Vida e morte no oceano

Jack Johnson explica como tira alegria e tristeza do mar – da influência que a água tem na música às lembranças traumáticas, como o tsunami do Japão, que ele viu de perto

Por Paulo Terron

Publicado em 20/05/2011, às 14h14
<b>INSPIRAÇÃO</b> Jack Johnson costuma pensar nas letras das músicas quando está no mar. "O oceano, em geral, tem uma grande influência em mim" - AP PHOTO/BRUCE GILBERT
<b>INSPIRAÇÃO</b> Jack Johnson costuma pensar nas letras das músicas quando está no mar. "O oceano, em geral, tem uma grande influência em mim" - AP PHOTO/BRUCE GILBERT

Poucos artistas foram tão inspirados pelas águas do mar quanto o norte-americano Jack Johnson, que volta ao Brasil neste mês para fazer shows em oito cidades. Falando por telefone de Oahu, no Havaí, onde nasceu e vive até hoje, ele explicou melhor a relação que tem com as ondas.

Parece que a influência do Havaí, do mar, na sua música está crescendo com o passar do tempo. To the Sea tem muitas referências a isso. É deliberado?

O oceano, em geral, tem uma grande influência em mim. Como o mar aqui do Havaí é o que eu mais frequento, essa ambientação me influencia também. Mas é um lugar que me dá tempo para pensar. Escrevo muitas letras surfando. Quero dizer, não é que as escrevo literalmente, mas as imagino, crio lá. Antes eu até evitava usar referências oceânicas nas canções. Neste álbum pareceu, de alguma forma, mais natural fazer isso... Acho que boa parte disso foi porque este disco é para o meu pai, que faleceu uns dois anos atrás. Muitas das músicas são sobre como ele me influenciou. Jogamos as cinzas dele no oceano, então acho que isso passou a ser uma representação do meu pai para mim. Em diferentes aspectos o mar se tornou ainda mais significativo para a minha vida.

Considerando álbuns e trilhas, você lançou praticamente um trabalho por ano na última década. Você deve ter muita inspiração.

Às vezes fico meses sem escrever nada, e tento não me forçar a fazer isso. Não quero me pressionar a produzir. Muitas vezes só quero surfar ou fazer outras coisas. Acho que muita gente até chamaria isso de bloqueio de escritor, mas nunca tento escrever se não sentir que há algo ali. Para mim é como respirar: você inspira e expira. E isso só vem de suas experiências de vida. Então, não, eu não estou sempre escrevendo ou inspirado. Preciso ter algo que faça ver certa beleza na vida. Aí escrevo as canções.

Quando está compondo, pensa em como aquela faixa vai soar ao vivo?

Tento não pensar. Inclusive não escrevo muito quando estou em turnê. Aquele processo todo de tocar para as pessoas ouvirem não me deixa achar natural o processo de composição. Tenho este questionamento interno: "Por que estou escrevendo isto agora?" Se estou na estrada, aí penso em como aquela canção soará nos shows. Se estou em casa, consigo escrever algo para uma pessoa só. Se é de amor, para a minha esposa. Se é uma conversa com um irmão, um amigo, consigo focar naquela pessoa em questão para terminar a música. Acho muito importante fazer isso, pensar em uma pessoa só quando você está fazendo uma música - pelo menos para o tipo de som que eu faço.

No passado você disse ter vontade de aproveitar mais as viagens de turnê, conhecer os lugares por onde passa. Tem dado para fazer isso?

Sim, bastante até. Sempre foi divertido e tudo o mais, só que quando começamos, viajávamos eu, meu baterista e o baixista em uma van. Eu não tinha filhos e mesmo a minha esposa ficava em casa nesse começo. Aí começamos a ter grana para trazê-la também, tivemos filhos que passaram a viajar conosco... É uma diferença muito grande entre o antes e o depois. A tecnologia me ajudou muito. Antes tínhamos de fazer passagem de som em cada lugar, porque o sistema de cada casa de shows era diferente. Agora nosso cara do som viaja com uma mesa própria, já programada - então eliminamos esse processo. Quem faz com que eu aproveite mais hoje são as crianças, que sempre querem ir aos museus e às praias. Se fosse só eu, provavelmente ficaria no hotel dormindo, cansado.

Nas turnês você também trabalha com algumas ONGs. O que são esses projetos?

É, mas o que faz isso tudo acontecer é o time que trabalha comigo. Eu tenho as ideias, eles realizam. Trabalho basicamente com duas organizações: uma é a Kokua Hawaii Foundation, que cuida de educação ambiental no Havaí e também tem ideias para que a comida consumida nas escolas seja produzida localmente e, assim, acabe sendo mais saudável; e há outra chamada Johnson Ohana Charitable Foundation, que ajuda a sustentar boas ideias em música ou no meio ambiente.

E as ONGs locais?

Sim, também trabalhamos com elas. Na América do Sul, na última vez, trabalhamos com a Surfrider Foundation. Eles tinham um projeto de escola de surfe para crianças, um ambiente positivo, que dava ótimos exemplos de vida para elas. Mas desta vez ainda preciso checar como vai ser. Tenho um coordenador que separa os grupos para me apresentar.

Para encerrar, você também teve uma experiência negativa com o mar: estava no Japão quando o tsunami ocorreu. Como foi?

Foi assustador. Estávamos, eu e a minha família, no 29º andar de um prédio quando isso aconteceu. Os dias seguintes foram muito tristes. Foi uma lembrança do poder do oceano. As cenas ocorridas são muito difíceis de se assistir. E agora é muito ruim saber da radiação nuclear que está no mar, sendo detectada até no Havaí. É tão triste para mim quanto para qualquer outro ser humano... É a realidade, é o que acontece. É uma situação muito pesada.