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E Agora, Bush?

Um painel de especialistas norte-americanos dá o veredicto: a Guerra do Iraque está perdida para os Estados Unidos, independente de qualquer decisão que o presidente possa tomar daqui para a frente

Tim Dickinson Publicado em 02/08/2007, às 14h28 - Atualizado em 01/09/2007, às 19h10

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Ilustração: Victor Juhasz
Ilustração: Victor Juhasz

Aguerra no Iraque ainda não acabou, mas, com bombardeios ou não, os Estados Unidos já perderam. Esse é o amargo consenso de um grupo de experts norte-americanos reunidos pela Rolling Stone para avaliar o futuro do conflito. "Mesmo que tivéssemos 1 milhão de homens, agora é tarde demais", diz Tony McPeak, um general aposentado que serviu durante a Guerra do Golfo.

Os especialistas desse encontro - incluindo diplomatas, analistas antiterrorismo e um ex-comandante de alta patente militar - concordam que uma explosão não acabará com a limpeza sectarista-extremista que assola o Iraque, enquanto a recém-empossada maioria xiita procura acertar resultados construídos durante séculos de opressão pela minoria sunita. Não adiantará nada neutralizar o barril de pólvora de um Curdistão (região autônoma do Iraque), com mentalidade de independência, que há muito vem brutalizando seus próprios separatistas curdos. E essa atitude só irá piorar a guerra global contra o terror. "Nossa invasão e ocupação criou um caldeirão que continuará a atrair nações do Oriente Médio em um futuro previsível," salienta Michael Scheuer, que comandou a caçada da CIA a Osama bin Laden.

O quanto as coisas vão piorar no Iraque - e que preço o mundo pagará, no final das contas, pela decisão do presidente norte-americano George W. Bush de prolongar a guerra? Para responder a essas questões, pedimos a analistas que montassem três cenários diferentes para o Iraque: o melhor que podemos esperar, o mais provável e o que de pior pode acontecer.

MELHOR CENÁRIO

GUERRA CIVIL NO IRAQUE E UMA AL-QAEDA MAIS FORTE

Zbigniew Brzezinski: Se estivermos dispostos a nos unir a todos os vizinhos do Iraque - incluindo o Irã - em um esforço regional para conter a violência, o melhor que podemos esperar é um Iraque que se mostre politicamente passivo, mas hostil aos Estados Unidos.

general tony mcpeak: A questão não é se vamos deixar o Iraque ou não, mas "quando vamos fazer essa retirada?" E todo mundo no Iraque sabe disso. Então, eles dizem: "Ótimo. Vamos estocar armas e esperar vocês saírem. E aí faremos o que queremos".

Essa atitude coloca em evidência o potencial caótico daquele país após nossa partida e virou uma razão para que fiquemos e lutemos.

richard clark: Tudo o que eles dizem que vai acontecer já está acontecendo. O Iraque já é uma base de terroristas e já está acontecendo uma guerra civil. Temos 150 mil unidades lá agora e não podemos parar.

nir rosen: Não há caso de "melhor cenário" para o Iraque. É uma completa anarquia - nenhuma família está a salvo de seqüestro, assassinato ou limpeza étnica - e todos vivem em constante estado de terror. Você pode ser morto porque é sunita, por ser um shia, por ser educado, por fazer parte do antigo regime, por ser do atual. Americanos ainda liquidam civis iraquianos a torto e a direito. Não há governo no Iraque, ele não existe fora da Zona Verde [onde ficam as embaixadas do Reino Unido e dos Estados Unidos]. Isso não é apenas um erro deles, é também uma falta nossa. Nós, deliberadamente, criamos um governo fraco para que pudéssemos ter palavra e autoridade final sobre tudo o que acontece.

michael scheuer: Mesmo em caso de melhor cenário, o desastre a que estamos assistindo agora não é nada se comparado ao que vamos ver depois que sairmos. A verdadeira questão é o interesse americano: quanto mais ficamos, mais gente morre. Não acho que quanto mais ficamos, mais podemos melhorar a situação daquele país.

