A ofensiva do governo do Rio contra os traficantes foi um espetáculo midiático para o planeta ver. Mas especialistas garantem que a questão – assim como outros problemas da cidade – está longe de ser solucionada
Hélio luz vende caro sua adesão ao senso comum. Muito caro. A ponto de, sem qualquer hesitação, enviar de volta à ficção o capitão Nascimento, forte postulante à condição de super-herói nacional. "É estranho. Ele nunca virou major", brinca.
Por mais óbvia que pareça a fronteira entre ficção e realidade, a hipnose gerada pela saga Tropa de Elite, dirigida por José Padilha, parece tê-la esfacelado aos olhos do público médio brasileiro. A massa anseia por encontrar um Wagner Moura rebatizado, de farda preta e faca na caveira, moralizando a bandidagem carioca morro acima, enquanto cospe jargões pegajosos.
Mas Hélio Luz enxerga claro o suficiente para perceber que Tropa não é a vida real, ainda que aborde temas extremamente atuais, como a ascensão das milícias no Rio de Janeiro. Essa resistência contra as armadilhas da indústria cultural é resultado da casca-grossa adquirida pelos anos à frente da Polícia Civil carioca: ele chefiou a corporação entre 1995 e 1997. Na época, sob a gestão do governador Marcello Alencar, o estado se via às voltas com outros problemas: os sequestros. Quando Luz assumiu a cadeira, 140 pessoas estavam nas mãos de grupos armados. Mas ele só conseguiu erradicar a prática quando voltou suas atenções para a área da polícia que se encarregava de seu combate, a Divisão Antissequestro (DAS). Foi nesse período que deu uma das declarações que até hoje o definem como um policial diferente, para dizer o mínimo: "A DAS parou de sequestrar".
Uma pessoa capaz de, de dentro do mais alto cargo da corporação, lançar um discurso desse calibre, sempre enxergará a criminalidade carioca e as estratégias para contê-la com um olhar mais afiado. Por isso, enquanto assistia ao Rio de Janeiro pegando fogo em fins de novembro de 2010, Luz não teve surpresa alguma. Na verdade, agora na condição de espectador das ações de repressão, o ex-chefe da Polícia Civil, que também foi deputado estadual (pelo PT-RJ), chegou até a se divertir. E mostra que mantém o ceticismo e a virulência nas análises que sempre o marcaram ao debater a megaoperação conjunta de polícia e Forças Armadas. "Não vai alterar nada. O narcotráfico não é crime organizado", Luz afirma. Sem medo algum da impopularidade, ele trataria os arrastões e atentados que alarmaram a capital carioca na semana que antecedeu a ofensiva policial como "questão de ordem pública". "Não se chama o Exército para resolver isso", declara.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 52, janeiro/2011