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Como Ser Bill Murray

Quando se é um dos astros mais amados do mundo, você consegue se safar de quase tudo

Gavin Edwards Publicado em 12/02/2015, às 15h24 - Atualizado em 02/04/2015, às 18h09

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Todos temos impulsos aleatórios, mas Bill Murray é um homem que cede a eles. Exemplo: há alguns anos, o ator pegou um táxi em Oakland, na Califórnia. No percurso, descobriu que o taxista era um saxofonista frustrado: não tinha tempo para praticar porque dirigia 14 horas por dia. Murray disse para ele tirar o instrumento do porta-malas – podia tocar no banco de trás enquanto o astro dirigia. A história é narrada por Murray enquanto ele permanece sentado no sofá de um hotel em Toronto, Canadá; ele tem cara de quem preferia estar jogando golfe, mas seus olhos brilham quando se lembra do som do porta-malas do táxi se abrindo. “Isso vai ser bom”, pensou. Decidiu “ir até o fim” e perguntou ao motorista/saxofonista se estava com fome. O homem conhecia uma churrascaria e, por volta das 2h da manhã, Murray comeu churrasco enquanto seu taxista tocava sax para uma plateia estupefata. “Foi incrível. Acho que todos deveríamos fazer coisas assim.”

Na verdade, a maioria de nós não faz coisas assim (embora provavelmente devêssemos). A maioria de nós não invade festas de karaokê de estranhos ou vai para trás do balcão de um bar em Austin para servir doses de qualquer garrafa que estivesse à mão ou dá US$ 5 para um menino pedalar uma bicicleta piscina adentro. Murray fez tudo isso e mais. O mundo tem uma fome aparentemente infinita de histórias verdadeiras sobre Bill Murray tornando a vida de estranhos ainda mais estranha. E ele a sacia, seja dirigindo um carrinho de golfe roubado até uma boate em Estocolmo, seja lendo poesias para pedreiros. Ele deixa nosso mundo um pouco mais esquisito, torna as rotinas mundanas um pouco mais empolgantes ou, como Naomi Watts resume: “Aonde quer que ele vá, deixa um rastro de histeria”.

Quando Encontros e Desencontros foi lançado, em 2003 (Murray foi indicado ao Oscar pelo papel de um ultrapassado astro de cinema que se vê preso em um hotel de Tóquio ao lado de Scarlett Johansson), perguntei à diretora Sofia Coppola que desejo ela tinha para o ano seguinte. Ela pareceu espantada. “Meu desejo virou realidade”, afirmou. “Bill Murray fez meu filme.”

Murray, de 64 anos, não facilita a vida de quem quer contratá-lo. Diferentemente de qualquer outro ator de seu porte, ele não tem agente, empresário ou assessor de imprensa. Se quiser escalar o artista, você precisa pedir a um amigo dele para convencê-lo ou ligar para um número secreto de telefone e deixar sua proposta após o bipe. Se ele checar as mensagens do correio de voz, talvez ligue de volta. Caso o astro aceite participar, pode ser que você só tenha notícias dele no primeiro dia de filmagem, quando ele aparecer no trailer da maquiagem contando piadas e distribuindo massagens nas costas. Às vezes, essa inacessibilidade significa que Murray acaba ficando de fora de filmes nos quais teria sido excelente – Pequena Miss Sunshine, Uma Cilada para Roger Rabbit, Monstros, S.A. –, mas o ator não está particularmente preocupado. É uma troca que vale a pena para ele, considerando que o que recebe de volta é liberdade.

Para persuadir Murray a participar de seu filme, Ted Melfi, que o dirigiu em Um Santo Vizinho, deixou uma dezena de mensagens no correio de voz, mandou uma carta, enviou roteiros a caixas postais por todos os Estados Unidos – e, de repente, em uma manhã de domingo, recebeu uma mensagem de texto pedindo para que encontrasse Murray no aeroporto de Los Angeles em uma hora. Eles dirigiram pelo deserto por três horas, parando em uma lanchonete In-N-Out Burger para comer queijo quente e, no final do passeio, Murray tinha topado. Melfi fez um pedido: “Conte a alguém que isso aconteceu, porque ninguém acreditará em mim”. Murray tem o papel principal em Um Santo Vizinho: um veterano da Guerra do Vietnã com uma queda por bebida e jogos de azar. Ele se torna o mal-humorado pajem do garoto que mora na casa ao lado, em uma relação que pareceria uma reprise de Almôndegas, de 1979, se o personagem dele naquele filme, o conselheiro Tripper Harrison, tivesse tido algumas décadas de sofrimento na vida.

Como todos os melhores trabalhos de Murray no cinema, o personagem dele em Um Santo Vizinho se origina da mentalidade sem estresse do ator. “Alguém me contou alguns segredos da vida muito cedo”, ele diz a uma plateia de fãs canadenses que comemoravam o “Dia do Bill Murray” naquele fim de semana, em Toronto. “Você pode fazer o melhor que consegue quando está muito, muito relaxado.” Ele afirma que é por isso que virou ator: “Percebi que, quanto mais me divertia, melhor me saía”. No set, o prazer que sente em atuar não acaba quando a câmera para de filmar.

