Britney Spears vivia em um conto de fadas. Mas ela não era a menina perfeita que todos achavam que conheciam
Uma popstar no shopping center é sempre motivo de alegria, ainda mais em uma tarde de domingo em San Fernando Valley, Los Angeles. Em um instante, os habitués do shopping Westfield Topanga estão lá no mundo real, entediados, escolhendo um novo tom de sombra de olho ou passando perfume no pulso, mas basta Britney Spears aparecer para todo mundo começar a dar risadinhas e gargalhadas, ter orgasmos e já pegar o celular para espalhar o segredo. "As pernas dela são finas mesmo", uma adolescente sussurra em seu aparelho enquanto a cantora espera na fila da loja Betsey Johnson Boutique, uma estilista pseudo-punk de vestidos de festa e saltos altos gritantes que fazem muito sucesso em bailes de formatura de escolas suburbanas de ensino médio. Pessoalmente, a beleza de Britney chega a chocar: pele viçosa, lábios de rubi - uma boneca de porcelana de 26 anos com proporções perfeitas e com cabelo péssimo. Ela abre caminho no meio da multidão com desenvoltura, como quando 20 mil fãs ardorosos a tomavam de assalto na saída de um show, com seu namorado paparazzo, Adnan Ghalib, a reboque.
Leia tradução da primeira matéria publicada sobre Britney na Rolling Stone EUA ("A Queridinha da América", de 1999) aqui, com exclusividade
Não tem muita gente na loja, só uma menininha com o irmão e duas loiras que examinam pulseiras douradas com penduricalhos. Britney examina as araras enquanto "Pictures of You", do Cure, toca nesse ambiente cor-de-rosa sufocante. Ela pega um vestido de renda rosa, alguns pretinhos justos e um top decotado vermelho com babadinhos, o tipo de coisa que Britney costumava usar o tempo todo quando tinha 17 anos, mas que realmente não é apropriado para qualquer pessoa que já tenha passado dessa idade. Então entra no provador com Ghalib. Ele sai com o AmEx preto dela. O cartão não passa, mas eles tentam várias vezes. "Por favor", Ghalib implora, "ande logo com isto."
Uma das moças corre até o provador, explicando a situação através de uma cortina de tule rosa. Um uivo sai do reservado: gutural, vil, o tipo de berro estridente animalesco que só se ouve no leito de morte de algum parente. "Mande essas vacas se foderem", grita Britney; cada palavra ecoa entre soluços. "Essas idiotas não conseguem fazer nada direito!"
Ghalib se apressa para consolá-la, mas ela já está louca: cospe, resmunga, joga uma garrafa grande de refrigerante no chão cujo líquido começa a se espalhar por baixo da cortina, mas ela logo pega uma caixa de lenços de papel e vai jogando tudo no chão molhado, junto com pilhas de mercadoria desprezada. Um outro cartão finalmente passa, mas a essa altura Britney já saiu porta afora, deixando sua camisa para trás, no chão, substituída pelo top vermelho. "Foda-se você, foda-se todo mundo, fodam-se, fodam-se, fodam-se", ela não pára de gritar, o rosto manchado e vermelho, enquanto atravessa o piso interminável
Do shopping center; a multidão que a segue só faz crescer. "Deixem a gente em paz!", berra Ghalib. As garotas saem correndo atrás de Britney para conseguir um vídeo para colocar no YouTube, e algumas das vendedoras saem correndo atrás dela para lhe entregar as compras; tem também uma turma grande de um casamento, todos usando camisetas amarelas, que pegam seus celulares e começam a registrar tudo. Um bolo de seguranças com camisetas pretas e plaquinhas de identificação douradas tenta manter a paz, mas a multidão que corre atrás de Britney não pára de aumentar, e agora as vendedoras quase a alcançaram, mas uma delas leva o maior tombo de cima de suas plataformas e esfola o cotovelo. Ela se ergue e encontra forças para dar um tapinha no ombro de Britney. "Hum, eu também sou do sul", ela balbucia, "e quero saber se posso tirar uma foto com você para a minha irmãzinha." Britney se vira para Ghalib e agarra o braço dele. "Não quero que ela fale comigo!", berra. Ela dá meia-volta e olha a menina bem nos olhos, os lábios quase tremendo de ódio: "Não sei quem você acha que eu sou, sua vaca", ela rosna, "mas não sou essa pessoa".
Se algo ficou claro em 2007, ano que marcou o colapso de Britney - a queda mais pública de qualquer astro na história -, é o fato de ela não querer ter mais nada a ver com a pessoa que achavam que ela era. Britney Spears não é uma boa menina. Não é mais a "Queridinha da América". É um monstro do pântano inato que fuma um cigarro atrás do outro, não faz as unhas, manda os repórteres pegarem suas perguntas e "comerem, cheirarem, lamberem, enfiarem" e berra com fãs que querem tirar uma foto com ela. É uma pessoa que não consegue viver de acordo com as regras sociais mais básicas: quando viu os dois filhos, de 1 e 2 anos, serem tirados totalmente de seus cuidados, sem nem mesmo direito de visita, foi a um Tribunal Superior de Los Angeles para tentar convencer o juiz a lhe devolver os meninos, mas então resolveu não entrar - e fez isso duas vezes. Ela é a celebridade perfeita para o declínio dos Estados Unidos. Assim como o presidente Bush, Britney simplesmente não está nem aí, mas pelo menos os norte-americanos não vão ter que passar o resto da vida consertando seus estragos.
Se Britney realmente fosse quem nós acreditávamos que ela era - um fantoche, uma loira sorridente sem nenhuma idéia na cabeça, uma lolita provocadora sem a menor noção de sua força sexual - nada disso teria acontecido. Claro que ela não é do tipo culto, que aprende com livros. Mas é inteligente o bastante para entender o que o mundo queria dela: que fosse criada como uma virgem a ser deflorada na nossa frente, para nossa diversão e emoção. Ela não tem vergonha de sua nova persona: quer que nós tomemos consciência do que fizemos com ela. Pode até ser que Britney esteja sofrendo de um surto adulto de uma doença mental genética (ou doença criada pela fama, ainda sem nome); ou que seja uma usuária "habitual, freqüente e contínua" de drogas, como o juiz declarou; ou que esteja se afundando em um poço infinito, mas não se engane: ela está adorando o caos que criou. A expressão em seu rosto quando faz micagens para os paparazzi - não se esqueça que o namorado dela é um deles - geralmente é de animação. "Durante anos, todo mundo manipulou Britney", revela uma amiga próxima. "Sempre tinha um joguinho. Se ela não queria sair do trailer, uma pessoa da gravadora chegava para mim e dizia: 'Por favor, fale com a Britney, faça com que ela se apresente, e a gente leva você para fazer compras'. Agora chegou a vez dela de jogar."