O que deverá acontecer daqui para frente na guerra entre os sunitas do Iraque e os árabes shias quando partirmos?

juan cole: A guerra civil continuará por cinco ou dez anos, isso é inevitável. Mas o melhor cenário que se pode esboçar é que, no final, eles achem um meio de voltar a ser unos, como nação-estado, como o Líbano fez em 1989.

rosen: As pessoas falam sobre um processo de reconciliação, mas os shias do Iraque não querem nenhum acordo com os sunitas. Eles não têm que fazer isso. Haverá um genocídio de sunitas em Bagdá - os shias têm a força para fazê-lo. E os norte-americanos não são capazes de parar isso: não sabem nem diferenciar um sunita de um shia. O melhor que se pode esperar é que essa luta não se espalhe para os países vizinhos.

mcpeak: É preciso ter esperanças de que o Iraque restaure-se em um Estado federativo com três governos regionais fortes.

Então, se conclui que mesmo no melhor dos mundos, a rede Al-Qaeda tem uma base duradoura no Iraque?

paul pillar: O presidente faz isso parecer como se Osama bin Laden estivesse bem equilibrado para marchar Bagdá adentro, ir morar em um dos antigos palácios de Saddam e governar um Estado terrorista. Nada do tipo é possível. É bem verdade que daqui a cinco anos as mesmas pessoas afiando suas habilidades na província de Anbar, agora, possam formar a célula que vai desencadear outro "11 de Setembro". Mas isso vai acontecer independentemente do que façamos. Temos a melhor chance de minimizar esse tipo de problema caindo fora. Pelo menos, isso acaba de vez com o efeito negativo que nossa presença tem causado.

scheuer: Não importa o que aconteça agora, os islamitas terão que vencer ambos os superpoderes - primeiro, a União Soviética no Afeganistão, e agora os Estados Unidos no coração do Islã. O impacto disso sobre a civilização será enorme. Nós tornamos Bin Laden um profeta: seu conceito organizacional para a Al-Qaeda foi: "Os russos são muito mais duros que os norte-americanos na queda. Se nós podemos abater os russos, então, podemos, eventualmente, vencer os norte-americanos". E mais importante ainda: Al-Qaeda vai ter território contíguo à Península Árabe para poder atacar de lá.

Onde isso deixaria Israel?

scheuer: Os neoconservadores e sua Guerra no Iraque tornaram a segurança de Israel a pior de todas as épocas, de 1967 para cá. Você verá mais e mais gente, que não é palestina ou libanesa, tentando lançar ataques sobre Israel. Nada disso prediz boas coisas para o acordo de Paz no Oriente Médio.

CENÁRIO MAIS PROVÁVEL

ANOS DE LIMPEZA ÉTNICA E GUERRA COM O IRã

mcpeak: Vamos assistir a uma guerra que pode não acabar até que morram todos de um dos lados. Os curdos gostariam de ficar fora desse campo, mas não vejo como poderiam: especialmente na área de Kirkuk, onde estão sentados sobre montes de petróleo. Haverá uma limpeza genética como a que aconteceu em Kosovo - só que tudo escrito em letras bem maiores. E não podemos mais parar isso.

bob graham: Se você quer uma analogia, será uma versão mais intensa da guerra civil que varreu o Líbano por 15 anos.

scheuer: Não há mais nenhum limite para quantas pessoas podem morrer. Um milhão?

Então com qual governo o Iraque será deixado quando tudo tiver sido dito e acabado?

mcpeak: Uma ditadura shia, dirigida por algum tenente-coronel que nem conhecemos ainda. É uma espécie de restauração de um Saddam Hussein, com a exceção de que agora ele seria um shia, e talvez vestisse túnica religiosa em vez de uniforme.

É melhor esquecer a democracia?

pillar: Estabilidade e redução do banho de sangue é o nível das conseqüências e expectativas que deveríamos estar discutindo agora, não procurando pela Suíça no Rio Tigre ou algo que remotamente possa parecer com uma democracia liberal. Um Saddam shia - quase sem a mesma brutalidade, mas, ainda assim, um homem forte - é, na verdade, uma esperança.

chas freeman: A maneira mais eficiente de evitar assassinatos em massa é ajudar os xiitas a vencer rapidamente, consolidar a maldita ditadura e cair fora desse inferno. Os níveis de anarquia, ódio e distúrbio emocional são tamanhos que é muito difícil imaginar qualquer coisa que não seja um estilo do reinado Saddam de terror.

