A mente por trás de The Beatles: Rock Band fala sobre o game mais aguardado do ano e a atuação de Paul McCartney e Ringo Starr na concepção do lançamento
Duas semanas antes do lançamento do game The Beatles: Rock Band, Alex Rigopulos ainda não conseguia relaxar. O fundador da Harmonix, produtora que idealizou a série de jogos Guitar Hero, hoje é responsável pela verdadeira galinha dos ovos de ouro da indústria do entretenimento, concorrente da linha GH. O simulador, lançado mundialmente nesta quarta, 9 (mesmo dia em que chegam às lojas os discos remasterizados do Fab Four), coloca o fã em contato direto com a música dos Beatles, cantando, tocando instrumentos e acompanhando a carreira do quarteto em uma viagem de quase dez anos, dos porões do Cavern Club até as exaustivas seções de gravação no estúdio Abbey Road - tudo, é claro, virtualmente. Na entrevista a seguir, Rigopulos - que foi eleito pela Rolling Stone EUAuma das "100 pessoas que estão mudando a América" - falou sobre o contato direto com os ídolos, o tortuoso processo de produção do jogo e deu pistas sobre o futuro da música interativa.
A edição deste mês da Rolling Stone Brasil traz especial sobre os Beatles. Leia trechos.
Quais foram os desafios logísticos de The Beatles: Rock Band? Como foi encontrar Paul McCartney, convencer Yoko Ono a participar, e por aí vai?
Bem, primeiro de tudo, a pior e mais significativa dificuldade técnica foi: a Apple Corps deixou claro que se a gente quisesse criar um jogo, ele deveria cobrir toda a carreira dos Beatles, não apenas o material "mais recente". O desafio foi que, por causa da interatividade sonora e do fato de o jogador tocar vários instrumentos, nós precisaríamos das trilhas separadas das músicas originais. E o material mais antigo dos Beatles não existia nesse formato - os instrumentos eram todos gravados em um único canal, o que tornava impossível criar essa interatividade. Desde o início, já tínhamos essa questão: como isolaremos os instrumentos em canais independentes se foi tudo gravado em uma única trilha? Foi quando nos apresentaram Giles Martin, que é filho de George Martin, que na condição de engenheiro de som do estúdio Abbey Road, desenvolveu uma tecnologia que criava o isolamento de cada instrumento. Não havia esse tipo de tecnologia naquele tempo, então mesmo antes de começarmos uma conversa mais definitiva com a Apple Corps, isso tinha de ser resolvido. Conseguimos resolvê-la no fim das contas, o que acabou abrindo as portas para uma conversa criativa posterior. Além disso, é claro, quando você fala de projeto que é uma colaboração entre Harmonix, MTV, a Apple Corps e os quatro shareholders [como são chamados Paul, Ringo Starr, Yoko Ono e Olivia Harrison], é óbvio que há uma carga substancial de esforço. Mas foi um verdadeiro privilégio embarcar em uma colaboração criativa com eles. E foi o fato de eles terem participado ativamente que fez o game muito melhor do que poderia ser. Foi trabalho duro, muito duro mesmo.
Quer dizer que se Giles Martin já não tivesse já trabalhado nas músicas do musical Love, o trabalho teria sido ainda mais complicado?
Sim, isso mesmo. E o fato de ele já ter feito e criado arquivos digitais de todas as trilhas independentes, de todo o catálogo dos Beatles, e de estar bastante familiarizado com todas as músicas, tudo isso acelerou dramaticamente o processo. O envolvimento de Giles foi imensurável e nos levou ao ponto em que o projeto se tornou possível.
Você se lembra de algum dia durante o processo em que seu lado "beatlemaníaco" falou mais alto?
Sim, eu diria que foi assim na primeira reunião com os shareholders. Você pode imaginar o que eu sentia quando estava esperando por Paul McCartney entrar na sala [risos]. E os riscos eram altos, porque era tão importante para a equipe da Harmonix que fizéssemos esse projeto acontecer, que dá para imaginar que havia mais do que apenas um nervosismo associado a encontrar o Paul e o Ringo. Havia muita coisa em jogo. Eu diria que um dos grandes momentos para mim, do lado emocional, foi quando assisti a uma das "sequências de sonho" em ação - acho que foi a da música "Here Comes the Sun". Foi nesse momento em que, jogando o game e assistindo àquela cena, lágrimas começaram a escorrer de meus olhos. Eu percebi que a nossa visão estava se tornando realidade. Foi a primeira vez que pareceu verdade, tipo, que estava realmente acontecendo.
Dá para dizer que você tem um relacionamento com os caras agora? Você recebeu o que esperava deles?
Eu diria que as participações deles superaram minhas expectativas. Eu não conseguiria imaginar, no início do projeto, que teríamos tanto do tempo e da contribuição criativa deles. Minha expectativa é que talvez eles tivessem um papel mais passivo na produção. Mas foi incrível, uma verdadeira benção para a equipe, que eles dedicassem tanto tempo para o trabalho dar certo.
De maneira prática, como os games musicais estão mudando a indústria e a maneira como nos relacionamos com a música?