Mais do que qualquer outra estrela de hoje, Britney é a síntese do paradoxo da fama: amá-la, odiá-la, jamais ser capaz de deter seu poder de destruição. Ao longo do último ano, várias vezes pareceu que ela iria dar a volta por cima, o que não aconteceu. Começou em alto estilo - raspou a cabeça e na seqüência atacou um carro de paparazzi com um guarda-chuva -; continuou com entradas em clínicas de recuperação, um ensaio fotográfico para uma revista em que ela deixou seu cachorro fazer cocô em um vestido de US$ 6.700, causou um acidente de carro em que não parou para ajudar (a acusação foi retirada), uma investigação do Departamento de Serviços Infantis e da Família, a performance triste no VMA e as hospitalizações. Nem Michael Jackson conseguiu descer ao ponto de ser amarrado a uma maca com sua loucura registrada pelos helicópteros de reportagem. Antes da primeira hospitalização, Britney ficou trancada no banheiro com o filho mais novo durante três horas, só de calcinha, discutindo com policiais que tentavam lhe entregar um suéter. "Não me cubram", ela bradava. "Estou com um calor da porra." A assistente de Britney disse à polícia que ela exigia suas "vitaminas" (seu código para pílulas), mas não se sabe qual tipo ela anda usando.
Hoje, Britney está sozinha: arrogante, tomada pela ansiedade e paranóica, perdeu a confiança em todo mundo. "Ela faz com as pessoas a mesma coisa que faz com cachorros", conta uma amiga próxima. "Com todo mundo, há um instante em que ela tem um chilique e, de repente, solta: 'Não confio em você e não sei o que está acontecendo'." Ela não tem mais empresário, agente nem assessor de imprensa (a gravadora Jive Records já não fala mais diretamente com ela e o assessor de imprensa do selo encarregado de Britney se recusou a participar desta reportagem). Ela não tem mais cabeleireiro, consultor de imagem, controlador de crises nem motorista. Afastou a família: o irmão e o pai ("É triste o fato de todos os homens na minha vida não saberem aceitar o amor de uma mulher de verdade", ela explicou); a irmã Jamie Lynn, com quem raramente fala ao telefone ou vê; e, o mais importante, a mãe, Lynne, enxerida e difícil, que Britney considera venenosa. Famosa por dois livros adocicados com sacarina sobre sua relação fabulosa com Britney, Lynne agora tenta desesperadamente ajudar sua família, mas as iniciativas deram com a cara na porta: foi ela a força por trás da venda das fotos da gravidez de Jamie Lynn para a revista de fofocas OK! por US$ 1 milhão; também incentivou o terapeuta televisivo Dr. Phil a fazer uma visita a Britney na ala psiquiátrica do centro médico Cedars-Sinai. Ironicamente, talvez seja a família de Britney que consiga controlá-la agora, em colaboração com os médicos que aconselham sua permanência em ambiente hospitalar pelo prazo máximo que a lei permitir (ela teve alta do hospital no dia 6 de fevereiro deste ano).
Britney não teve permissão para ver os filhos em janeiro. De acordo com os termos do contrato pré-nupcial entre ela e o ex Kevin Federline, ele só receberia US$ 1 milhão de uma fortuna estimada em US$ 30 milhões, e sua única chance de obter ganhos futuros é com a retenção da guarda dos pequenos, apesar de as intenções dele serem consideradas como uma atitude mais honrosa do que essa. Federline atualmente recebe US$ 20 mil por mês e espera ficar com a custódia parcial, pelo menos - objetivo que seu advogado, o poderoso Mark Vincent Kaplan, está bem próximo de conseguir no tribunal do juiz Scott Gordon. No âmbito legal, assim como aconteceu nos outros aspectos de sua vida, Britney afastou todos que tentam ajudá-la - a advogada que cuidou do seu divórcio, Laura Wasser, largou-a há alguns meses, e o escritório que a tem como cliente, o Trope & Trope, pediu afastamento a certa altura. "A gente pode passar o dia todo dizendo a Britney que ela precisa obedecer às determinações do tribunal para conseguir os filhos de volta. E ela escuta o que lhe dizemos de maneira lúcida e racional", comenta um advogado. "Mas daí algo se desconecta e ela retorna na mesma hora, perguntando: 'Por que essa porra dessa pulga precisa do meu depoimento para eu agir como mãe dos meus filhos?'."
Existe um grupo de pessoas que ama Britney incondicionalmente, e cujo amor ela aceita: todos os dias em Los Angeles, pelo menos uma centena de paparazzi, repórteres e editores de revistas de celebridade correm atrás dela, a moça sem sutiã que gira pela cidade dando conta de tarefas hilárias de tão mundanas - ir ao posto de gasolina, passar na pet shop, tomar um café no Starbucks, comprar um remédio na farmácia Rite Aid. A economia multibilionária das novas mídias repousa sobre os ombros arqueados dela: as agências de paparazzi dos Estados Unidos estimam que Britney foi a responsável por 20% das coberturas feitas no ano passado. E não são só os fofoqueiros que correm atrás dela - um memorando recente que vazou da renomada agência de notícias Associated Press, que planeja adicionar 22 repórteres de entretenimento a seus quadros, anuncia que tudo que acontece com Britney é notícia (eles já começaram a preparar seu obituário, inclusive). Os paparazzi alimentam as revistas de celebridades, que alimentam a grande imprensa, enquanto fontes vendem o material mais pesado para tablóides britânicos. "Ela é, de longe, a principal pessoa sobre quem já escrevi no meu site", admite o blogueiro-celebridade Perez Hilton. Harvey Levin, fundador do site de fofocas de celebridades TMZ, afirma: "Nós serializamos Britney Spears. Ela é nosso presidente Bush".
Essa turma circula pelas ruas atrás de Britney, atacando-a com seus bloquinhos e câmeras e passando especulações malucas de uma locação a outra. Novos participantes entram nessa corrida do ouro a cada minuto, com gente do mundo todo abocanhando a sua parte: o mais novo integrante chamativo dessa turma é Sheeraz Hasan, um imigrante paquistanês-britânico que recentemente abriu o site Hollywood.tv com o apoio de investidores em nome de Vossa Alteza de Dubai. Muçulmano dedicado que vai à Mesquita na sexta-feira para rezar - e que também dirige um Lamborghini amarelo -, estava em sua peregrinação a Meca quando parou em uma cidadezinha ao lado de uma montanha para comprar uma garrafa de água e lá viu um jornal que tinha Britney na capa. "Para mim, pareceu que ela era a estrela mais importante do mundo, não Tom Cruise, não Will Smith", comenta Hasan. "Tudo que Britney faz é notícia - Britney enche o tanque, Britney esquece de colocar leite no café... e tem uma guerra rolando, cara!" Hasan percebeu que aquele era seu chamado para que montasse uma agência de paparazzi marcada pela novela de Britney como tema central: "Com a bênção de Deus, meu logotipo está na AP, no Entertainment Tonight e na CNN", salienta, com um ar bento. Ele se inclina e confidencia: "Vou levar Paris Hilton para Dubai - os xeques disseram que qualquer quantia de dinheiro que ela pedir está boa - e, em seguida, vou levar Britney", ele sonha. "Ela pode ficar com uma ilha só para ela!"
