Integrante do Legião Urbana convoca artistas a driblar a caretice e investe em outras frentes
Este é o ano de dado Villa-Lobos. O guitarrista do Legião Urbana completou meio século de vida, enquanto o disco de estreia da banda, homônimo, fez 30 anos. Além de produzir a trilha sonora de um novo filme, ele encontrou tempo para participar de uma bem-sucedida regravação de “Exagerado”, de Cazuza, e para lançar a
autobiografi a Memórias de um Legionário. Pela primeira vez, um integrante do Legião narra em livro os bastidores do grupo de Brasília que, capitaneado por Renato Russo, vendeu mais de 25 milhões de discos.
Como é ter meio século de vida e ter passado mais da metade desse tempo trabalhando com música?
Ah, eu pensava assim: “Pô, tá na hora de me aposentar” [risos]. Mas é incrível, realmente, dar esse valor, essa retrospectiva toda. Foram três anos fazendo o livro, e ao completar 50 anos o livro sai e você percebe realmente tudo o que aconteceu. Tive que viver um momento muito intenso da transformação social, política e cultural desse país.
Você esteve na linha de frente da renovação musical brasileira durante a redemocratização. Trinta anos
depois, que país é esse?
A gente vinha de uma ditadura,então a necessidade da liberdade de expressão era muito forte. Paradoxalmente, hoje, que vivemos em plena democracia, estamos em um momento social muito careta! Falta gente no meio da música ou, sei lá, da veia cultural, para falar alguma coisa. Não dá para uma rede de TV como a Globo cortar cenas de um casal homossexual de duas velhinhas porque uma igreja reclamou. E tem a maconha, o aborto, a redução da maioridade penal, que acho um absurdo. A questão é simples: educação. Ensinar, criar e proteger as pessoas com educação, não com presídios. O Brasil não está querendo discutir o Brasil. Estamos fugindo das questões primordiais.
Como foi regravar “Exagerado” com João Barone, Liminha e Kassin?
É muito louco ouvir a voz do Cazuza. O cara cantava muito, interpretava muito, foi incrível e muito interessante ouvir a alegria dele cantando, a disposição dele. Foi emocionante.
A Lucinha Araújo, mãe do Cazuza, disse à RS que ele é o artista mais importante daquela geração. Ela fez uma declaração que gerou polêmica: “Renato Russo era geneticamente triste, Cazuza era alegre”. No seu livro há várias passagens em que afirma que o Renato ficava meio baixo-astral. O que você acha?
De alguma forma, ela pode ter razão. Cazuza era um cara do Rio de Janeiro, de praia ensolarada, e o Renato veio daquela cidade do meio do Brasil, um lugar bem estranho. Eram dois caras fabulosos, que falaram muitas coisas que estamos falando agora. É claro que eles são diferentes, mas para mim – e eu sou extremamente suspeito – o Renato era muito mais denso e profundo.
Você recebeu alguns prêmios pela produção de trilhas de filmes. Agora está fazendo uma nova, de Muitos Homens num Só. Como é compor para o cinema?
É muito maluco esse negócio. Ele veio surgindo, foi acontecendo ao longo de 20 anos. O que acho fabuloso é que é sempre um desafio, uma descoberta, é sempre algo novo que acontece.
No livro você revela detalhes da trajetória do Legião. É bem presente o carinho pelo Renato Russo. Na capa, você se parece com o Lou Reed, que também é muito citado. São seus dois maiores ídolos? Pois é. Mas o primeiro é o Lou Reed, sem dúvida. E o John Lennon. O Renato foi o cara que fundou a banda e, claro, é uma presença enorme na trajetória da minha vida, a pessoa que me fez entender a relação da música com o ser humano. O Lou Reed fez isso comigo com o Velvet Underground e com o [disco solo] Transformer (1972). Mas o Renato foi físico, foi real: “A gente vai fazer um disco assim, vamos ter um grupo e ele funciona assim”.
O rock completou 60 anos. Quais bandas você curte hoje e qual o futuro do rock?