Guillermo Del Toro vive em um mundo à parte. É fácil notar isso ao conversar com o diretor: falante, sempre empolgado e atencioso, ele também tem uma enorme capacidade de se distrair com detalhes que passariam batido pela maior parte das pessoas. Vestido de forma quase desleixada – uma camisa por cima da camiseta, os óculos de grau reforçando a imagem de nerd –, ele não se encaixa ao ambiente hipster-chic do W Hotel, em West Hollywood, em Los Angeles. Mas ele não parece ligar e discorre sobre o processo que levou a seu filme mais recente, Círculo de Fogo (que estreia no Brasil em 9 de agosto).
“Tivemos uns bons sete meses e... Olha aquele helicóptero!”, ele exclama, parando bruscamente e se levantando para observar melhor pela janela. “Caralho, é um Apache. Como é grande! Puta que pariu. Está vendo, atrás do guindaste?” E lá está a aeronave militar, apenas um pequeno ponto escondido no meio da névoa ca- liforniana. Ninguém mais prestaria atenção a isso, mas a excitação de Del Toro faz parecer que uma guerra poderia começar a qualquer momento.
É esse espírito que levou o mexi- cano (atualmente radicado nos Estados Unidos) a ter uma visão única, seja em projetos mais pessoais – a estreia Cronos (1993), o premiado O Labirinto do Fauno (2006) – seja em encomendas grandiosas, como os dois longas-metragens do personagem Hellboy. “Não vejo separação entre mim e o público”, ele explica. “O único que posso calibrar é este aqui [aponta]: eu só penso em mim. Tem gente que ama O Labirinto do Fauno e odeia Hellboy. Ou o contrário. Não importa, o único que gosta de ambos sou eu!” Essa paixão pelo trabalho acabou sendo benéfica – além de dirigir, Del Toro ainda produz, faz consultoria (mais recentemente, nos ainda inéditos Book of Life e Alma), escreve livros (a “Trilogia da Escuridão”) e está tateando um novo caminho em outro tipo de tela, a da televisão (com uma adaptação dos livros, The Strain, para o canal FX, e levando o mangá Monster para a HBO). “Sou um alcoólatra do trabalho? Sim, mas é possível”, ele afirma. “Não consigo pensar em outra forma de fazê-lo. É assim desde Cronos. Naquela época, eu estava fazendo o filme e já tinha uma produtora de efeitos especiais, fazia comerciais e outras coisas.”
A tal empresa, Necropia, era especializada em animação, especialmente na técnica de stop motion – o que, segundo o diretor, foi essencial para o trabalho dele em Círculo de Fogo, que conta a história de um planeta Terra invadido por Kaijus (os gigantescos monstros japoneses, mais famosos na imagem de Godzilla) e defendido por nada menores robôs (chamados Jaegers, na mitologia criada por Del Toro e pelo roteirista Travis Beacham). “E porque eu fiz aquilo, com a minha produtora, sei como lidar com os robôs e monstros de Círculo de Fogo hoje”, ele conta. “Consigo avaliar e criticar a pintura, as texturas, o design... Tudo porque já pintei, criei texturas e desenvolvi designs sozinho. Isso é muito útil no meu trabalho. E até hoje tenho um quarto em casa onde pinto modelos. Pinto e conserto meus brinquedos – se ele quebra, eu o reparo, pinto e coloco de volta na prateleira.”
É curioso notar que Del Toro usa, sem pudor, a palavra “brinquedo” ao se referir a action figures – algo que causaria arrepios em colecionadores e geeks que prezam por separar universos infantil e adulto. Para ele, essa divisão é indiferente – por isso o novo filme apela para fãs dedicados de ficção científica, mas não para um público-alvo de idade predefini- da. “Na minha cabeça, os filmes do Hellboy eram para criança. Ambos”, analisa, falando sobre os longas lançados em 2004 e 2008, que, juntos, arrecadaram mais de US$ 259.7 milhões. “Eu os fiz para crianças de 11 ou 12 anos. Não me preocupa nem um pouco, amo este filme tanto quanto consigo amar qualquer outro filme. Eu o adoro. Para mim, ele é tão pessoal quanto O Labirinto do Fauno. É maior, mas isso não quer dizer que seja impessoal.”
“Minha fascinação com o Guiller- mo é: quão geek alguém consegue ser? Em quantos níveis a mente dele pode atuar ao mesmo tempo?”, diz Idris Elba, ator britânico que está no elenco de Círculo de Fogo, no papel de um veterano do combate aos Kaijus. “Amo isso tudo. Ele se liga em cada detalhe, nada passa batido. É impressionante como alguém tão relaxado como ele pode ser assim.”
Pode soar como algo obsessivo, e é mesmo. Del Toro não faz questão de esconder como é dedicado ao que ama. Como tem passado muito tempo filmando em Toronto, comprou um loft por lá. “É bem pequeno e está lotado de coisas! E aqui em Los Angeles tenho duas casas: uma para mim, outra para a família. Tenho duas bibliotecas: uma já foi à Espanha, à Nova Zelândia e agora está no Canadá. É uma biblioteca inteira, são cerca de 3 mil livros repetidos. Quando gosto muito dos livros, compro duas cópias”, conta. Mas não é só isso. “Para os DVDs, tenho os discos físicos, que ficam nos Estados Unidos. Viajo com um HD que tem 1.600 filmes.” Além da família, Del Toro só deixa em casa a coleção de memorabilia de cinema e os brinque- dos. “Quando estou trabalhando, não preciso de brinquedos. Tenho outros diferentes para brincar”, ele explica, com um sorriso de quem considera o trabalho uma grande diversão.