“Às vezes era desafiador fazer Bill ir ao set”, conta Melfi, “não porque ele é uma diva, mas porque não conseguíamos encontrá-lo”. O filme contratou uma assistente de produção só para acompanhar Murray, mas ele sempre conseguia despistá-la. Melissa McCarthy, que também está no elenco de Um Santo Vizinho, conta: “Bill literalmente joga cascas de banana na frente das pessoas. Não para que escorreguem”, esclarece, “mas pela cara que elas fazem quando pensam ‘tem realmente uma casca de banana na minha frente?’” Murray transforma até as interações mais comuns em oportunidades de comédia de improviso. Peter Chatzky, desenvolvedor de softwares financeiros do vilarejo de Briarcliff Manor, Nova York, lembra que estava de férias em um hotel de Naples, na Flórida, quando seus filhos em idade escolar viram Murray tomando um drinque ao lado da piscina e pediram um autógrafo. Murray secamente se ofereceu para escrever no braço deles, mas acabou autografando alguns guardanapos. Jake, um menino magricela, recebeu “Perca alguns quilos, cara”, com a assinatura “Jim Belushi”. A mensagem para Julia foi: “Está bonita, princesa. Ligue para mim”, assinado “Rob Lowe”.

William James Murray cresceu nos arredores de Chicago, o quinto de nove irmãos. O pai, vendedor de lenha, morreu quando o filho tinha 17 anos. Ele passou o 20º aniversário na cadeia, depois de ser preso em um aeroporto de Chicago com quase 4 kg de maconha. Após ter sido libertado em condicional, resolveu começar a atuar; seis anos depois, estourou na segunda temporada do Saturday Night Live.

Atualmente, Murray passa muito tempo em Charleston, na Carolina do Sul, onde é um dos donos de um time de beisebol da segunda divisão, o Charleston RiverDogs. Como “diretor de diversão”, Murray faz coisas como usar uma fantasia de cachorro-quente ou correr pelo campo coberto de lona durante um atraso devido à chuva, concluindo sua performance com um salto e um deslizamento de barriga. Tanta gente em Charleston tem histórias e casos sobre Bill Murray que uma estação de rádio local instituiu um quadro chamado “Onde Está Bill?”. Murray virou notícia no mundo todo em maio de 2014 ao fazer um brinde na despedida de solteiro do gerente de startup EJ Rumpke, em uma churrascaria em Charleston. Ele tecnicamente não invadiu a festa – um dos amigos de Rumpke o viu no restaurante e o convidou –, mas aproveitou a oportunidade para transmitir alguma sabedoria, dizendo aos rapazes que, assim como velórios são, na verdade, para os vivos, despedidas de solteiro são para os amigos não casados. “Ele me agarrou pela perna e me jogou para cima”, conta Rumpke, “e saiu de fininho”.

O site Urban Dictionary define “História sobre Bill Murray” como “uma história inacreditável (mas plausível) que envolve você testemunhando Bill Murray fazendo algo totalmente incomum, frequentemente seguido por ele vindo em sua direção e sussurrando ‘Ninguém acreditará em você’”. Pergunte a Murray sobre sua reputação como mestre dos “encontros surreais com celebridades” e ele sorri, nada disposto a explicar seus motivos, mas admite que está ciente de como sua presença é recebida. “Ninguém tem uma vida fácil”, diz. “É uma máscara que colocamos para fingir que está tudo bem, mas não dá para começar a pensar em números – se consigo mudar uma pessoa ou se tive três bons encontros”, ele tenta explicar. “Simplesmente não dá para pensar assim.”

Em 1978, quando estava preparando Almôndegas, o diretor Ivan Reitman passou um mês persuadindo Murray, então com 27 anos, a fazer o filme. Naquela época, o ator tinha um número de telefone no qual realmente estava disponível. Murray queria passar suas férias do Saturday Night Live jogando beisebol e golfe, mas Reitman implorou e Jim Belushi o aconselhou que ele deveria fazer – não importava qual fosse o filme, desde que ele fosse a estrela. Almôndegas estabeleceu as bases para o método de trabalho de Murray: ele assinou o contrato na véspera do início das filmagens e costumeiramente ignorava o roteiro. No primeiro dia, improvisou durante toda uma cena – apareceu diante de todos, leu as páginas e as jogou fora, dizendo “Deixa comigo”.

Reitman relaxa na cadeira. “Ele vive a vida de acordo com seus padrões, embora às vezes seja preguiçoso e, outras, excêntrico. É frustrante para outras pessoas criativas e, francamente, injusto, porque tudo tem de ser no ritmo dele”, afirma. “Mas para tê-lo em um elenco, vale a pena.” Melfi diz que não há diferença entre o Murray público e o privado: “O que você vê é o que é. Ele joga as pessoas na piscina em público e também na vida particular”. Ao participar de uma sessão de perguntas e respostas no cinema em Toronto, alguém pergunta: “Como é ser Bill Murray?” – e ele leva essa questão metafísica a sério, pedindo para a plateia pensar na sensação de autoconscientização. “Há uma noção maravilhosa de bem-estar que começa a circular... para cima e para baixo na espinha. E você sente algo que quase o faz querer sorrir. Então, como é ser eu? Pergunte a si mesmo ‘Como é ser eu?’. A única maneira de sabermos como é ser você é se fizer o máximo para ser você com a maior frequência possível e continuar lembrando que aí é sua casa.” Mais Bill Murray, impossível.