"Estou decidido a ficar por aqui o máximo de tempo que puder. Estou de olho em tudo. Vou ao médico ao menor sinal de qualquer coisa", diz ele
Há uma cena notável no início de Eric Clapton: Life in 12 Bars, documentário sobre a carreira do guitarrista, que resume a ascensão meteórica dele como prodígio do blues britânico e superastro mundial: Bob Dylan está no quarto de um hotel de Londres em 1965 vendo o John Mayall’s Bluesbreakers na TV e rasgando elogios ao guitarrista da banda – Clapton, na época mal saído da adolescência. “Ainda não consigo acreditar que é verdade”, afirma Clapton. “Pensei: ‘Ah, deve ter sido feito no Photoshop’.” O doc também tem cenas extraordinárias de Clapton com o Cream, entrevistas reveladoras com as mulheres da vida dele e sequências dolorosamente francas sobre as batalhas contra heroína e álcool e a morte acidental do filho dele, Conor, em 1991 – que inspirou a balada vencedora do Grammy “Tears in Heaven”. Só que Clapton, aos 72 anos, também está olhando para a frente, trabalhando em seu próximo álbum de estúdio.
Assistindo ao filme, como se sente de revisar a vida?
Não foi tão ruim quando vi pela segunda vez. Estava muito inseguro em relação a uma cena que mostra algo que aconteceu durante meu pior período: fiz comentários no palco sobre estrangeiros [em um show em Birmingham, na Inglaterra, em 1976]. Sendo o bêbado que era, desatei a falar.
Você pediu que a diretora, Lili Fini Zanuck, tirasse isso?
Simplesmente tenho de enfrentar o cara que me tornava quando estava movido a drogas e álcool. De certa forma, acho incompreensível ter ficado tão maluco. E não havia ninguém para me desafiar, porque talvez eu tivesse me tornado bastante intimidador. Teve gente que disse que não conseguia me enfrentar porque eu revidava com o dobro da força.
Tudo começa com seu tributo em vídeo a B.B. King depois que ele morreu em 2015, e isso também define o tom: muitos dos rostos e das vozes no filme – Duane Allman, Jack Bruce, do Cream, George Harrison – já se foram.
Nem quero pensar nisso. Estou decidido a ficar por aqui o máximo de tempo que puder. Estou de olho em tudo. Vou ao médico ao menor sinal de qualquer coisa.
Como está sua saúde? Na contracapa de seu último álbum, I Still Do, há uma foto sua tocando guitarra e usando uma luva sem dedos.
Tive eczema da cabeça aos pés. A palma da minha mão estava descascando e eu tinha acabado de começar a fazer este disco com o [produtor] Glyn Johns. Foi uma catástrofe. Tive de usar luvas com band-aids enrolados nas mãos.
Já pensou na possibilidade de, por causa de idade ou doença, não poder tocar guitarra novamente?
Eu aceitaria, porque tocar é difícil de qualquer forma. Tenho de começar pelo primeiro degrau da escada toda vez que toco, só para afinar. Depois, preciso passar por todo aquele processo de ficar com calos [nos dedos] de novo e coordenar.
Há uma ótima citação de B.B. no filme em que ele descreve a maneira como você toca: “É tipo encaixar peças em um quebra-cabeça”.
É como eu vejo. Crio uma porção de tempo para um início e um fim. Precisa ter sentido, formar uma imagem. Se deixarem, quando estou no estúdio repito várias vezes até achar que ficou o mais refinado possível. “Layla” foi assim, como montar um quebra-cabeça.
O quebra-cabeça fica pronto?
Nunca. Eu me lembro de uma noite na Filadélfia com o Cream. Foi perto do fim da nossa turnê [em 1968]. Sabíamos que estava tudo acabado. Só estávamos nos divertindo tocando e lembro que pensei: “Nunca será tão bom quanto agora”. Fico satisfeito? Por uma noite, sim.
Ed Sheeran falou que você foi o motivo para ele começar a tocar guitarra. O que diz a artistas mais novos como ele sobre enfrentar os perigos do sucesso?
Acho que não dá para dizer nada, sinceramente [risos]. Ed pediu meu conselho, e o que falei foi: “Vai devagar. Não faça tudo de uma vez só”. Só que ele parece comprometido em ir o mais longe que puder. Quer conquistar o mundo, mas para onde você vai depois disso? Nem sempre dá para ser para cima – para ninguém.