A coisa principal é: quando se curte uma música através de um game, você participa ativamente do processo de composição, se conecta à canção em um nível aprofundado. Você "entra" na música e compreende melhor os elementos usados para criá-la. O que estamos fazendo é conectar as pessoas ainda mais com as músicas que elas amam. Já em um nível mais amplo, em relação ao impacto na indústria musical: acho que o ato de ouvir músicas não vai mudar, muito menos o ato de ir a shows. Essas coisas todas continuarão a existir. Nós estamos criando um novo tipo de experiência que está recolocando o consumo da música como prioridade para as pessoas. Só espero que isso esteja fazendo bem à indústria musical.
Muitos músicos declaram que "as pessoas estão gastando dinheiro com música novamente" graças a games como Guitar Hero e Rock Band. Você acha que as pessoas estão mesmo gastando com música novamente?
Bem, não sei a resposta para essa pergunta, mas posso falar por experiência pessoal. Muitas pessoas conhecem certas músicas pela primeira vez com o Rock Band e acabam se apaixonando por uma banda, daí compram o CD ou a faixa no iTunes. Eu mesmo já comprei muita música como consequência de conhecer certos artistas através do jogo. Também sei que há uma tendência de, quando uma música é disponibilizada no game, acaba rolando uma grande procura logo em seguida.
Você acha que Paul e Ringo enxergam o game como uma maneira única de trazer os Beatles a uma nova geração de fãs? Ou você acha que houve um tempo em que eles só pensaram que era uma nova maneira de fazer grana, e daí isso foi mudando ao longo da produção?
Bem, é claro que não posso falar por eles. Não sei o que pensaram especificamente. Mas já te digo que jamais foi só uma maneira de fazer mais dinheiro. Você sabe bem que os Beatles sempre foram muito protetores em relação à música deles e à maneira com que ela é utilizada. Somado a isso tem o fato de que as canções nem estão ainda disponíveis para venda no iTunes, por exemplo. Outro aspecto interessante é que nós nem havíamos falado sobre os aspectos financeiros da relação até termos avançado bastante no projeto. Eles estavam muito focados nos aspectos criativos, para ter certeza de que fosse feito algo que representasse apropriadamente o legado da banda. Esse foi o foco de atenção por um bom tempo, muito antes mesmo de a parte financeira ser discutida.
Você acha que a nova geração de fãs de música ainda precisa de Beatles?
Com certeza. A música criada pelos Beatles foi a mais brilhante já gravada em todos os tempos e, no meu ponto de vista, sempre haverá espaço para isso, em qualquer geração. Eu me sinto muito privilegiado de poder fazer parte desse processo, de apresentar essa música de uma nova maneira e para uma nova geração de jovens. Acho que será incrível, e que você verá uma resposta fantástica desse público. É claro que os jovens já conhecem os Beatles, mas acho que a música da banda estará pessoalmente próxima deles pela primeira vez na vida. Estou muito otimista sobre como o game irá repercutir com essa geração.
E os críticos que dizem que esses games musicais só servem para encher a sala de instrumentos de plástico?
Há muitos analistas financeiros comentando sobre isso, mas é interessante... Nós não temos interesse em vender plástico. Para nós, vender esses instrumentos é um meio para alcançar um objetivo. Acho que se conseguirmos vender os jogos para um público que já possui as guitarras-joysticks, estará ótimo para a gente. Não estamos tão interessados nesse aspecto. O que é interessante para gente é diminuir as fronteiras do entretenimento musical interativo, e acho que há muitas músicas sensacionais que ainda não foram trazidas para os jogos. Também tenho certeza que há muitas novas maneiras de se jogar com a música nos games que ainda não foram exploradas. É nisso que a Harmonix estará trabalhando nos próximos anos.
A Rolling Stone norte-americana nomeou você uma das "100 pessoas que estão reinventando a América". Você acha que está mesmo?
Eu não me lembro especificamente do que se tratava essa matéria. Mas eu diria que a Harmonix está fazendo o que pode para ajudar a reinventar o entretenimento musical de uma maneira significativa. Uma das grandes razões de nossa existência é evoluir o entretenimento musical em larga escala, o que nesse caso significa fazer as pessoas começarem a brincar ativamente com a música, ou seja, entregar isso de uma forma que seja compreendido como "entretenimento musical". Se conseguirmos fazer essa mudança em larga escala, seremos bem sucedidos.
Quais são seus sonhos ainda na indústria de games? Quero dizer, você já conquistou grandes coisas, provavelmente o maior game de todos os tempos, mas acredito que tenha seus sonhos pessoais também. Trabalhar com alguém, criar algo diferente...
Bem, acho que primeiro de tudo, uma das grandes oportunidades oferecidas pelo jogo dos Beatles é trazer milhões de pessoas para dentro dos jogos musicais, pessoas que jamais haviam jogado games desse gênero, que foram atraídas pelo apelo dos Beatles.
Agora, sobre sonhos pessoais, não tem nada especifico que eu possa dizer para responder a essa pergunta... [pensa] Mas quero que a Harmonix continue a fazer novos jogos todos os anos, quero continuar a criar os melhores games já feitos. Continuar a superar os próprios limites e expandir a natureza do que é o entretenimento musical interativo, até um grau em que continuemos satisfatoriamente cumprindo essa ambição, ano após ano. Daí sim, acho que estarei realizando o meu sonho.
E se as pessoas continuarem a considerá-lo um "visionário"? Tudo bem para você?
Bem, se as pessoas pessoalmente continuarem a reagir positivamente ao trabalho que a Harmonix está fazendo, é claro que ficarei muito feliz com isso.