Onde isso nos deixa com relação ao Irã?

mcpeak: A influência iraniana vai ter crescido geometricamente. Nós que já éramos os perdedores nisso, agora nos tornamos os maiores perdedores de todos os tempos.

freeman: O efeito de nossas políticas tem sido o de fazer a área segura para o Irã, que agora acho que é a razão de nós estarmos ameaçando atacar o Irã.

rosen: Nossos aliados sunitas na região, os chamados estados moderados - ditaduras como a da Jordânia e Arábia Saudita - estão pressionando os Estados Unidos para mudarem de lado e apoiá-los. Estivemos trabalhando por isso, obviamente. Todo o desenvolvimento de uma nova guerra contra o Irã, que soa muito como o de 2002, é parte disso. Você não escuta mais nada sobre a Al-Qaeda no Iraque. Mais e mais o que escutamos é sobre o Irã e os shias.

graham: Essa administração parece estar se aprontando para cometer - em um nível mais expansivo e muito mais significante - o mesmo erro com o Irã que cometemos no Iraque. Se o Iraque foi um desastre, isso aqui poderia ser o Iraque multiplicado por 100. Estender isso até o ponto que possa se tornar o horror do século 21 está longe de ser exagero.

brzezinski: Se o conflito continuar sem nenhuma disposição norte-americana de acomodar-se regionalmente e cair fora, a guerra do Iraque vai se estender ao Irã. E, se nos envolvermos em uma guerra contra o Irã, isso levanta a possibilidade de um comprometimento de 20 anos - o que vai prolongar a violência no Iraque, no Irã, no Afeganistão e provavelmente no Paquistão. Não sou um profeta, mas, se o presidente não mudar o rumo, o prognóstico mais provável é o mais amargo.

PIOR CENÁRIO

3A GUERRA MUNDIAL

freeman: Isso poderia ser o equivalente islâmico aos 30 anos de guerra entre os protestantes e católicos na Europa dos anos 1600 - um cisma religioso que se transforma em desordem, mutilação, assassinato e massacre. As facções iraquianas obtêm o recuo de outros estados do Oriente Médio, enquanto conduzem suas lutas ideológicas e étnicas. Vai ser uma competição livre que se espalha além da zona anárquica do Iraque.

scheuer: Os xiitas no Irã não vão tolerar a re-emergência de um governo sunita no Iraque. E a última coisa que os sauditas, os kuwaitianos, os egípcios, os jordanianos e o resto dos estados de dominação sunita vão tolerar é deixar os shias controlarem outro estado rico em óleo, no coração do reino islâmico. E então veremos esses estados mandando armas e dinheiro para os guerreiros sunitas no Iraque. Para a Jordânia e o Egito, esta é uma oportunidade de ouro de enviar seus jovens ativistas políticos para a luta no Iraque, como eles fizeram no Afeganistão. É uma espécie de válvula de pressão das ditaduras: gente que estaria causando problemas porque seus governos não são islâmicos o suficiente estarão ativos no Iraque, lutando contra a última das heresias, os shias.

Isso poderia explodir em um conflito regional mais amplo?

clarke: Acho difícil seguir pelo cenário que cria a guerra regional mais ampla. Os líderes sauditas, jordanianos e sírios são todos racionais. Os iranianos, apesar do que possamos pensar deles, também são racionais. Então essa idéia de que qualquer um desses países vai querer ter uma guerra multi-nações é difícil de entender. Esse cenário de guerra regional mais ampla me lembra o efeito dominó do Vietnã. Sempre nos diziam, enquanto estávamos lá, que se caíssemos fora, isso iria resultar na queda da Indonésia, queda da Malásia, queda da Tailândia, queda das Filipinas, etc. Que, claro, não aconteceram.

graham: Discordo. Acredito que a possibilidade de que o caos no Iraque possa trazer países como o Irã ou Arábia Saudita para esse mix tem 40 ou 50% de chance de acontecer. O maior perigo está no que chamo de "A Síndrome de Agosto de 1914". O assassinato do Arquiduque Ferdinand em Sarajevo - o que estaria na escala de evento histórico menor - colocou em movimento atividades que se revelaram além da habilidade dos Poderes Ocidentais de exercerem controle. E acabaram em uma das guerras [a I Guerra Mundial] mais brutais da história do homem, por acidente. Se os sauditas entrarem pesado ao lado dos sunitas, como ameaçaram fazer, e os iranianos - diretamente ou através de grupos-sombra como Hezbollah - tornaram-se ativos em nome dos xiitas, e os turcos e os curdos criarem um conflito de fronteira, as chamas poderiam se espalhar por toda a região. O verdadeiro pesadelo [além do pesadelo que já existe] é se as imensas populações islâmicas na Europa Ocidental começarem a se inflamar. Isso viraria um conflito global muito delicado.

