Chico César canta sobre sentimentos particulares e coletivos
Em seu novo álbum, Estado de Poesia, Chico César mostra uma fina compreensão acerca das mazelas do Brasil. O veterano artista canta sobre o país com uma voz única, mas se espelha em Bob Dylan em uma canção que repercutiu com movimentos sociais.
“Estado de poesia” é um estado alterado de consciência?
É um estado de percepção alterada de dentro para fora, pela afetividade. E isso tem muito a ver com o fato de eu ter estado no meu lugar geopolítico [Paraíba], onde eu nasci, e ter voltado a entrar em contato com aqueles elementos que me são primordiais, depois de 25 anos vivendo em São Paulo. Para exacerbar essa alteração, me apaixonei por uma moça de lá, a Bárbara, e isso tudo ficou muito mexido.
Então o disco é uma declaração de amor?
O que eu chamo de lado A tem mais essa coisa do amor pessoal. No lado B há uma presença mais forte do ritmo e de um amor mais social, coletivo.
“Reis do Agronegócio” entra neste segundo lado?
A matriz é Bob Dylan, mas tem também o repente nordestino. Eu tinha dois caminhos: um deles era uma cantoria à la Elomar, barroca; a outra, à la Bob Dylan. Comecei a fazer como Elomar, mas eu notei que um certo barroquismo na harmonia e na melodia iria atrapalhar o que estava sendo dito. Concluí que tinha que me agarrar nessa coisa do Dylan do começo, de 1963. A faixa não estava no disco, que já estava mixado. Toquei a música para os sem-teto aqui em São Paulo e para os índios acampados em Brasília. Começaram a pipocar versões na internet e pensei: é tão difícil lançar um disco e uma canção agradar espontaneamente. Ela é importante para o momento
e entrou como bônus.
“No Sumaré” remete ao universo de Adoniran Barbosa.
A história dessa música aconteceu mesmo. Vieram dois caras morar na praça, um deles era travesti. Arrumaram o lugar, fizeram um jardinzinho. Um belo dia, onde tinha a barraca dos caras não havia mais nada. Disseram que um morador [do bairro] os expulsou de lá.
Viver em São Paulo influenciou a sua música?
Sim, de certa forma. Mas nunca desejei ficar nesse nicho da vanguarda. Eu queria me comunicar, queria que as pessoas cantassem a minha música mais do que queria que me admirassem. Acho que eu faço um tipo de música mais para celebrar, para as pessoas cantarem junto.