Tentar conseguir uma entrevista com Britney envolve um outro nível de insanidade: o amigo de uma amiga me arruma um contato com um fulano que, segundo ela, vai me apresentar a Britney, mas tem que ser imediatamente. O homem insiste que eu apresente um contrato assinado pela Rolling Stone e também vai querer dinheiro. Digo a ela que marque a reunião. Uma hora mais tarde, um dinamarquês bonitão, Claus, encosta em uma esquina de Beverly Hills - ele foi o anfitrião da festa de aniversário de 26 anos de Britney, um evento de troca de favores, na Scandinavian Style Mansion (Paris Hilton e Sharon Stone compareceram). Ele é o tipo de sujeito que faz a loja de roupas de celebridades Kitson abrir suas portas às 2h da manhã para Britney, como fez em janeiro (em mais uma imagem chocante da moça, ela chegou de meia arrastão sem saia, com manchas de sangue de menstruação na calcinha branca). Ele desce de um Porsche azul com uma camiseta em que se lê fuck rehab! [foda-se a desintoxicação!]. Parece que é uma escolha isenta de ironia. Pego a pasta com meu laptop.
"É o contrato?", pergunta, apontando para a pasta. E chega mais perto: "Está oferecendo US$ 2 milhões pela entrevista?".
Claro que eu tenho zero dólar para oferecer, mas resolvo entrar no jogo. Ele me diz para entrar no carro.
"Britney e eu somos muito, mas muito amigos mesmo", comenta. "Esse é o meu contrato para ela, um acordo de 1 milhão de dólares. Mas é tudo na amizade. Logo vamos sair de férias juntos, no jatinho, para um lugar supersecreto." Ele dispara por ruas cheias de curvas. "Estou totalmente de saco cheio de todo mundo nesta cidade achar que pode fazer com que celebridades compareçam a seus eventos em troca de um tubo de gloss labial grátis. As minhas celebridades recebem peles e diamantes de graça. A Britney é uma rainha." Ele suspira. "A mídia deve ter lucrado uns US$ 12 milhões com as fotos que foram tiradas da Britney na minha festa. E o que eu recebo? Alguém pelo menos podia me reembolsar pelo bolo."
Hoje em dia, pode até ser que Britney não se importe muito com o que pensamos dela, mas quando era mais jovem nada era mais importante do que sua imagem. Ela era uma criança ao estilo de JonBenét (a miss infantil assassinada aos 6 anos em 1996, nos Estados Unidos, caso que ganhou notoriedade mundial): desde muito nova, foi incentivada a entrar no circuito dos concursos de beleza pela mãe, Lynne, filha de um leiteiro que seguia os mandamentos da religião batista à risca e de uma noiva de guerra britânica que sonhava em fugir da vida de cidadezinha do interior em Kentwood, Louisiana. Lynne foi criada na cidade de 2.200 habitantes com o pai de Britney, Jamie, um jovem rebelde que dava cavalinho de pau com sua motocicleta na frente da sede dos Veteranos de Guerra no Exterior e que se divorciou da primeira mulher duas semanas antes de se casar com Lynne. A mãe dele cometera suicídio quando ele tinha 14 anos. A uma hora de distância de Nova Orleans e capital dos laticínios do sul até a década de 1970, Kentwood passava por seus últimos espasmos de morte durante a infância de Britney - poucas empresas, fora uma fábrica de engarrafamento de água mineral, abriram por lá na época. Lynne trabalhava como professora ginasial e Jamie como empreiteiro, com obras em Memphis (Tennessee), a algumas horas de distância de carro. Ele costumava passar os fins de semana em casa e bebia muito. "Jamie agora está sóbrio, mas, quando Britney era pequena, ele era um alcoólatra terrível", relata um ex-empresário. "Ela é produto de genética ruim, mas muito ruim mesmo."
Lynne adquiriu fixação pela filha talentosa, em parte como válvula de escape para a pressão do casamento. Aos 3 anos, Britney já estava matriculada em aulas de coral, dança e ginástica e, aos 6, tinha vencido o concurso Miss Talent Central States. Aos 8, a filha e a mãe pegaram a estrada durante oito horas para que ela fizesse uma audição para o Clube do Mickey em Atlanta. Ela era pequena demais para o programa, apesar de Ly-nne ter tentado fazer com que a produção acreditasse que ela tinha 9 anos - mas Britney chamou a atenção do diretor de elenco e ele recomendou um agente de talentos em Nova York. A família começou a acumular dívidas à medida que o setor da construção encolhia e as obras de Jamie minguavam, mas eles resolveram apostar toda sua fortuna no envio de Britney a Manhattan (Nova York). Nos anos seguintes, ela e Lynne dividiriam seu tempo entre Nova York e Kentwood, enquanto Britney fazia comerciais, atuava como protagonista em uma peça da Broadway, Ruthless, e se apresentava no programa de talentos infantis Star Search. A família declarou falência antes de Britney conseguir realizar seu sonho: aos 12 anos, ela conseguiu um lugar no Clube do Mickey, junto com Christina Aguilera e Justin Timberlake.
Depois de se esbaldar no mundo da adolescência casta da Disney, Britney aplicou suas habilidades a um público-alvo quase idêntico, com uma noção que se alterava rapidamente a respeito do significado da adolescência moderna. Graças ao boom da Geração Y, a música teen começou a explodir com os Backstreet Boys e as Spice Girls - a trilha sonora perfeita para o otimismo norte-americano pré-11 de setembro. Britney entrou nos quadros de Larry Rudolph, advogado do ramo do entretenimento transformado em empresário que estava no processo de aprontar o 'NSync com Johnny Wright, empresário do New Kids on the Block e do Backstreet Boys. Britney foi para a Suécia gravar com o maestro pop Max Martin, que já tinha composto seu futuro enorme sucesso "...Baby One More Time". Então, Britney retornou a sua escola evangélica no Mississippi. Ela adorava aquilo: jogava basquete e tinha um namorado bonitão, Reg Jones. Sabe-se que ela perdeu a virgindade com ele, aos 14 anos (Britney nega). Se isso fosse verdade, era um segredo que ela não podia contar, principalmente porque os planos de Rudolph incluíam comercializá-la como a Lolita adolescente dos sonhos dos tiozões de meia-idade. Em janeiro de 1999, Britney surgiu aos olhos do grande público com o vídeo de "...Baby One More Time", como aluna de colégio católico com fivelinhas de pompom cor-de-rosa na cabeça. O toque de gênio de sua criação foi o fato de seu próximo single ser uma balada; no vídeo, ela aparecia dançando com uma roupa branca em um píer - por ter surgido como uma menina fogosa. Ela entrou na dança. "Eu só amarrei a camisa!", declarou à Rolling Stone. "Estou usando um top por baixo. Claro que estou de meia até a coxa, mas as garotas usam isso - é a moda. Você assiste à MTV? Com todas aquelas meninas de fio-dental?"