rosen: O Iraque será o campo de batalha onde o conflito sunitas-shias deverá ser travado, mas não se limitará a esse país. Vai se espalhar. A Caixa de Pandora está aberta. Não apenas a abrimos: jogamos gasolina e atiramos fósforos lá dentro. Você logo estará vendo jovens milícias sunitas desestabilizando países como Jordão e Síria - onde a irmandade islâmica sunita é muito forte. Levou dez anos para os palestinos se tornarem politizados e militarizados, quando foram expulsos da Palestina pela primeira vez. É provável que você veja algo como isso ocorrer nas imensas populações de refugiados iraquianos na Síria e Jordânia. O rei Abdullah, da Jordânia, está ressentido em ser cúmplice de Israel. Estou convencido de que a monarquia na Jordânia cairá por essa razão e Israel será confrontado por um Estado na linha de fronteira de sua mais longa divisa com um país Árabe.

scheuer: Não posso deixar de pensar que nós assinamos a sentença de morte da Jordânia. O país já está em azeite fervente por causa da opressão do rei por islamistas. Poderia transformar-se em estado policial, como o Egito, ou em um incoerente governo - que abre e fecha portas - como agora o Líbano está se tornando.

rosen: Você verá fronteiras mudando de lugar e governos caindo. O Líbano já está no precipício. Por toda a região, oficiais do governo são aterrorizados e ninguém sabe como parar isso. É a 3ª Guerra Mundial. Até onde conseguirá se espalhar? Em qualquer lugar de lá, existem movimentos islâmicos, como na Somália, no Sudão, no Iêmen. O Paquistão sempre teve lutas sunitas x shias. A afluência de refugiados iraquianos, em algum ponto, afetará a Europa.

mcpeak: O pior caso? Os sunitas do Iraque começam a ser cercados em uma esquina, depois, os governos sunitas - Jordão, Arábia Saudita - pulam dentro. Israel vê que está ameaçado por essas evoluções. Uma vez que eles se envolverem, aí todo mundo se envolve. E você também tem eventos nucleares disparando no Oriente Médio.

Sem querer ser grosso, mas preciso fazer esta pergunta... O que essa espécie de conflito, essa guerra que estamos vivendo, faz ao suprimento de petróleo mundial?

cole: Durante a guerra entre Iraque e Irã, Saddam e Khomeini não destruíram as capacidades de produção de petróleo um do outro - porque sabiam que isso transformaria cada um deles em país de quarto mundo. Mas se você tem guerrilhas multi-nações, elas podem fazer o que vêm promovendo no Iraque: atingir oleodutos de petróleo! A guerrilha não calcula do jeito que os Estados calculam, são radicais a ponto de assegurarem mútua e total destruição. Se sabotarem os oleodutos do Irã, da Arábia Saudita e do sul do Iraque, você já pode tirar 12% da produção de petróleo do mundo do mercado. Isso parece mais uma 2ª Grande Depressão.

mcpeak: Esse é o capítulo mais obscuro da nossa história. Seja lá o que mais aconteça, a posição internacional de nosso país foi fragmentada por gente que não tem a mínima noção de como esse inferno de mundo funciona. Os Estados Unidos vêm conduzindo uma experiência há seis anos, procurando, na verdade, validar a afirmação de que quem você elege não faz a menor diferença. Agora, nós sabemos o resultado da experiência [ele ri]. Se o cara é estúpido, isso faz a maior diferença!

Zbigniew Brzezinski foi Consultor de Segurança Nacional do Presidente Jimmy Carter.

Richard Clarke foi Czar do antiterrorismo de 1992 a 2003.

Nir Rosen é Autor de In the Belly of the Green Bird (No Estômago do Pássaro Verde), sobre a espiral do Iraque para dentro da guerra, falando do Cairo, onde tem entrevistado refugiados iraquianos.

General aposentado, McPeak foi membro do "Joint Chiefs of Staff" durante a

Guerra do Golfo.

Bob Graham é antigo membro do Comitê de Inteligência do Senado norte-americano.

Chas Freeman foi Embaixador na Arábia Saudita durante a Guerra do Golfo, presidente do Conselho de Política do Oriente Médio.

Paul Pillar: Antigo líder-analista de ações antiterroristas da CIA.

Michael Scheuer: Antigo chefe da unidade Osama bin Laden da CIA. Autor de Imperial Hubris (Excesso de Confiança Imperial).

Juan Cole: Professor de História Moderna do Oriente Médio na Universidade de Michigan.