Cena em formação - Shabazz registrou de definitiva e cinematográfica as cores, os movimentos e as figuras pitorescas que fizeram parte do início do gênero
Na década de 1980, o rap e o grafite tornaram-se manifestações seminais da cultura afro-americana nos Estados Unidos. O fotógrafo, escritor, ativista e professor Jamel Shabazz foi testemunha ocular dessa revolução desde o começo. Por meio da fotografia, ele registrou como poucos um recorte do intenso universo do hip-hop nas proximidades de Nova York.
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“Meu pai era fotógrafo e meu guia”, relembra Shabazz, nascido no Brooklyn. “Ele conseguiu uma câmera para mim e deu instruções de como usá- -la. Antes disso, eu não tinha nenhum propósito ou direção na vida.” Os pais de Shabazz se separaram quando ele tinha 15 anos, época em que o rapaz se desinteressou pela escola. Foi aí que ele passou a viver a rotina dos grafiteiros e a entrar de cabeça na fotografia. “Eu me metia em encrencas, mas meu oásis era a biblioteca, onde devorava [as revistas] National Geographic e Life”, conta. “Quando vi fotos coloridas de uma gangue chamada The Bad Ass Stompers, fiquei hipnotizado pelas imagens dos garotos, vestidos na maior estica, e eles eram apenas um pouco mais velhos do que eu. Foi quando eu percebi que queria ser fotógrafo.”
Em 1977, Shabazz foi convocado pelo Exército e rumou para a Alemanha. Depois de três anos, voltou para os Estados Unidos completamente mudado. O próprio Brooklyn, segundo ele descreve, tinha virado uma zona de guerra, com brigas de gangues e jovens morrendo por causa do abuso de drogas. A visão da devastação de sua própria comunidade fez com que Shabazz buscasse uma forma de interagir com a vida nas ruas, tentanto ajudar como podia – no caso, por meio do trabalho que havia aprendido com o pai antes do período como militar.
Na jornada que empreendeu a partir dos anos 1980, Shabazz rodava pelo Brooklyn, Queens, Manhattan e Bronx e conseguia fotos de todo tipo de gente, inclusive de quem fazia parte da nascente cena do hip-hop. Mas isso exigia esforço e habilidade. “Era uma alegria dialogar com as pessoas, mas Nova York sempre foi uma selva de concreto cheia de predadores e presas”, ele pondera. “Era preciso paciência e coragem para conseguir uma foto.”
Uma boa parte dos retratados por Shabazz são anônimos. Muitas vezes, o fotógrafo diz que “queria mesmo era conversar, mais até do que tirar uma foto”. “Em diversos casos, as fotografias são uma evidência da interação que eu procurava.” Fotografar era, para ele, uma missão beneficente: enquanto as pessoas posavam, Shabazz jura que costumava falar sobre “a necessidade de uma vida saudável”, e ao mesmo tempo discorria sobre a importância de se planejar o futuro e a necessidade de se unir uns aos outros. “Quando você se aproxima de uma forma sincera, as pessoas se abrem. Foi assim que consegui captar a maioria das minhas fotografias”, explica. Desde 2005, Shabazz encontrou outra forma de ajudar o lugar onde vive, ocupando o cargo de professor na Rush Philanthropic Arts Foundation, em Nova York, que oferece aulas para jovens carentes.
Se a tecnologia trouxe novas ferramentas para a fotografia, para o tipo de abordagem de Shabazz ela quase nunca é benéfica. O fotógrafo acredita que, ironicamente, toda a modernidade atrapalhou o trabalho dele: como a interação entre desconhecidos é a base dos retratos feitos por ele, encontrar personagens ficou mais difícil. Ele sente que a relação ininterrupta com o celular faz com que as pessoas se voltem cada vez mais para si mesmas, sem mostrar disponibilidade para conversar com um estranho com uma câmera nas mãos.