Na estrada, Britney era humilde: lavava a louça e a roupa, chamava as mulheres mais velhas da equipe de apoio de "senhora". "Tirávamos Britney da cama às 6h da manhã e ela passava três ou quatro dias direto trabalhando em um vídeo", recorda Abe Sarkisyan, que trabalhou como motorista dela durante cinco anos. "Ela era querida, gentil e generosa, com um coração enorme e nenhum hábito ruim." Uma adolescente que vivia fazendo trapalhadas e tinha jeito de menininha, que mandava bilhetinhos enfeitados com flores para as amigas, que arrotava bastante e que gostava de pegadinhas. Britney era quase cômica de tão ingênua - fez uma cover de "Satisfaction", mas, quando se viu em um elevador com Mick Jagger, não fazia a menor idéia de quem ele era. Lynne desempenhou papel secundário na equipe empresarial ao longo dos anos, mas desapareceu ao lado da filha, para aproveitar a nova riqueza e para preparar as bases da construção estelar da carreira de Jamie Lynn, uma menina nada afeminada que estava mais interessada em sua Vespa do que em ficar famosa. Jamie não estava no quadro. "Britney se incomodava sempre que o pai estava por perto", lembra uma amiga. "Uma noite, ele foi ao backstage, totalmente bêbado. Ela ficou arrasada."
O primeiro grande golpe à imagem de garota de ouro foi o aumento de seios. De acordo com uma fonte que não quis se identificar, ela e Lynne tomaram a decisão de que ela faria a operação, partindo do princípio de que era uma exigência cultural, mas a imprensa não a perdoou (Britney já negou que colocou prótese). "Quando ela leu os jornais, ficou chorando na banheira, incontrolavelmente, perguntando: 'Por que todo mundo é tão mau comigo?'", conta uma amiga. "Foi muito doído passar por algo assim tão pessoal em público." Britney se arrependeu do implante, porque seus peitos ainda estavam crescendo e, quando seus seios naturais ficaram maiores, ela removeu as próteses. Britney Spears foi criada para mentir a respeito de si mesma", avisa Darrin Henson, que coreografou vários vídeos do primeiro álbum dela e "Genie in a Bottle", de Christina Aguilera. Com o tempo, ela foi ficando insegura. "Ela descia do palco depois de se apresentar para 15 mil, 16 mil pessoas e começava a chorar por achar que tinha sido péssima", comenta Henson. "Aquela menina não sabe quem é."
Os primeiros dois álbuns de Britney venderam mais de 39 milhões de cópias, transformando-a em uma ponta do triângulo pop formado com os Backstreet Boys e o 'NSync - os artistas que mais venderam na história da Jive. Alguns defensores de Britney argumentaram que ela era nova demais para ser forçada a fazer tanta coisa, e queriam que retornasse a Kentwood para se reconectar com as amigas. "Havia reuniões em que algumas pessoas brigavam para que Britney tivesse um descanso, mas no fim a máquina sempre vencia", lamenta uma amiga. "Britney também queria, mas não sabia qual era o preço a pagar." Quem defendia demais esse tipo de idéia era colocado para escanteio. Apesar de a imagem dela continuar imaculada, a cena era outra nos bastidores. "Muitos executivos ensebados que trabalhavam com a Britney deixavam um monte de gente do mal se aproximar - e eles ofereciam bebidas e drogas para ela, e ela achava divertido", prossegue a amiga. "Se Britney quisesse cair na balada para espantar o estresse, era isso que a equipe dela desejava."
O salvador de Britney foi Justin Timberlake, que ela começou a namorar lá por 1999. "Justin tinha a cabeça totalmente no lugar e a salvou daquele mundo", diz uma amiga. "Ele se transformou na grande força da vida dela, mas deu início a um padrão: ela começou a procurar caras que pudessem ajudá-la a se afastar das pessoas que a controlavam." Apesar de Britney ser uma das maiores estrelas do mundo e Timberlake na época continuar sendo só mais um carinha do 'NSync, o equilíbrio de poder na relação deles era sólido. "Ela não era competitiva no que diz respeito à atenção", recorda uma amiga próxima. "Só queria estar apaixonada por ele." Mais uma vez, seu empresário lhe deu instruções: o namoro tinha que ser abafado, e eles precisavam dizer a todo mundo que iam manter a abstinência até casar. "Eles viviam correndo do ônibus de um para o do outro, e uma noite Justin voltou para o ônibus e me disse: 'Cara, cheira os meus dedos'", relata Henson. "Eles tinham ido para a cama naquela noite." Demorou mais um ano para eles admitirem em público que estavam namorando.
Apesar de o mundo achar que Britney era uma menina inocente que assumia aquele jeito sensual na frente das câmeras, ela sempre queria parecer mais vulgar, achando que, assim, pareceria mais madura. Desde pequena, Lynne e Jamie permitiam que ela andasse pelada pela casa. "Todas as meninas nos Estados Unidos usavam tops decotados e shortinho bem curto e Britney achava que estava ficando para trás", comenta outra amiga. "Ela brincava, dizia que queria fazer um vídeo de topless." Seus empresários não queriam espantar os fãs. "Os homens de meia-idade se ligavam tanto no fato de ela não ser sexual que a empurraram para o outro lado", explica a amiga. "Mandavam ela colocar sutiã ou diziam que o brilho dos lábios estava escuro demais. Literalmente, escolhiam as calcinhas que ela usava."
Com o terceiro álbum, Britney foi informada de que poderia mudar - um pouco. Era a hora de ela entrar na fase "Not a Girl, Not Yet a Woman" [não sou menina, ainda não sou mulher], mas ela estava pronta para deixar tudo para trás. Todos os dançarinos e cabeleireiros gays da equipe viviam falando de sexo nos bastidores dos shows dela e um dia Britney se intrometeu: "Meu Deus, também quero transar gostoso! Quero que alguém me jogue na cama e mande ver!". O principal criador de sua turnê, o coreógrafo Wade Robson, concordou que estava na hora de ela aflorar. Sua curiosidade sexual a venceu e sabe-se que começou a ir para a cama com Robson, um amigo de Timberlake, que escreveu "Pop", do 'NSync, com ele (tanto Britney quanto Robson negaram o caso). Em fevereiro de 2002, Timberlake descobriu um bilhetinho amassado de Robson no quarto de Britney. Britney e Timberlake iriam se apresentar no Saturday Night Live naquela noite, e ficaram arrasados nos bastidores: ele se recusou a aceitar as desculpas dela. O rompimento foi terrível, principalmente porque foi seguido pelo divórcio dos pais de Britney, dois meses depois. "Ninguém se deu ao trabalho de chegar para Britney e dizer: 'Vamos dar um tempo, fazer uma terapia...", admite um ex-empresário assistente. "Achavam que ela simplesmente teria forças, que sacudiria a poeira e seguiria em frente."
