Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

Em 2012, Springsteen conversou sobre Wrecking Ball com o apresentador Jon Stewart

Redação Publicado em 27/09/2013, às 12h51 - Atualizado às 12h53

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
#1153 (mar. 2012) - Divulgação
#1153 (mar. 2012) - Divulgação

Este foi mais um trabalho solo seu do que um disco da E Street Band. Qual foi o processo?

Basicamente, tudo começou como música folk – eu e o violão cantando as músicas, mas, enquanto fazia isso, ouvia talvez 50% do arranjo na minha cabeça. Então, no minuto em que parava de tocar, passava por todos os instrumentos e, em uma hora ou mais, elaborava o som que ouvia na cabeça enquanto cantava. Muito daquilo foi gravado com violão, voz e um sample, talvez como um loop de hip-hop ou um loop e batida de country blues. A bateria veio depois – não havia um conjunto preconcebido de instrumentos.

Perto do fim do disco, ouvir o sax de Clarence em “Land of Hope and Dreams” é como um soco no estômago.

Ele tocou lindamente. É uma perda que não dimensionamos, nem conseguiremos.

Ficou hesitante em fazer shows?

Não, eu sabia que tocaríamos e que a banda continuaria. Eu sabia que as pessoas precisam saber que a banda vai seguir em frente, ficar bem e continuar com seu serviço e seu entretenimento. A outra coisa será que as pessoas precisam sentir falta do Clarence – e sentirão, e eu também. Só que tudo o que isso diz é que as correntes da vida continuam com seu balanço, mesmo sobre o mundo onírico da música pop, e é assim que as coisas são. Somos como todo mundo, só estamos tentando compreender. Não sei o que vai acontecer na primeira noite em que subirmos ao palco, ou na décima, ou... Nunca se sabe.

Como a morte dele afetou o álbum?

O disco estava praticamente pronto, só que eu queria ter o Clarence nele. Na semana antes da morte dele, liguei para ele vir gravar quando voltasse de Los Angeles, onde estava trabalhando com a Lady Gaga. Tinha problemas com a sensibilidade nas mãos, estava preocupado e perguntou se poderia primeiro ir para casa, na Flórida, para ver isso. Foi a única vez em que Clarence recusou uma sessão de gravação. Falei: “Claro, faremos isso mais tarde”. Uma semana depois, ele estava no hospital, por causa do derrame. Fui até a Flórida e passei a semana com a família dele ao lado do leito. Ele nunca recobrou a consciência, mas nos primeiros dias apertava a minha mão quando ouvia minha voz. Então, as coisas pioraram. Depois do funeral, voltei para meu estúdio, para terminar o disco. O Ron Aniello [produtor de Wrecking Ball] me cumprimentou e, quando estávamos sentados à mesa de controle, ele me disse: “Lamento sobre o Clarence. Não sabia o que fazer quando recebi a notícia, então montei isto de uma das gravações ao vivo em estúdio da música”. Ele tocou “Land of Hope and Dreams” e, quando chegou a parte do solo, o sax do Clarence encheu a sala. Chorei. Então, ele está lá, por meio de uma magia técnica... Mas está lá.

Escreveram no New York Times que “We Take Care of Our Own” era ufanista.

Não sei quem foi, mas o jornal precisa de um jornalista de pop mais inteligente. [Risos]

Deve lhe remeter aos dias de “Born in the U.S.A.”, que foi tão incompreendida.

É. Não senti tanto isso neste caso em particular, mas você compõe a melhor música que consegue, lança e, depois, vê o que retorna. Parece que a polarização do país ficou tão extrema que querem te forçar a ser um “patriota” ou um “apologista” de mentira. O diálogo político com nuances ou a expressão criativa parecem ter sido prejudicados pela podridão do discurso político e infantilizaram nosso discurso nacional. Não concordo com isso e não vou escrever dessa forma.

Você escreve sobre pobres querendo ser ricos e ricos querendo ser reis desde os anos 70. Há uma universalidade atemporal. As motivações não mudam.

Durante a maior parte da vida, vi um aumento da desigualdade. Só está no noticiário desde o Occupy Wall Street, mas era algo que estava para acontecer há muito tempo e acho que vivi essa dinâmica na infância, e foi algo de que nunca esqueci. Sei o que é quando a figura masculina em casa luta para trabalhar, não consegue emprego, e a mulher da casa se torna a provedora principal. Essa era a minha casa.

O disco é bem sombrio, mas há uma sensação de esperança no final.

Todas essas questões não vão ser resolvidas imediatamente, é óbvio. Tenho fé de que, ao pressionar, prestar atenção, ouvir, ser vigilante e expressar preocupações e insistir que as coisas certas sejam feitas, você consegue fazer o mundo ficar um pouco mais próximo do que quer que ele seja para seus filhos. Você precisa ter fé nisso. Precisa ter uma visão clara, mas também o coração e a mente abertos, porque é necessário ter espírito, ter alma.

Você ainda consegue ser estimulado artisticamente. As coisas têm de ser cada vez maiores para lhe tocar ou sua musa ainda está tão em sintonia quanto antes?

Você tem de viver e ouvir. Não tenho grande conhecimento sobre hip-hop – escuto um pouco, sei alguma coisa –, mas ele encontrou caminho para estar neste disco. Você tem de deixar isso te afetar, tem de ser aberto e ver o valor, a magia que tem, e em algum lugar no futuro, talvez anos depois, haja um lugar na sua música em que você diz: “Sei do que isso precisa”. E aquilo está lá para você. Ouvir, prestar atenção, ser aberto – esse deve ser o desenvolvimento natural da vida adulta.

Adoro que você nunca deixou o rabo abanar o cachorro, o que é muito surpreendente para alguém do rock. Nunca o vi em uma roupa de Ziggy Stardust – você nunca foi assim.

Toda vez que tentei vestir qualquer coisa que não fossem as roupas entediantes que ainda uso, por algum motivo fiquei ridículo. Queria conseguir ter um pouco mais de exibicionismo.