O fim de 2006 acrescenta a paulistana Céu ao time das cantoras brasileiras que são, para nossa sorte, a cara deste século
Talvez pelo formato para onde caminha nossa indústria fonográfica, só agora, no meio da década, a música brasileira dos anos 00 começa a firmar sua personalidade. Até os anos 90, os artistas tinham o hábito de gravar pelo menos um disco por ano, o que facilitava a identificação das novas tendências, dos estilos propostos pelos artistas emergentes e das estéticas firmadas. Hoje, o esquema mudou. O normal é que um artista faça um intervalo de pelo menos dois, três anos entre um álbum e outro, o que já desacelera o processo de reconhecimento das referências. Isso sem falar no boom da música independente, que segmentou e estilhaçou em muitos riquíssimos compartimentos estéticos o que antes seria um "padrão único".
Dentro deste novo cenário, o disputado (e fecundo) terreno das cantoras brasileiras fecha 2006 coroando a paulistana Céu como a maior aposta do ano. Ela divide o DNA da década com pelo menos mais seis colegas. Maria Rita, Mart'nália, Teresa Cristina e Vanessa da Mata (na primeira metade da década) e Roberta Sá e Mariana Aydar (agora). "Fico feliz de estar vivendo numa geração de talentos. O que temos em comum é a admiração pelo samba, maracatu, xote, baião, o brega e esses ritmos todos genuinamente brasileiros", diz Céu, enumerando os padrões estéticos que dominaram a década. "Considero meu trabalho bastante individual, porém não isolado. Ouço muito som de raiz brasileiro, gosto também de funk e música jamaicana da década de 1970 como dancehall, ragga, reggae, dub, etc."
Indicada ao Grammy Latino na categoria Cantora Revelação, Céu avalia a tendência que sua geração tem seguido para a mistura e a memória. "Talvez por um excesso de informação, de maneira geral, tenha ficado difícil criar algo novo, puro. Na verdade, nem sei se isso existe mais", diz. "Assim, é até natural que os ouvidos se voltem pro passado, revivendo, por exemplo, o samba." No pacote de suas influências, não faltam referências a nenhuma década: "A sonoridade dos anos 70 sempre me agradou mais, o samba, o rock, funk... Mas os 80 também voltaram agora com força total. O que eu mais curto dessa década é o início do hip hop. A Tribe Called Quest, De La Soul, Public Enemy. E dos 90, na minha opinião, o mais importante foi a chegada do mangue beat, Chico Science e Nação Zumbi".
Produzida por Beto Villares, Céu lançou seu disco de estréia no Brasil no começo do ano, de forma independente (uma versão francesa saiu antes). O álbum foi relançado recentemente pela Warner, apesar do namoro com a multinacional já ser caso antigo. "Rolou o interesse da Warner quando eu tinha apenas uma demo, com quatro músicas gravadas. Acabei assinando com a Ambulante e a Urban Jungle, pois curti a proposta feita. Era mais condizente com o tempo necessário pro disco ficar pronto, entre outras coisas", explica Céu, que não teve pudor em desprezar toda a infra-estrutura que viria no pacote. "Foi um risco, mas acabou funcionando. Ter tempo pra fazer coisas com calma é algo muito importante para mim. Não estava preparada musicalmente pra entrar no ritmo das grandes gravadoras. Hoje, temos uma parceria de distribuição que está funcionando muito bem", diz.
Como toda promessa que se preze, Céu tem atraído para si um número grande de admiradores. Quase unanimidade em termos de crítica, conseguiu também elogios rasgados de artistas como Caetano Veloso. Tanta expectativa assim poderia gerar insegurança, mas ela tenta não se contaminar pelo hype criado à sua volta: "É muito bom ter seu trabalho reconhecido, mas não me acho assim 'a' promessa. Simplesmente curto música e tento ser o mais honesta possível. Existem várias promessas e vários sons que admiro neste país. É uma questão de oportunidade".