Britney percebeu que a máquina não lhe traria mais satisfação - ela precisava de um homem. Deu início a sua busca desesperada por amor em casas noturnas com sujeitos nada apropriados como Colin Farrell, e no estúdio - o caso mais conhecido foi com Fred Durst, do Limp Bizkit, que rompeu a confiança dela ao se gabar das coisas que os dois tinham feito juntos no programa de rádio The Howard Stern Show. Sem uma forte noção de autoconfiança, ela adotava as características de qualquer pessoa que estivesse por perto no momento e, depois de beijar Madonna no VMA de 2003, resolveu que as duas eram cara-metade. "Britney e Madonna ficaram amigas depois do programa e ela começou a achar que era Madonna", solta um ex-empresário. "Ela dizia: 'A Madonna resolve sozinha tudo que vai fazer, comigo pode ser igual'. Mas ninguém precisa dizer a Madonna o que fazer. Já para Britney isso é necessário." (Britney diz a respeito de Madonna: "Talvez ela tenha sido meu marido em outra vida".)
Britney retornou a Kentwood para o Natal, em 2003, hospedada em uma casinha no terreno dos pais com amigos antigos, inclusive sua paixão de infância, Jason Alexander, que estudava na Universidade Southeastern Louisiana. Depois de brigar com Lynne certa manhã, enfiou os amigos em um avião e saiu para três dias de festa em Las Vegas - cocaína à noite, ecstasy de manhã e Xanax para dormir, de acordo com Alexander. Às 3h30 da madrugada do dia 3 de janeiro de 2004, depois de assistir a O Massacre da Serra Elétrica, ela e Alexander pegaram uma limusine verde-limão até a Little White Wedding Chapel, onde ela colocou uma liga branca por cima do jeans rasgado e segurou um buquezinho de rosas de papelão; os dois se casaram por US$ 40. Onze horas depois, ligaram para os pais para dar a grande notícia. Lynne tomou um avião para Vegas, o casal foi separado e advogados trabalharam na anulação. Mandado para casa com a falsa promessa de que Britney queria ficar com ele, Alexander não agüentou a visibilidade da vida pública e largou os estudos.
Essa era para ser a nova Britney, e ela estava desapontada de verdade, usando um anel de noivado como sinal de desafio. Lynne tentou aplacar a fúria da filha: no dia do Grammy, fez com que ela ficasse em Kentwood e a levou à igreja. Mas, em poucos meses, o chamado da estrada foi mais forte: Britney voltou a fazer turnê com o álbum In the Zone (2004), bem mais maduro, com músicas sobre sexo ao acordar e masturbação. Quando gravou o vídeo para "Everytime", entrou na toca do coelho: sua idéia era morrer em uma banheira transbordante, rodeada de pílulas e garrafas de bebida, para depois reencarnar como bebê. Ela estava lutando contra seus demônios, e queria que todos soubessem. A Jive insistiu em um método de morte diferente, de modo que ela saiu correndo dos paparazzi antes de se afogar na banheira. Britney estava obediente no primeiro dia de filmagem, mas, no segundo, recusou-se a sair do quarto de hotel. "Finalmente, Britney concordou em fazer aquilo, mas, primeiro, disse: 'Preciso de três Red Bulls, e liguem para o meu médico'", recorda uma amiga.
Ela encontraria sua alma gêmea algumas semanas depois, na pista de dança: Kevin Federline, um branco com trancinhas afro de 25 anos que tinha dançado nos shows de Timberlake, filho de um mecânico de Fresno (Califórnia), com um filho com a namorada, Shar Jackson, e mais outro a caminho. Era figurinha carimbada dos clubes dance de Los Angeles e não tinha um tostão no bolso: antes de conhecer Britney, o carro de Federline havia sido confiscado por falta de pagamento. Britney ficou maravilhada por ele - "em parte, porque queria pegar o carinha do Justin, roubar o lugar dele e jogar na cara dele", explica uma amiga - e o convidou para sua turnê, durante a qual fizeram tatuagens combinando de dados no pulso e passaram a filmar um ao outro de maneira obsessiva com câmeras de vídeo (essas imagens se transformariam na base do reality show dos dois, Chaotic). Como já não pensava mais em outra coisa mesmo, Britney ficou aliviada quando seu joelho cedeu no meio da turnê e a Jive anunciou que os médicos prescreveram quatro meses de descanso. Mas, na semana seguinte, ela pediu Federline em casamento (ele não aceitou, fingindo ter ficado horrorizado, e pediu sua mão alguns minutos depois), e os dois se amarraram imediatamente - as madrinhas usaram conjunto de moletom da Juicy Couture em rosa com a palavra "maids" (criadas) bordada; o dos padrinhos era branco e vinha com "pimps" (cafetões).
Duas semanas depois do casamento, Britney dispensou o empresário, Rudolph, e Lynne. "Kevin a convenceu que tiraria os aproveitadores da vida dela, e que eles iriam cuidar dos negócios juntos", lembra uma amiga. A vida a dois tornou-se seu principal negócio: venderam as fotos do casamento para a revista People por US$ 1 milhão e Britney começou a escrever um blog, cobrando assinatura de US$ 25. Deu à luz duas crianças com rapidez - Sean Preston, um ano depois de ela e Federline estarem casados (as fotos do bebê também foram vendidas para a People por US$ 1 milhão), e Jayden, um ano mais tarde (ela o manteve escondido durante meses, na esperança de arrecadar uma quantia mais alta, mas paparazzi a pegaram carregando-o no colo em uma praia em Maui, no Havaí). Seu interesse pela carreira fonográfica era mínimo - gravou três músicas em três anos.
Federline deu a Britney permissão para abraçar completamente seu lado vagabunda: ela entrava em banheiros de posto de gasolina descalça, jogava cinzeiros pelas janelas de hotéis, usava camisetas com frases engraçadinhas como "like i'm a virgin" (até parece que eu sou virgem), mas esta é uma camiseta velha e, o mais chocante de tudo, deixava as crianças andarem de carro sem cinto de segurança. Mas ele gostava da vida de luxo: comprou uma Ferrari prateada de US$ 250 mil com frisos customizados com suas iniciais e se chapava no estúdio de gravação que tinham em casa enquanto fazia seu álbum de rap. "Kevin não cumpriu seu papel de homem para Britney", conclui uma amiga próxima. "Ele era um moleque, dava as costas para ela para ficar com os manos dele e para curtir a fama." Ele fez com que ela voltasse a sentir várias de suas inseguranças - solidão, medo de abandono - e começou a cair na farra e entrar em um espiral descendente de novo, atribuindo seus ataques de choro à depressão pós-parto. "Quando Britney teve filhos, deveria ter dado fim a toda a loucura, mas não foi o que aconteceu", conta um amigo de Federline. "Ela se transformou em uma pessoa que só queria ouvir 'sim', e se você não fosse dizer isso era melhor sair da frente dela."
Federline não era o homem certo para Britney e ela pediu o divórcio por meio de mensagem de texto em novembro de 2006 (A resposta dele, rabiscada na parede do banheiro de uma casa noturna: "Hoje eu sou um homem livre - A esposa que vá se foder, me dá aqui as crianças, sua vaca!"). Ela recontratou Rudolph imediatamente, e ele a levou para patinar no gelo no Rockefeller Center, em Manhattan, para uma foto armada. Mas ela não estava pronta para voltar a ser menininha. Noite após noite, caía na balada em Los Angeles, perdida, vomitando em público, trocando de roupa com uma garçonete de um club e de strip-tease e, talvez seu ato mais perigoso de todos, saindo com Paris Hilton - as duas chegaram até a compartilhar um par de meias arrastão, cada uma usando uma perna, e ela copiou o hábito que Paris tem de mostrar suas partes íntimas - o que fez três vezes antes que Rudolph acabasse com a amizade entre as duas (o apelido que Paris deu a Britney: "The Animal", porque ela não pensa antes de agir).
