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Humildade Brutal: Cris Cyborg, maior nome do MMA atualmente, tem preocupações maiores do que manter o cinturão

“Não vejo mais esse preconceito. As mulheres estão dominando o MMA”, diz a brasileira, que há mais de dez anos não perde uma luta nas artes marciais mistas

Bruna Veloso Publicado em 01/01/2018, às 14h07 - Atualizado às 14h11

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<b>Avanço</b><br>
Cris enxerga uma mudança significativa em como as mulheres são vistas no esporte
 - Divulgação
<b>Avanço</b><br> Cris enxerga uma mudança significativa em como as mulheres são vistas no esporte - Divulgação

Esqueça a implacável máquina de chutes e socos. Ao vivo, à primeira vista, Cris Cyborg pode até impor medo por causa das costas e braços musculosos, mas o que sobressai após alguns minutos de conversa é o jeito calmo de falar, o sotaque forte de Curitiba e o discurso sempre humilde da brasileira, campeã peso-pena do UFC. No último sábado, 30, Cyborg defendeu pela primeira vez o cinturão, em aguardada luta contra a norte-americana Holly Holm, em Las Vegas. E deu a "lógica": a brasileira venceu por decisão unânime e chegou a 19 vitórias contra apenas uma derrota na carreira.

Cristiane Justino, de 32 anos, é hoje o maior nome brasileiro do MMA – há mais de dez anos não perde uma luta nas artes marciais mistas – e é conhecida, com justiça, como a mais temida atleta do esporte. Nenhum lutador poderia carregar com tanta propriedade o codinome Cyborg: quando luta, ela não para até ver a adversária no chão (ou até ser interrompida pelo árbitro). “Sou bem tranquila, embora eu goste das coisas do meu jeito”, afirma, no entanto. “Dentro do octógono, é uma coisa que nem eu sei explicar. Depois da minha primeira luta, fiquei impressionada, porque eu não sabia o que tinha acontecido. Não sabia que tinha toda aquela raiva em mim, aquela explosão.”

Cris Cyborg começou a lutar aos 19 anos, na capital paranaense. Desde cedo, encontrou no esporte um apoio para se manter bem psicologicamente. Filha de pais separados e com o pai em meio a “problemas com álcool”, como ela descreve, passou a jogar handebol aos 12 anos. Ganhou bolsas de estudo em colégios particulares por conta do desempenho nas quadras, e escolheu como caminho a faculdade de educação física.

Logo no início do ensino superior, viu que tinha ainda mais talento com os punhos do que com a bola, mesmo que, naquela época, o MMA fosse visto com uma pesada carga de preconceito. “Minha mãe não gostava de luta, queria que eu fosse dentista. Eu brincava: ‘Mãe, eu até posso tirar dente, mas de outro jeito’”, conta. “Se eu chegava com um olho roxo, dizia que era por causa do handebol. Ela não via a luta como esporte, achava que era coisa de maloqueiro.”

Até entre companheiros de academia havia barreiras, afinal era uma atividade tida como masculina. “Tinha cara que achava que mulher ia treinar para arrumar namorado, deixava a gente no modo ‘café com leite’. Eu ficava ‘braba’. Hoje, não vejo mais esse preconceito. As mulheres estão dominando o MMA, os eventos com lutas femininas têm mais audiência do que os eventos só com homens.”

Quando não está se preparando para lutar, a rotina da brasileira envolve o cuidado com a gata bengal Laila e com o labrador Fedor, com quem vive ao lado do namorado, nos Estados Unidos, onde mora desde 2009. Esportes sempre fazem parte do dia a dia (“Eu não fico sem treinar, é a minha droga. Quando estou feliz, vou correr. Quando estou triste, vou correr”, diz), mas ela já se prepara para o momento em que não puder mais lutar no octógono. Atualmente, comanda um programa de treinos para mulheres “comuns” (em outras palavras, não lutadoras) chamado Pink Belt, além de dar palestras. No início de 2017, também começou a escrever uma biografia com toques de autoajuda.

Dividindo-se entre períodos de treino e dieta intensos, projetos fora do MMA e planos para o futuro, Cris Cyborg deixa em perspectiva os momentos mais difíceis da carreira para se manter centrada – no topo da lista, está o episódio de doping em 2012, no extinto Strikeforce. “Isso me seguiu por muito tempo. Outras atletas também passaram por isso e eu sentia que era a mais crucificada”, relembra. “Naquele momento, eu percebi que cinturão não valia nada; percebi quem eram meus amigos de verdade. Mas não sinto remorso nem me arrependo. Se não tivesse acontecido, talvez eu não fosse a atleta que sou hoje.”

Diante de mais uma disputa emblemática em sua trajetória no esporte, ela tem outras preocupações mais importantes em mente. Pensa em ter um filho no futuro. Fala todos os dias com os pais e apoia, a distância, o irmão mais novo, de 18 anos, e o mais velho, de 34, que também é lutador e com quem mantém uma academia em Curitiba. E, se cair, a campeã não terá receio de começar tudo de novo. “Meu maior medo é a fama subir à minha cabeça. Eu sempre rezo: se um dia isso acontecer, eu quero perder tudo e partir do zero.”