Por que, mesmo depois de conquistar Hollywood, Judd Apatow continua se sentindo um forasteiro?
Ao longo da última década, Judd Apatow se transformou no principal criador de comédias blockbuster do nosso tempo. Além de Descompensada, com Amy Schumer, que tem feito sucesso internacionalmente e estreia no
Brasil em 24 de setembro, Apatow, de 47 anos, dirigiu quatro filmes: O Virgem de 40 Anos, Ligeiramente Grávidos, Tá Rindo do Quê? e Bem-Vindo aos 40. Como produtor, ajudou a levar aos cinemas O Âncora: a Lenda de Ron Burgundy, Superbad: É Hoje, Segurando as Pontas e Missão Madrinha de Casamento, entre outros sucessos.
Para ajudar a se inspirar no início das filmagens de Descompensada, ele voltou a fazer stand-up pela primeira vez em décadas. Stand-up foi seu primeiro amor: quando adolescente, ele entrevistou comediantes como Jerry Seinfeld e Garry Shandling para a estação de rádio de sua escola. Quando estava na casa dos 20 anos, abriu para o amigo Jim Carrey e escreveu para Roseanne Barr. Foi uma das forças propulsoras por trás de joias cult, como The Ben Stiller Show e Freaks and Geeks. Mais recentemente, Apatow ajudou Lena Dunham a desenvolver Girls.
Mas, se você elencar esses itens do currículo do homem, ele faz objeção. “Tem a ver com os colaboradores com quem você tem a sorte de trabalhar”, afirma. “E eu fui abençoado por conhecer algumas das pessoas mais talentosas que existem por aí.
O divórcio dos seus pais te levou para a comédia?
Quando eu era criança, queria me mudar para a Califórnia – queria cair fora [de Long Island]. Qualquer coisa que fosse difícil na minha infância era minha motivação para conseguir um emprego e trabalhar com dedicação. Nunca ouço as minhas filhas dizerem: “Quero ir embora de Brentwood, porra!” Por isso, não sei se fazer com que a vida delas seja estável está ajudando ou desmotivando.
A sua mãe saiu de casa e você ficou com o seu pai. Você tomou o lado dele?
Eles se separaram e a minha mãe se mudou para Southampton. Eu disse: “Não vou sair daqui”. Conversei com a minha mãe logo antes de ela morrer, e ela disse que achava que só ia ficar fora umas duas semanas: “Eu achei que nós íamos voltar a ficar juntos logo”.
Mas o seu pai tinha uma namorada, e ela foi morar com ele. A minha mãe fez com que eu sentisse que só o fato de morar com o meu pai era uma traição. E ela nunca se retratou. Em tempos modernos, as pessoas falam coisas horríveis e depois, na mesma noite, dizem: “Desculpe, eu me aborreci, esta é uma situação muito difícil”. A minha mãe nunca disse isso, durante toda a minha infância, depois de uma sequência de mágoas. Isso deixa a gente na defensiva – do ponto de vista emocional, faz você se fechar.
Você disse que entrou na comédia como forasteiro – alguém que tirava seu combustível humorístico do fato de ser o garotinho que era sempre escolhido por último na hora de montar o time. Será que sucesso e poder fazem com que seja mais difícil ser engraçado?
A sensação de ser aquele garotinho nunca vai embora. Outro dia, eu estava em um restaurante e o chefão da Sony estava lá com uma outra pessoa da Sony. Eu fui até a mesa dele e não tinha a menor ideia do que dizer, então só disse [a voz dele se eleva a um tom desconcertado, sem jeito]: “Ei, tudo bem aí?” Eles ficaram tipo: “... Oi”. E eu mandei: “O que vocês costumam comer aqui?”. Um deles respondeu: “Peixe”. Passei semanas pensando: “Como eu sou idiota”.
Ultimamente, você tem sido visto como um defensor das mulheres engraçadas na tela. Foi um movimento consciente?
Não foi um plano. Não esbarrei com cinco versões masculinas da Lena Dunham que dispensei. Não encontrei 1 tonelada de Amy Schumers que dispensei.
Existe a percepção de que você está usando o seu sucesso para ajudar a romper barreiras.
Não existem, nem de longe, filmes sufi cientes feitos por mulheres, escritos por mulheres, estrelados por mulheres. Não ficamos com uma grande sequência de filmes de Gilda Radner. Muitas dessas pessoas não
tiveram oportunidades, e deveriam ter tido. Mas olho para isso mais como fã – eu quero ver Amy Schumer em um filme.
O personagem de Adam Sandler em Tá Rindo do Quê?, George Simmons, é diagnosticado com uma doença rara. Será que um dos subtextos é que ser um comediante é quase um destino pior do que ter esse tipo de enfermidade?
A minha mãe morreu em 2008, e eu estava escrevendo Tá Rindo do Quê? enquanto ela estava doente. Eu tive uma ideia sobre uma pessoa que ficou doente e não aprendeu nada com isso, então tive uma ideia de
como era ser um jovem comediante orientado por comediantes mais velhos. Aí, percebi que podia fazer as duas coisas no mesmo filme. Mas foi escrito com um pesar profundo. Percebi que sempre que ela
achava que ia morrer, parecia mais feliz e se desapegava das neuroses dela.
Outra coisa a respeito de Simmons é que ele está em uma mansão enorme, meio parecida com esta em que estamos agora, e ele é totalmente infeliz. Você disse que, como artista, nem todo o sucesso do mundo vai servir para curar você.
Não serve para nada. Há uma distração gigantesca em pensar: “Quando eu chegar ao alto daquela ladeira, tudo vai ser fantástico”. E daí, quando você chega ao alto da ladeira, fica tipo: “Ah, acho que agora
eu tenho mesmo que encarar os meus problemas, porque isso não deu nem um pouco certo”.