The Animal teve que ir para uma clínica de desintoxicação: a Crossroads, de Eric Clapton, em Antigua, mas fugiu de lá no dia seguinte, em um vôo para Miami, de onde comprou uma poltrona em classe econômica para Los Angeles para visitar a família. Foi à casa de Federline para pegar as crianças, mas ele tinha unido forças com Lynne e Rudolph e se recusou a falar com ela até que Britney desse entrada no centro de desintoxicação Promises, em Malibu. Ela deu três voltas na casa dele, furiosa por ter de atender às demandas deles, antes de entrar em um salão de beleza qualquer em San Fernando Valley e raspar todo o cabelo, em chumaços - menos uma penitência do que uma libertação. Então, passou 48 horas direto acordada, andando de carro a esmo, virando dúzias de Red Bulls, com medo de estar sendo seguida por demônios, ou de que um carregador de celular estivesse gravando seus pensamentos, e escutando o rádio de maneira obsessiva, buscando notícias sobre a morte de Anna Nicole Smith, que ocorrera naquele mesmo mês. Aquele era seu destino, declarou: ela seria a próxima.
Depois da desintoxicação, Britney ficou profundamente enraivecida e descartou todas as pessoas que tinham argumentado a favor daquilo - seus pais, Federline, Rudolph, até antigas melhores amigas. Ela afirmava não ter problema nenhum com drogas e parou de retornar os telefonemas de súditos desleais, trocando os números de telefone. "Ela era a rainha dos movimentos-fantasma", admite a cantora Keri Hilson, que fez backing vocal para ela e é co-autora de "Gimme More". "Ela estava no banheiro em um segundo, daí a segurança ia pegá-la, e ninguém sabia onde ela tinha se enfiado." Um ex-guarda-costas de Britney afirmou em uma entrevista a um tablóide inglês que ela quase teve uma overdose com o cantor Howie Day, que conheceu na clínica Promises, em um hotel de Los Angeles - o quarto ficou destruído, foi encontrado um cachimbo de vidro ao lado de uma substância branca que, segundo o guarda-costas, seria cocaína ou metadona.
A Jive foi cautelosa ao marcar a apresentação de Britney no MTV Video Music Awards de 2007, mas era uma oportunidade promocional boa demais para ser desprezada. Britney assinou um contrato com a Firm para que gerenciasse sua carreira e começou a freqüentar a academia alguns dias por semana. No dia da apresentação, chegou com antecedência ao local. Timberlake estava ensaiando. De repente, ela se desmanchou e ficou nervosa, cheia de pânico, amedrontada: o que ele acharia da apresentação dela? E o resto dos colegas? Ela foi para o backstage e ficou andando de um lado para o outro em seu camarim, até que Justin bateu na porta. Ela se recusou a sair. Ainda não queria falar com ele.
Logo iria vestir sua peruca; talvez assim se sentisse melhor. O cabelo artificial estava esperando a chegada do mestre-cabeleireiro Ken Pavés, que criou as tranças falsas em cascata de Jessica Simpson - sete meses tinham se passado desde que Britney raspara a cabeça e seu cabelo verdadeiro tinha menos de 15 centímetros de comprimento. Ela só precisava ficar quietinha a tarde toda, enquanto a peruca era colada a sua cabeça, pedacinho por pedacinho, e depois ficar sem se mexer durante mais ou menos uma hora para assentar, e então voltaria a ser a velha e boa Britney.
De repente, declarou que não queria que Pavés encostasse nela. Pediu o assistente dele, mas o assistente não quis trair Pavés. Quando finalmente permitiu que ele entrasse uma hora antes de a apresentação começar, já era tarde demais para aplicar a peruca, então alguém catou o cabeleireiro de Nelly Furtado, que colou algumas madeixas loiras na cabeça dela. Britney passou pelo processo com seu biquíni preto de lantejoulas e então vestiu o resto da roupa, um vestido com corselete ao estilo Posh Spice. Então tirou, recusando-se a usá-lo. Ela queria subir no palco sem artifícios, o mais nua possível, para que nós a amássemos do jeitinho que ela era.
O topo da estrada de Mulholland Drive em Los Angeles é a beira de um buraco, uma queda vertiginosa em direção à destruição. A casa de Britney fica lá no alto, avulta-se sobre a cidade cintilante. Este é um dia de semana chuvoso, alguns meses depois do VMA. Ela sabe que estragou a apresentação - "Depois, ficava perguntando: 'Eu estava horrível? Eu estava horrível?'", conta uma amiga. "As coisas simplesmente são assim com ela: o pensamento é circular, maníaco" - e como ela não vai fazer nenhuma promoção para Blackout, seu mais recente álbum, além de uma entrevista de rádio de sete minutos, não tem muita coisa acontecendo. A Firm desistiu de cuidar da carreira dela, sem ter lucrado nada, porque ninguém na empresa conseguia falar diretamente com ela: quem atende seu telefone agora é Osamah Lutfi, também conhecido por Sam, um rapaz jovial de 33 anos que uma amiga de Britney descreve como seu "orientador de vida". Eles se conheceram em uma festa em 2007, e ele então ligou para a assistente dela na época, Kalie Machado, para um encontro em um Starbucks de Santa Monica. De acordo com Machado, Lutfi lhe disse que trabalhava como detetive particular para Federline e sabia que havia um grampo no telefone de Britney e um mandado de busca de apreensão de drogas para a casa dela em Malibu (o representante de Federline negou qualquer ligação). Duas ordens judiciais para que não se aproximasse de pessoas por assédio já foram emitidas contra Lutfi.
Mas é ele que tem mantido Britney em pé ao longo dos últimos meses, preenchendo a função de assistente e tentando ser empresário, conversando com a gravadora e dirigindo seu carro pela cidade. Sempre há escândalos ligados às pessoas que venderam Britney para revistas de celebridade: a assistente que ela se esqueceu de pagar, o guarda-costas que afirma tê-la visto cheirando cocaína e sempre andando nua pela casa, o universitário de 21 anos que ela agarrou sem a parte de cima na Jacuzzi do telhado de um hotel no centro de Los Angeles. Um novo boato aparece a cada dia: ela dá refrigerante para os filhos pequenos na mamadeira (cujos dentes ela também pediu a um dentista que clareasse), seu veneno preferido é o da cena rap do sul dos Estados Unidos, o "Purple Monster" (monstro roxo - vodca, Red Bull e o remédio de resfriado NyQuil), e ela tem um calabouço de sexo em sua mansão de Beverly Hills com chicotes exibidos em um jarro de vidro (e um grande baleiro coberto, cheio de cremes e brinquedos que ela chama de "prateleira dos prazeres"). Em seu estado combalido, Britney se tornou uma pessoa reclusa, de certo modo - nunca sai para jantar nem para dançar, passa a maior parte das noites no hotel Four Seasons, em Beverly Hills.
