior a essa, no que diz respeito ao ensinamento da história, imprensa que pautasse o tema etc”. Ele ressalta, no entanto, que é um equívoco associar jovens às ideias consideradas de esquerda. “Nem sempre a juventude vai partir para reflexes e debates progressistas. A gente costuma achar que sempre foi assim, mas estamos nos baseando na geração anterior, a dos anos 1960 e 1970. É preciso lembrar da juventude fascista e nazista”, pontua. Para Rosana Pinheiro-Machado, da UFSM, “as pautas conservadoras sempre dominaram o cotidiano, mas é difícil dizer se há um aumento do conservadorismo ou uma reação conservadora à atuação dos movimentos que ganharam força após junho de 2013”. Ideais extremados permeiam a sociedade brasileira, dividindo mentes e corações entre propostas progressistas e retrógradas. Mas para muitos professores entrevistados para esta reportagem os pensamentos de Bolsonaro não são de direita – como ele mesmo se define – mas reacionários, autoritários. A democracia é difícil, exige, nas palavras do docente da Unicamp, “dedicação constante e vigilância”, mas ela é valiosa, porque permite até mesmo que fanáticos exaltem o nome de um torturador.