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Impacto Permanente

Homem contraditório, ícone cultural e músico revolucionário, Bob Marley não deixou a mensagem se perder

Sérgio Martins Publicado em 11/02/2015, às 16h02 - Atualizado em 13/02/2015, às 10h19

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Quem chega a kingston, capital da Jamaica, e ruma para o Celebrity Park, situado perto do Estádio Nacional, vai se deparar com uma estátua em tamanho natural de Bob Marley. Inaugurado em 2013, o monumento mostra o cantor compenetrado, em pose imponente. Talvez Marley nunca tenha pensado em virar estátua, mas o fato de ser imortalizado em bronze prova que a ilha ainda trata com respeito seu filho mais ilustre.

Fruto de Trenchtown, região barra-pesada de Kingston, Marley tirou das ruas e das vielas do gueto jamaicano lições e convicções que o seguiriam por toda sua existência – do poder da música à necessidade de se cercar de amigos que viviam a dura realidade de lugares como a cidade onde ele cresceu.

Adepto do rastafarianismo, filosofia constituída por interpretações da Bíblia enfumaçadas pelo uso constante de ganja, morreu acreditando que Hailé Selassié, tirano da Etiópia, era a reencarnação de Jesus Cristo. E embora a luta contra o sistema e a opressão fossem temas constantes nas letras que fazia, é possível dizer que Marley tinha um lado bastante ingênuo em matéria de política. Ainda que negasse, foi usado por Edward Seaga e Michael Manley, líderes dos dois principais partidos políticos da Jamaica, que viam no reggae uma maneira fácil de dominar o povo. Marley pregou a necessidade de o continente africano se unir e se libertar de seus opressores, mas afagou o ego de dois dos piores escroques saídos daquela terra – Omar Bongo, que presidiu o Gabão por 41 anos, e Robert Mugabe, atual presidente do Zimbábue. Robert Nesta Marley foi assim mesmo: um mar de constantes contradições.

Bob Marley não criou o reggae – feito atribuído ao produtor Lee Perry –, mas foi ele quem melhor se apropriou do gênero. Primeiro, ao recrutar para sua banda, o The Wailers, os serviços dos irmãos Aston “Family Man” (baixo) e Carlton Barrett (bateria). Os Barrett são a base, a fundação da casa Wailers. O baixo de grooves abissais e a bateria de pouco prato e muito rataplã alimentaram as versões dub dos sucessos de Marley. Mais tarde, esse mesmo dub se ampliaria para outras vertentes da música eletrônica, como o trance e o drum and bass.

Como artista e uma espécie de mensageiro, Marley queria que sua música atingisse o maior número possível de pessoas. Por isso aceitou a proposta da gravadora Island de colocar um verniz no reggae produzido por ele e pelos parceiros Peter Tosh e Bunny Wailer.Catch a Fire (1973), produto dessa parceria, foi uma das tentativas mais frutíferas de globalizar o reggae. Assim, Marley foi influenciado e influenciou. Era fã de Beatles, Motown e do rhythm and blues captado pelas rádios jamaicanas via Miami, ao passo que, quando estourou mundialmente, viu dois de seus ídolos – Paul McCartney e Stevie Wonder – renderem homenagens a ele e ao reggae.

Uma das acusações mais banais feitas a Bob Marley e ao gênero do qual ele foi embaixador é que o estilo produz canções quase iguais entre si. É uma inverdade: o reggae é produto da agregação de vários ritmos que aportaram na Jamaica. E Bob Marley & The Wailers assimilaram essas e outras influências, principalmente na Island. O reggae de combate, de guitarra seca e aguda, sofreu alterações sensíveis por causa dos músicos que vez ou outra aterrissaram no grupo, caso dos guitarristas Donald Kinsey e Junior Marvin, que trouxeram influências do soul e do jazz. Durante o período em que se exilou em Londres, Marley conheceu ainda a disco music e o punk. Os dois gêneros foram incorporados de forma criativa – a disco, em “Jamming”, faixa de Exodus (1977); o punk, escarrado no disco ao vivo Babylon by Bus (1978), no qual os Wailers tocam com impetuosidade e uma velocidade assombrosa.

O reggae de Marley – combativo, multifacetado e pop – é o ponto de partida de tudo o que veio depois: dos essenciais Aswad e Steel Pulse, dois representantes do reggae britânico, às imitações pálidas feitas ao redor do globo, todos beberam na fonte jorrada por ele. A música sobrevive pujante; a estampa e a mística de Bob Marley não esmaecem. Não se pode negar, no entanto, que aos 70 anos de seu nascimento, Bob Marley acabou se tornando uma indústria. Quem nunca viu a imagem da coletânea best-seller Legend estampada nos mais diversos objetos? Pode parecer incoerente o rosto de um filho das desigualdades do Terceiro Mundo como Marley servir hoje para vender café, energético, fone de ouvido, bonés e todo o tipo de bugiganga. Mas, se o lado comercial é um tanto vulgar, a mensagem segue maior do que a vida.