Ficou semanas dormindo lá quase toda noite e Lutfi geralmente permanece de plantão no térreo do hotel, assim como todo mundo que trabalhou nesta reportagem - o bar do lobby, com seu tapete vermelho, transformou-se no centro nervoso das Operações-Britney, com repórteres, paparazzi e advogados do processo de custódia que fazem reuniões com a esperança de que o objeto dos desejos de todos apareça caminhando por ali. Esse bar parece a ONU, com pessoas de uma infinidade de etnias, e todo mundo age com enorme seriedade. Em duas ocasiões diferentes, tomei café com integrantes do grupo de advogados de Federline. Aaron Cohen é um ex-soldado de Israel, que entrega intimações a alguns amigos de Britney, inclusive Lutfi, em paralelo com seu trabalho principal, que é ensinar técnicas antiterrorismo a equipes da SWAT. "Com Britney, penetrei nos círculos mais fechados de Hollywood", ele me revela. "Não foi diferente das ações antiterrorismo, no ponto em que trabalhei tanto com inimigos quanto com amigos." Também conversei com Michael Sands, o representante para a mídia do advogado Kaplan, que me presenteia com uma lanterninha-chaveiro com uma foto do Pentágono, um brochinho do FBI e outro da CIA e uma moeda comemorativa da Marinha - dá para pensar que ele trabalha para um ou todos esses departamentos governamentais. Os boatos no lobby dão conta de que o governo está de olho em Lutfi, curioso a respeito de sua conexão com os sauditas.
O amigo dinamarquês de Britney, Claus, também faz uma aparição no Four Seasons, com dois colegas de trabalho. Gostariam de conversar sobre os US$ 2 milhões que agora, por alguma razão, todo mundo cita como sendo US$ 1 milhão. É assim que vai ser, eles explicam: eu entrego o dinheiro, que ficará retido como garantia. Britney saberá que não receberá nada até terminar a entrevista e a sessão de fotos (eles vão ficar com uma porcentagem pelo serviço prestado, a ser paga independentemente de ela aparecer ou não). Eles estarão presentes no estúdio fotográfico, para deixar Britney feliz - tenho que levar cinco fotógrafos, cinco cabeleireiros e cinco maquiadores para ela escolher. Eles fazem isso o tempo todo: acabaram de levar Paris Hilton a Moscou e fecharam o negócio para a participação de Britney na festa de Ano Novo de 2007 na Pure, casa noturna de Las Vegas, um dos eventos em que ela desmaiou de tão bêbada. "Um contratado meu ficou atrás dela o tempo todo, segurando-a, naquela noite", um dos sujeitos se gaba. Ryan Sea-crest, o apresentador de American Idol, passa na mesa. "E aí, pessoal, o que está rolando?", pergunta. "Ryan ganhou US$ 3 milhões com a gente no ano passado", dizem depois que Seacrest se afasta. "É tudo entre amigos, só na amizade."
Na noite seguinte, Claus, mais uma vez com sua camiseta fuck rehab!, tem um novo plano: vai dizer a Britney que lhe dará todo o US$ 1 milhão. Eu entrego US$ 1 milhão para ele, e daí ele entrega para ela. "Assim, ninguém jamais vai saber que a Rolling Stone se curvou para pagar a Rainha Britney", conclui. Está muito satisfeito. Chama Lutfi para lhe informar. "Sam diz que a revista OK! ia pagar US$ 2 milhões por uma entrevista com Britney."
Claus sai em direção ao Citizen Smith, um bar de rock em Hollywood, para se encontrar com Lutfi e a prima de 26 anos de Britney, Alli Sims - uma alpinista social ingênua que deseja lançar um álbum próprio. Está acontecendo a festa de aniversário de Jason Kennedy, um repórter do canal E! que pode ou não estar namorando Sims. "Nós realmente só queremos alguém que conte a verdade", esclarece Sims. "Britney é uma moça tão boa..." Ela contorce o rosto, pensando em coisas bacanas para dizer. "Britney nunca fala mal de ninguém pelas costas, jamais, é sério", avisa.
"Essa é uma das melhores características dela", Lutfi concorda. Ele se vira para mim. "Só para você conseguir entender uma coisa no que diz respeito à cabeça dela, Britney não precisa fazer mais nada na vida. O negócio dela comigo é que ela não quer que eu a defenda contra nada de falso que sai nas revistas. Mas ela compreende que essa é a maneira que elas têm de ganhar dinheiro, porque também foi assim que ela fez o dela. Então, ela real-mente não se importa mais."
"Vamos precisar aprovar o texto de antemão", orienta Claus. "Além do mais, Britney tem um amigo que é fotógrafo e nós queremos que ele faça as fotos", emenda Lutfi. Reflete por um instante. "Sabe, isto aqui é muito mais do que uma reportagem de revista - ela está me contando a história dela, e eu estou escrevendo tudo. Daria um ótimo livro!"
É 1h30 da manhã e o bar está fechando. As luzes se acendem e nós trocamos abraços de despedida. Depois de explicar a Claus que não há dinheiro nenhum, escrevo para Lutfi várias vezes explicando que continuamos muito interessados em entrevistar Britney para contar seu lado da história. Nada de resposta.
Quando 2007 vai chegando ao fim, Britney realmente começa a se deliciar com as perseguições dos paparazzi. Ela roda pela cidade durante duas ou três horas por dia, conduzindo os paparazzi meio ao léu para diversos locais onde possa interagir com eles só por um instante e logo pular de volta para dentro de seu carro. Uma caçada a Britney é mais divertida do que um passeio de montanha-russa, mas com a possibilidade de que a experiência cause danos duradouros. "Britney é a missão mais perigosa de Hollywood", solta Levin, do site TMZ. Há cerca de 20 paparazzi no cerne da missão que acompanha Britney: eles formam um grupo de brutamontes hilários e levemente assustadores que usam suas habilidades de especialistas em corrida de arrancadas para bloquear novatos que tentem entrar no bolo. Parece um jogo de Frogger, com todo mundo se acotovelando para ser o primeiro carro atrás de Britney, para ter a melhor visão dela quando ela parar (e daí tomar cuidado com os pés, porque vários deles já tiveram que usar muletas depois que ela sai a toda). "Ela é louca", solta Craig Williams, um fotógrafo do site Hollywood.tv. Williams, antigo criador de beats para a Death Row Records, com uma trança comprida que serpenteia pelas costas e diversos anéis prateados nos dedos, sai na frente na maior parte das vezes, no encalço do Mercedes SL65 dela. Quase todos os paparazzi dirigem jipões SUV alugados, a maior parte deles com amassados e riscos na lateral, porque ninguém quer estragar o próprio carro. Um saco plástico se dependura na porta do porta-malas do SUV à nossa frente - o paparazzo o usou como lixo o dia todo e esqueceu de jogar fora.
