Das análises sobre substâncias psicodélicas à investigação dos abusos da guerra aos entorpecentes, a RS sempre cobriu a relação dos Estados Unidos com os narcóticos
Em outubro de 1967, enquanto a primeira edição da Rolling Stone ia para a gráfica, os funcionários da pequena redação da revista ficaram sabendo de uma notícia que os deixou espantados: integrantes do Grateful Dead tinham sido presos por porte de maconha na comunidade em que viviam em São Francisco, a poucos quilômetros do escritório da revista. “Foi muito estranho”, lembra o fotógrafo Baron Wolman. “Encontrei-os pagando a fiança perto do nosso escritório.” O fundador e editor, Jann S. Wenner, pediu para Wolman tirar uma foto da banda e escreveu a matéria que a acompanhou na primeira edição, descrevendo oito agentes de narcóticos que “não tinham mandado algum e quebraram a porta da frente mesmo depois de ter sua entrada negada”.
Na época, rock e drogas haviam se tornado inseparáveis. Os Beatles e Bob Dylan cantavam ou falavam da liberdade criativa que vinha de experimentar os psicodélicos; fãs enrolavam baseados sobre capas de LPs e viajavam ao som de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e Blonde on Blonde. Não é de surpreender que a cobertura sobre drogas tenha feito parte da pauta da revista desde o começo. “Esta era uma questão relacionada à nossa missão de cobrir a cultura jovem e a geração baby-boom”, afirma Wenner.
Uma seção no início da publicação oferecia conselhos e notícias, como um texto sobre os esforços iniciais para legalização da maconha no Canadá. A 50ª edição anunciou um brinde malandro para os assinantes: uma pinça para baganas (“Esta peça útil pode ser sua gratuitamente. Garanta a sua antes que a oferta se torne ilegal!”). Dentro das páginas da revista, roqueiros se sentiam livres para falar sobre baseados – ou acender um – durante as entrevistas. “A Rolling Stone foi um dos primeiros lugares em que as pessoas admitiram abertamente fumar maconha”, diz Robert Greenfield, na época editor associado da sucursal da revista em Londres e que, mais tarde, conseguiu uma entrevista rara com o rei do LSD e técnico de som Owsley Stanley. “Gente como o professor Timothy Leary ia presa por causa de maconha, mas aqui estavam pessoas na Rolling Stone dispostas a falar sobre fumar, o que era bem corajoso naquele tempo.”
No entanto, a narrativa da revista sobre as drogas nem sempre era leve. “Queríamos cobrir o assunto com responsabilidade”, afirma Wenner. “Tínhamos de ser francos sobre como poderia ser divertido, mas também sobre como poderia ser perigoso.” Com base em questionários fornecidos a militares norte-americanos alocados em todo o mundo, a matéria de capa “Isso É Jeito de Comandar o Exército – Chapado?”, assinada pelo editor associado Charles Perry em 1968, explorou o uso de maconha por soldados no Vietnã. “O Exército tirou centenas de milhares de estudantes das escolas e os colocou no que parece ser o paraíso da maconha”, Perry escreveu. “No Vietnã, dá para comprar erva já processada na forma de cigarro, com dez em cada maço (200 por fardo). Um fardo custa 1 dólar.”
Nos Estados Unidos, o governo Nixon estava lançando uma outra guerra – contra os próprios cidadãos. Em 1971, o presidente declarou um “ataque total ao problema do abuso de drogas na América” e estabeleceu o órgão Drug Enforcement Administration. Em uma matéria de duas partes em 1972, “O Estranho Caso da Máfia Hippie”, o redator Joe Eszterhas revelou o assédio recorrente à Irmandade do Amor Eterno, uma comunidade hippie da Califórnia tratada por advogados locais como “uma Cosa Nostra de jeans” (uma apreensão rendeu apenas uma balança, uma carta que “falava sobre um indivíduo usando maconha” e uma “pinça contendo resíduo de erva”). “O país estava completamente polarizado e a Irmandade se tornou um exemplo dessa polarização”, conta Eszterhas. “Em Laguna Beach, havia uma espécie de guerra entre os moradores caretas e pessoas de cabelo comprido – e era tremendamente, e às vezes letalmente, séria.”
