Em Os Candidatos, Will Ferrell e Zach Galifianakis fazem rir à custa dos absurdos que acontecem na política norte-americana
“A forma como os operadores políticos usam qualquer coisa para atacar um ao outro é como uma luta livre ou reality show. As pessoas às vezes se interessam pelo candidato mais interessante ou pelo mais polêmico.” O cineasta Jay Roach poderia facilmente estar falando das excentricidades das eleições municipais brasileiras, mas o tema de sua afirmação é mesmo a política dos Estados Unidos. Mais especificamente, o cineasta justifica o comportamento excessivamente caricato dos personagens Cam e Marty no filme Os Candidatos , previsto para estrear no Brasil em 19 de outubro. “Não está tão longe da verdade, mas temos de exagerar”, explica Roach, um veterano tanto de comédias (dirigiu a trilogia Austin Powers ) quanto de produções políticas engajadas (o filme televisivo Virada no Jogo , vencedor do Emmy 2012, sobre a campanha republicana de 2008). “Por que não falar do assunto de novo, mas com dois dos caras mais engraçados do planeta passando merda um no outro durante uma campanha?”
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Will Ferrell interpreta Cam, um político caipira que, apesar de dizer e fazer as coisas mais absurdas em público, ocupa há anos um cargo no Congresso pelo simples fato de ser sempre o único candidato à vaga. Isso até que um grupo de lobistas precisa infiltrar alguém que cuide de seus interesses e lança a candidatura de uma marionete, o ingênuo e patético Marty (Zach Galifianakis). O foco da história é como cada um lida com sua primeira campanha de sedução dos eleitores.
Poderia-se esperar que uma entrevista com Ferrell e Galifianakis – ao mesmo tempo! – fosse tão trabalhosa quanto fazer duas crianças com desvio de déficit de atenção se comportarem apropriadamente em um jantar formal. Não chega a isso, mas, antes de os dois comediantes voltarem seu foco às questões graves nas quais Os Candidatos esbarra, ambos estavam mais concentrados no jarro de balas de goma que mastigaram o dia todo, enquanto conversavam com os jornalistas em um hotel em Nova York. A brincadeira era jogar os doces para o ar e pegar com a boca. Isso até alguém sugerir que era muito mais divertido lamber os ursinhos gelatinosos para que grudassem no teto. Recuperada a atenção, Galifianakis e Ferrell compararam os excessos caricatos de seus personagens e os absurdos reais das eleições.
Vocês são à prova de sentir vergonha?
Zach Galifianakis: [Risos ] Eu acho que meu limite e tolerância para sentir vergonha é muito alto. Estou disposto a passar vergonha, não me importo muito. Transformei isso em uma forma de ganhar dinheiro.
Will Ferrell: Essa é uma ótima pergunta, muito boa. Tem sempre um momento logo antes de você ter de fazer algo maluco em um filme em que acontece aquela transição entre ler no roteiro e estar se sentindo alheio àquilo (“ah, isso pode funcionar, será engraçado”) e se lembrar: “Ah, eu de fato vou ter de fazer isso.” Aí tem um pouquinho de vergonha. Mas não muita.
Galifianakis: Eu sinto vergonha o tempo todo, é só que estou disposto a superá-la. Sinto vergonha todos os dias, tudo que faço é uma vergonha.
O filme promete ser sobre o quanto políticos podem ser sórdidos, mas, ao fim dele, fica a sensação de que se trata de o quão estúpido chega a ser o eleitorado. Políticos podem falar qualquer coisa contanto que terminem com “Viva a América”. De quem é a culpa, do eleitorado ou dos políticos?
Galifianakis: [Risos ] Dos dois. A gente discutiu muito sobre como o público reagiria ao grau de ridículo. E acho que quando assistimos aos noticiários, as massas, as pessoas nesses eventos são tão intensas no apoio ao seu candidato que ele pode quase dizer qualquer coisa e a multidão vai ser tomada por um frenesi. Mas gosto dessa observação, porque acho que é isso também, tem muito a ver com as pessoas que estão votando, é um pouco nossa culpa. É essa gente que escolhemos.
Ferrell: Lembro-me de um exemplo excelente: na convenção republicana na última campanha de [George W. ] Bush, Arnold Schwarzenegger era o governador da Califórnia e foi lá discursar. Reuniram frases de papéis dele no cinema e tudo que ele fez foi dizer coisas do tipo [imitando o sotaque de Schwarzenegger ] “Nós vamos dizer a esses democratas ‘Hasta la vista’” ou “Vamos exterminar os impostos”. Mostravam o público e as pessoas estavam apoiando, empolgadas. E até os críticos falavam: ‘Diga o que quiser, mas ele tem carisma, nasce uma estrela’. Não! Ele não falou nada. Foi isso que nos fez rir de “América, Jesus, liberdade” [uma espécie de slogan que o personagem de Ferrell no filme usa para satisfazer as massas ]. Isso não é ter uma plataforma. É falar, ter palavras.
Zach, esse personagem é uma espécie de alter ego seu. Essa é sua forma de tentar fazer a diferença?
Galifianakis: Não exatamente, não me levo tão a sério. Recolher lixo na beira da estrada? Claro. Mas isso é muita responsabilidade. Talvez um dia eu seja responsável assim. Com este filme a gente só queria entreter e, talvez, o público saia do cinema e tenha alguma discussão a respeito de algumas coisas que, para nós, são óbvias. Como o fato de que muito dinheiro é gasto nessas campanhas, que duram demais, e essas coisas não são boas para o povo, somente para grupos interessados.
Will, você tende a interpretar personagens que não só são idiotas, como também não fazem ideia de que são idiotas. Essa é a epítome desse tipo, em termos da proporção de idiotice e falta de noção?
Ferrell: [Risos ] Talvez seja. Cam Brady se acha muito, e ele nunca teve de se preocupar com nada, porque nunca teve um opositor. Essa é a primeira vez que temos que vê-lo em ação, fazendo campanha, e ele percebe que talvez não seja tão talentoso quanto achou que fosse. Esses são personagens divertidos de interpretar.
Você acabou de fazer Casa de Mi Padre. Filmes políticos no México tendem a terminar de forma trágica, com todo mundo morrendo. Já Os Candidatos tem um toque de conto de fadas. Essa diferença é cultural?
Ferrell: Por mais que o filme se mostre cínico a respeito do processo político, acho que ainda guardamos essa esperança de que no fim das contas a democracia vencerá. Há movimentos agora para fazer uma reforma financeira nos recursos usados em campanhas. Eu acho que se as coisas chegarem a um ponto crítico as pessoas vão dizer “chega” e “vamos mudar isso”. Isso que nós esperamos.
Vocês acham que isso ajuda a reforçar o “sonho americano”?
Galifianakis: Depende do que é esse “sonho americano”. Existem vários. Este filme coloca uma lente de aumento no processo político e o quanto ele se tornou algo ridículo.
Após o filme, quais vocês diriam que são os aspectos mais tristes e os mais engraçados da política?
Ferrell: Para mim, o mais triste é que a existência de todo esse processo não está encorajando as pessoas melhores e mais inteligentes a participarem dele.
Galifianakis: E essa é a razão por que é engraçado, no fim das contas.