Britney entra na garagem de sua casa e Williams fica esperando na rua. Coloca Blackout para tocar no som do carro. "Vamos evocar Britney", ele diz. "Ela vai sair depois de consumir suas drogas ou trocar de roupa, não necessariamente nessa ordem", ele brinca e acende um cigarro. "Hoje a perseguição ainda não bastou para ela." Uma hora depois, o Mercedes branco passa zunindo e é dada a largada: para cima e para baixo de Coldwater Canyon e atravessando Mulholland Drive durante uma hora, com os paparazzi correndo atrás. Então, ela sacaneia e volta direto para o lugar de onde veio. Os outros carros se perdem quando ela dá duas voltas em um supermercado Ralphs, larga sua assistente no Starbucks e sai correndo rua afora, passando um sinal vermelho. Williams pega sua câmera de vídeo.
Ela acena e dá oizinho. "Ei, Brit, ouvi seu CD novo", comenta Williams. "É demais! Bom trabalho. Os vocais estavam certinhos, menina."
"Eu sei", Britney grita. "Eu sou foda."
Williams ri. "Você é foda!"
"Eu sei, querido", ela berra, com um sorriso acanhado. "É duro ser gostosa deste jeito."
"Nem me diga", ri Williams. "É a Britney, porra!"
Esse tipo de flerte é uma ocorrência diária e ela começa a examinar a amostra em busca de um cara - entre todos eles. Adnan Ghalib é o mais gostoso, e ela sabe disso. Ele é um afegão britânico que alega ter lutado para o Mujahdeen e tem cicatrizes para provar, um gostosão de 35 anos de óculos escuros Gucci (muito mais agradável pessoalmente do que no noticiário). Certa vez, Britney o convidou para entrar no banheiro de uma sanduicheria Quiznos; a mulher dele deu entrada no pedido de separação e ele já disse que planeja se casar com Britney e engravidá-la. O inimaginável acontece uma noite antes do Natal, quando Britney resolve que está farta de ficar sozinha - pára o carro na Pacific Coast Highway, pula para dentro do carro de Ghalib, veste sua peruca cor-de-rosa e o leva ao hotel Peninsula para um "almoço" fora de hora, como ele chamou aquilo.
Nos últimos anos, Britney implorou a amigos que a ajudassem a fugir, para deixar tudo para trás e se tornar produtora de moda ou professora, ou para se mudar para uma ilha onde possa trabalhar em um bar (mas rumores indicam que a cantora já está em fase de ensaios de sua nova turnê). Ghalib a ajuda a realizar seu sonho, iludindo os paparazzi durante semanas, em perseguições violentas e aterradoras. A relação só está começando a se fortalecer quando Britney é levada para o hospital pela primeira vez e, assim que recebe alta, Ghalib foge com ela para ziguezaguear pela costa oeste, parando em Palm Springs e no México (onde eles teriam se casado em janeiro deste ano) com um amigo dele. Ghalib entra em contato com a Rolling Stone por telefone porque é fã da revista.
"Você tem que entender uma coisa sobre Britney", esclarece, para defender o lado dela da história. "As pessoas se voltaram contra ela. Só estavam presentes quando as coisas estavam boas. Ela sabe que as pessoas que tinham a responsabilidade de cuidar dela a abandonaram e se sente muito magoada por causa disso."
Um cabo de guerra se instala entre Ghalib e Lutfi pelo controle sobre Britney e, no dia 20 de janeiro, quando Ghalib vai a um enterro no norte da Califórnia, Lutfi convida alguns paparazzi de uma agência amiga, a X17, para visitar a casa de Britney e mostra o que alega ser um mandado judicial para que Ghalib não se aproxime dela. "Ele dobrou o papel para ninguém conseguir ver o que estava mostrando", explica Ghalib, dando risada. "Ele é bom, é muito bom no que faz." Lutfi espalhou boatos de que Ghalib dorme no sofá quando está na casa de Britney. Um paparazzo pega uma mensagem de texto em que Lutfi escreve: "Você vai desencadear uma onda de loucura. Se continuar a ter qualquer contato com ela, vai matá-la. A decisão é sua".
Britney se vê exatamente no lugar em que estava anteriormente: mais uma vez, há controle, pressão, brigas. Ela discute com Lutfi e Ghalib se prontifica a salvá-la, mas Lutfi chama a segurança para retirá-lo da propriedade. Lynne chega, começa a arrastar a filha pela cidade afora, e Britney começa a enlouquecer, chegando a passar 60 horas sem dormir. No dia 30 de janeiro, ela volta para casa depois de passar o dia em Beverly Hills e conversa com um psiquiatra, de acordo com a agência X17. Colocam a notícia no ar às 23h: ela tentou suicídio.
Setenta e cinco paparazzi se aglomeram nas entradas do condomínio fechado de Britney, batendo os pés para se esquentar na noite fria de inverno, enquanto um helicóptero da polícia faz círculos no céu. "Ninguém vai querer perder a cena de uma ambulância saindo com um saco preto na traseira", diz um fotógrafo francês, conferindo a bateria. Esse pessoal está esgotado depois de tudo que aconteceu. "A Britney não pode morrer, porque daí eu não recebo!", diz um sujeito com boné estampado com a bandeira dos Estados Unidos. Alguém sai correndo pelo quarteirão, e todo mundo corre atrás; escondem-se na entrada de uma casa e dão risadas quando os retardatários alcançam. Apesar de ela aparentemente não ter tentado cometer suicídio, os médicos estão a caminho mais uma vez: policiais e atendentes médicos saem de carros enquanto guardas metropolitanos fecham todas as entradas da casa dela, colocam 20 policiais na frente da garagem e a tiram de casa (o codinome dela: "O Pacote") sem que nem uma única foto seja feita. No dia seguinte, os pais entram com pedido judicial para que Lutfi não se aproxime dela.
Um mundo sem Britney, em que a popstar seja escanteada em uma clínica de desintoxicação ou em um centro psiquiátrico, é difícil de imaginar: ela é a representação mais vívida dos excessos da última década. Britney não achava que haveria um amanhã para o qual valeria a pena se preservar, nem nós. Depois de culpar todo mundo por seus problemas, ela finalmente está começando a se dar conta do tamanho da bagunça que armou, mas sua empáfia impede que admita isso a si mesma ou a qualquer pessoa que tente ajudá-la. Queremos que ela sobreviva e desabroche, que evolua e que seja capaz de nos dar orgulho mais uma vez. Ou, talvez, simplesmente não desejamos que o show acabe. "Olhe para George Foreman: ele é o peso-pesado mais velho que já viveu", recorda Ghalib. "É isso que Britney vai ser. Ela colocou a coisa da melhor maneira para mim: se recusa a continuar vivendo sua vida refletida nos olhos dos outros." Então, ele assume tom grave. "Seja boazinha com ela. É um pedido pessoal."
Reportagem feita com a colaboração de Nicole Frehsée, Brian Hiatt e Colin Stutz.