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Em entrevista exclusiva, Iggy Pop celebra atividades fora da música e revela que sua carreira ao lado do Stooges pode ter chegado ao fim

Paulo Cavalcanti Publicado em 18/12/2014, às 17h39 - Atualizado em 29/01/2015, às 23h19

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<b>SURPREENDENDO</b><br>
Iggy no jardim da casa dele, em Miami, em foto recente

 - Mick Rock
<b>SURPREENDENDO</b><br> Iggy no jardim da casa dele, em Miami, em foto recente - Mick Rock

Iggy Pop não é mais o que por anos aparentou ser: a imagem de malucão e junkie autodestrutivo ficou para trás, nos tempos de esbórnia da primeira encarnação do The Stooges. Hoje, aos 67 anos, o cantor – nascido James Newell Osterberg Jr. – ainda é inspiração para a brigada do punk, mas sem a inconsequência juvenil que antigamente era combustível para ele nos palcos. Iggy é intelectualmente brilhante, bem-humorado e acessível. Mesmo não sendo exatamente um cidadão convencional, ele leva uma vida produtiva e relaxada em Miami, nos Estados Unidos.

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É em um hotel na cidade costeira que o padrinho do punk recebe a Rolling Stone Brasil para uma entrevista exclusiva. Os tempos estão mais calmos e turnês já não fazem parte da rotina: um final não foi anunciado oficialmente, mas o Stooges está em um hiato que parece não ter volta. Ainda que não esteja se apresentando ao vivo com frequência, Iggy está longe de permanecer parado. Ele se ocupa com várias outras atividades – a mais recente empreitada foi criar uma linha de acessórios para a franquia de roupas e bebidas Sailor Jerry, que homenageia o célebre tatuador.

Você já era familiarizado com o trabalho de Sailor Jerry antes de ser convidado para desenhar a coleção?

Eu não conheci pessoalmente o Norman Collins [nome verdadeiro de Jerry], mas sabia muito a respeito dele por causa da cultura da tatuagem. O tatuador e escritor Jonathan Shaw, um dos meus grandes amigos e mentores, me falou muito a respeito de Collins. Quando me convidaram, pensei: “Estou dentro”. Eu sempre gostei da minha associação a motociclistas, tatuadores e gente que usa couro. Pessoas com um estilo de vida diferente, como eu. Essa turma sempre foi muito legal comigo. Por meio desse trabalho resolvi fazer um tributo a todas essas tribos.

Muita gente ainda liga sua imagem à aspereza da cena punk de Detroit e Nova York, mas poucos sabem que você mora em Miami há muito tempo. Como fez da cidade o seu lar?

Eu amo Miami! Eu vim para cá no começo dos anos 1970, quando só tinha velhinhos aposentados. Queria ficar aqui, mas não tinha nenhum dinheiro. Shaw apareceu e falou: “Eu tenho um lugar para você”. E me vendeu uma casa bem barata. Eu cheguei a ter uma residência aqui no estilo mediterrâneo, igual àquelas que você acha em Salvador, na Bahia. Era uma vizinhança repleta de velhinhos judeus, algo bem tranquilo. Mas Miami está diferente. Às vezes, fica perigoso – você não sabe quem vai encontrar depois da meia-noite, se vai acabar saindo com um traficante de heroína. Os velhinhos de Miami começaram a morrer e agora aqui vivem esses nerds de computador, esse pessoal de reality show da MTV... Mas, ok, Miami ainda é um lugar cheio de malucos, mesmo.

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Você tem uma relação forte com a América Latina. As apresentações que fez no Brasil e na Argentina causaram um grande impacto.

Nos Estados Unidos, você ganha dinheiro, mas não aproveita a vida. Eu achava que com os latinos era justamente o contrário, mas talvez agora as coisas estejam mudando dos dois lados. Miami sempre teve uma presença forte de latinos: aqui tem brasileiros, haitianos, jamaicanos. Eu tive uma namorada da Argentina, conheci muita gente do Brasil, passei uns tempos em Bogotá, na Colômbia. Para os latinos, o lado humano é mais importante, algo que nem sempre ocorre com os norte-americanos. Meu sonho é arranjar alguns guarda-costas e sumir no meio do Paraguai! Mas, já que não é possível, viver em Miami é o mais perto disso que consigo.

Os três primeiros álbuns que você gravou com o Stooges ainda são uma bíblia do pré-punk. Como você vê esses trabalhos?

Desde o começo, com a formação original do Stooges, eu fazia canções simples o suficiente para você aprender a tocar em cinco minutos. Muita gente que formou banda veio dizer para mim que começou tocando as músicas do Stooges porque era fácil. Quando eu olho para as fotos antigas do grupo original, percebo como tudo era muito simples. Nós tornamos o rock algo informal com aquele primeiro álbum [The Stooges, de 1969]. No segundo [Fun House, de 1970], viemos mais agressivos. Mas aí gravamos Raw Power (1973) e sentimos a pressão – o som era mais rebelde. Todos os discos do Stooges têm um contexto. Vejo assim: o primeiro é selvageria primitiva e inocente. Para mim, ainda é o melhor que fizemos. No segundo, nós estávamos falando de uma forma indiferente: “Foda-se”. E, no terceiro, a agressão era mais direta. A partir daí, eu

rumei para a carreira solo e, do ponto de vista musical, ficou tudo diferente para mim.