A revista também lançou investigações nos rincões mais sombrios do abuso, incluindo reportagens sobre a ascensão da cocaína, da heroína e dos barbitúricos. “Fomos consistentes em cobrir o lado negativo disso. Logo no começo assumimos a postura de que drogas mais pesadas eram ruins”, afirma Wenner. Em uma assombrosa narrativa de 1980 sobre a disseminação da cocaína freebase, Perry descreveu como um viciado “ficou convencido de que conseguia ver ‘anticorpos negros’ em seu tecido muscular forçando vermes brancos perigosos para fora da pele. Ele examinava os anticorpos e vermes com um microscópio de baixa potência e, com agulha e pinça, começou a remover os ‘vermes’ da carne e os colocou em frascos para documentação”. O artigo “Os Jovens, os Ricos e a Heroína”, escrito por Anthony Haden-Guest em 1983, pintou um retrato desolador da disseminação dessa droga nos endinheirados anos 1980 de Ronald Reagan.
Um ano antes, Reagan havia retomado a chamada Guerra às Drogas. Sua Lei Antiabuso de Drogas, de 1986, instituiu um novo conjunto de sentenças mínimas obrigatórias, exibindo pontos controversos como as grandes discrepâncias nas acusações federais por porte de crack e cocaína. Na década seguinte, o número de pessoas presas por crimes relativos a substâncias ilícitas aumentou seis vezes. Em um editorial de 1990, Wenner chamou a guerra às drogas de “Nosso Próximo Vietnã”, escrevendo que “apesar de décadas de embrutecimento das leis ao custo de bilhões de dólares, há mais drogas e mais sangue nas ruas do que nunca”. A matéria investigativa de Mike Sager “O Caso de Gary Fannon”, de 1992, falou sobre um garoto de 18 anos do Michigan sentenciado a prisão perpétua por organizar uma transação de cocaína com um policial disfarçado. A revista defendeu abertamente a libertação de Fannon; em 1996, ele foi libertado.
Para uma edição especial em 1994, Wenner recrutou Ethan Nadelmann, fundador da Drug Policy Alliance, para coescrever a matéria de capa, que pedia “uma nova política sobre drogas” que descriminalizasse pequenas quantidades de maconha e “parasse de encher nossos presídios com trafi cantes menores e usuários azarados”. “Foi muito importante fazer desta uma edição especial sobre essas políticas”, diz Nadelmann. “Eis uma publicação famosa por sua cobertura sobre artes e música não colocando uma celebridade na capa, mas sim palavras sobre a guerra às drogas.”
Com 15 mil palavras, o artigo “Como a América Perdeu a Guerra às Drogas”, escrito por Benjamin Wallace-Wells em 2007, narrou 35 anos de tremendo desperdício fiscal, ressaltando os excessos de US$ 12 bilhões por ano no governo George H.W. Bush. Ainda assim, como o editor Tim Dickinson notou em “Por Que a America Não Consegue Abandonar a Guerra às Drogas” (2016), “a infraestrutura mais profunda desse combate continua fundamentalmente inalterada com Obama”, que aumentou os gastos com agentes focados no combate a narcóticos, entre outras coisas. Segundo Dickinson, “a revista nunca teve medo de apontar a tremenda estupidez que a guerra às drogas tem sido”. Ele também lembra como a maconha medicinal foi recebida com espanto no início: “Repórteres da Costa Leste achavam que qualquer um que quisesse usar maconha medicinal era só um hippie tentando pregar uma peça nas pessoas”, mas, em 2010, “Marijuanamerica” (“Maconhamérica”), de Mark Binelli, lançou um olhar abrangente sobre como essa droga tinha se tornado uma força econômica, descrevendo um “momento singular e transformador” para “uma combinação estranha de bandidos honestos e negociantes escusos, rebeldes conscientes e homens assustadores e armados, todos agora tendo de adaptar suas habilidades peculiares a um cenário legal e lucrativo em constante mutação”.
A maconha medicinal agora é legalizada em 29 estados norte-americanos; oito estados e o Distrito de Columbia também permitem o uso recreativo. “É um mundo diferente daquele em que crescemos”, afirma Dickinson. Mesmo enquanto Donald Trump e seu procurador-geral, Jeff Sessions, indicam um desejo de voltar aos piores dias da guerra às drogas no país, Dickinson afirma: “Estamos observando para onde isso vai. Precisamos ser vigilantes”. Como Wenner diz: “Temos feito nossa parte e nosso público está conosco”.