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Em 2013, você lançou com o Stooges o álbum Ready to Die. Você gosta do disco?

Eu gosto, acho bom. Nos dois álbuns que fizemos quando os Stooges se reuniram, eu assumi um papel secundário. Todas as decisões importantes ficaram com Ron Asheton em The Weirdness (2007) e James Williamson em Ready to Die. James tomou conta de tudo. Ele estipulou onde gravar e quais faixas iriam entrar, me mandava bases prontas com o recado: “Você vai cantar sobre isso ou aquilo”. James não tinha feito nada por 30 anos, então concordei. Ele descartava improvisar no estúdio, já vinha com tudo pronto. Assim, em vez de eu me impor, nós acertamos um compromisso: nas apresentações ao vivo, eu mandava, e no estúdio ele dava as cartas. Eu tentei cantar da melhor maneira, embora alguns vocais pudessem ter sido melhores.

Canções como “1969”, “No Fun” e “I Wanna Be Your Dog” ainda tocam frequentemente nas rádios de classic rock. Qual é a sensação de olhar para esse legado?

Eu ainda gosto de ouvir essas canções no rádio, é um bom sentimento. Sei que “Candy” toca muito no Brasil, recebo relatórios dos direitos autorais. Toda vez que as pessoas assobiam ou cantarolam trechos dessas coisas que fiz há 40 e tantos anos, ainda me emociono. Depois de quase 60 anos, Chuck Berry pode estar cheio de tocar “Johnny B. Goode” ou outros hits, mas as canções dele fizeram sucesso na época em que foram lançadas. Entendo que um cara como ele possa ter ficado saturado. Não foi o meu caso. Ninguém aceitava o que eu fazia. Por isso, minhas músicas cresceram com o tempo. Mas concordo que não dá para fazer nada constantemente sem um descanso ou alguma mudança. Senão, fica irrelevante.

Como você se prepara para um show? As suas atuações no palco sempre estiveram entre as mais intensas do rock.

Nos meus primeiros anos, tudo era natural. Mas quando comecei a ficar mais velho, minhas horas pré-show se tornaram valiosas. Faço tudo aquilo que você imagina: alongamento, exercícios. Tenho uma concentração total. Sempre me preparo mentalmente, nunca penso em mais nada a não ser no que vai acontecer no palco. Os caras do Stooges nunca foram muito bons em saber quando começava ou terminava uma música. Eu tinha que ser um general com eles. Mas, quando estou lá em cima, não existe sensação melhor. Quando o som do local é bom, é sempre uma delícia curtir os caras tocando. E, é claro, não posso me esquecer do público. Quanto mais vital for a reação da plateia, melhor é a performance.

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Hoje, além de ser uma lenda do rock, você também se tornou um ícone para a moda. Foi uma transição natural?

No começo, eu não me importava com roupas. Usava qualquer coisa. Nunca considerava que eu tivesse um “estilo”. Só que hoje as pessoas olham fotos antigas minhas ou vasculham a internet e falam: “Que coisa foda, olha só o que o Iggy usava”. Eu experimentava tudo, desde roupas de mulher até acessórios para animais. Um dos meus vídeos mais conhecidos é um registro de “The Passenger” (1977) em que eu uso um rabo de cavalo preso na minha calça. Eu também usava coleira de cachorro. Mas não era imitação, era de verdade: eu entrava em uma loja de animais e comprava, não para um cão, mas para mim. Por muito tempo meu nome foi execrado, eu era chamado de esquisito para baixo. Os machões norte-americanos me odiavam; “Iggy” era um palavrão. Mas agora é cool. Depois do punk, tudo ficou normal. Hoje, as pessoas colocam em seus cachorros o nome Iggy!

O baterista Scott Asheton morreu em março de 2014. Como fica o Stooges agora?

Não sei. Ron, irmão de Scott, morreu em 2009, mas seguimos em frente quando o James Williamson se juntou a nós novamente. Agora, sem o Scott, não sobrou ninguém. Meu relacionamento com o James está zerado, não nos falamos muito ultimamente. Eu sei que ele está trabalhando em um disco solo, refazendo coisas antigas. Acho legal. Para ele é importante ser o chefe. Sem problemas.

Sem o Stooges, quais são seus planos?

Eu não tenho banda no momento e não vou chamar ninguém para tocar material do Stooges. Se eu achar músicos que conheçam bem meu trabalho solo, aí é outra história. O chato é que recebo ofertas para cantar em tudo quanto é lugar do mundo, especialmente da América do Sul, Austrália e Ásia, mas por enquanto não será possível atender a esses convites. Eu faço participação como convidado se me chamarem. Mas estou aberto a outras coisas, especialmente cinema e televisão, e tenho meu programa de rádio na BBC, que vai ao ar aos domingos. Preciso aproveitar meu tempo, estou chegando aos 70 anos. Sailor Jerry tinha esse lema: “A morte vai triunfar”. Então, não importa o que você faça, o cara da foice um dia vai te pegar.